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Assédio a jornalistas dispara antes das eleições nos EUA e futuro da liberdade de imprensa está ameaçado, diz relatório

Donald Trump no estúdio da Fox News falando sobre eleições nos EUA

Donald Trump é criticado por fomentar hostilidade contra a mídia (Foto: candidato em entrevista ao programa Gutfeld, da Fox News)

A segurança dos jornalistas nos EUA não é mais uma certeza, pois os profissionais de mídia enfrentam uma série de ameaças — incluindo violência, assédio online, processos judiciais  e operações policiais  — que unidas podem comprometer a liberdade de imprensa, de acordo com um novo relatório publicado pelo Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) a dois meses das eleições presidenciais. 

Em setembro de 2024, o assédio a jornalistas nos EUA em relação às suas reportagens aumentou em mais de 50% em comparação a 2023 — de 45 para 68 episódios — segundo dados do US Press Freedom Tracker, do qual o CPJ faz parte. 

O documento “No limite: o que a eleição nos EUA pode significar para jornalistas e a liberdade de imprensa global ” descreve como o clima hostil contra o jornalismo fomentado durante a presidência de Donald Trump deixou um legado que representa grandes riscos para a mídia dentro e fora do país. 

Candidatos que disputam as eleições nos EUA e compromissos com jornalismo 

Em setembro, o CPJ disse ter escrito para os dois candidatos presidenciais, Donald Trump e Kamala Harris, solicitando que eles afirmassem publicamente os direitos garantidos pela Primeira Emenda da Constituição, que garante a liberdade de expressão, e respeitassem os princípios básicos da liberdade de imprensa dentro e fora do país, mas nenhum dos dois assinou o compromisso. 

O documento do CPJ analisou os sinais dados por Trump e Harris sobre liberdade de imprensa. 

Em seu discurso de aceitação na Convenção Nacional Democrata, Harris citou a “intenção explícita de Trump de prender jornalistas, oponentes políticos, qualquer um que ele veja como inimigo”.

Embora a candidata Democrata não tenha se referido especificamente ao tema liberdade de imprensa, a plataforma do partido inclui uma seção descrevendo-a  como “fundamental para nossa nação” e rejeita explicitamente “a difamação da imprensa livre por Trump.

O companheiro de chapa de Harris, Tim Walz, cultivou um relacionamento geralmente positivo com a imprensa como governador de Minnesota, notavelmente se desculpando com o repórter da CNN Omar Jimenez depois que ele e sua equipe foram presos durante uma transmissão ao vivo dos protestos Black Lives Matter de 2020 em Minneapolis.

Em contraste, diz o CPJ, a plataforma do Partido Republicano não faz menção à liberdade de imprensa, “e Trump continua a atacar a mídia crítica e jornalistas individuais em comícios de campanha e nas mídias sociais, como fez ao longo de seus quatro anos como presidente.”

Durante sua presidência, Trump elogiou um congressista republicano de Montana por bater em um repórter, zombou publicamente de um repórter deficiente do New York Times e lançou regularmente ataques pessoais contra jornalistas, levando Chris Wallace, então âncora da Fox News, a observar :

‘Acredito que o presidente Trump está envolvido no ataque mais direto e sustentado à liberdade de imprensa em nossa história’.”

Riscos para o jornalismo vão além das eleições 

“É preocupante que, em um ambiente cada vez mais polarizado, ameaças à imprensa tenham se tornado rotina nos EUA”, disse Katherine Jacobsen, coordenadora do Comitê de Proteção a Jornalistas para a região que engloba EUA, Canadá e Caribe e autora do relatório.

Jacobsen destaca que a “a utilização de jornalistas como bodes expiatórios não só tem consequências para eles pessoalmente, mas também representa sérios riscos ao direito do público de ser informado, um elemento central de qualquer democracia.”

Quando Donald Trump deixou a presidência, o projeto US Press Freedom Tracker revelou que ele havia tuitado 2,5 mil vezes contra jornalistas e veículos de imprensa nos cinco anos entre o período em que se lançou candidato ao dia em que teve sua conta suspensa no Twitter após os ataques ao Capitólio – mais de uma postagem por dia. 

Os jornalistas também ainda estão lidando com as consequências do ataque de 6 de janeiro ao Capitólio dos EUA em 2021 e os protestos do Black Lives Matter que eclodiram em todo o país após o assassinato de George Floyd em Minneapolis em 25 de maio de 2020, de acordo com o CPJ.

Nenhuma acusação foi feita em pelo menos 15 dos 18 casos de jornalistas agredidos no Capitólio, e repórteres entrevistados pela organização disseram que houve pouca responsabilização pelas 273 agressões policiais a jornalistas que cobriram os protestos do Black Lives Matter.

Assédio judicial e online a jornalistas e veículos dos Estados Unidos 

Os meios de comunicação enfrentam ainda uma enxurrada de ações judiciais que esgotam seus recursos e podem colocar em risco os direitos da Primeira Emenda assegurados aos repórteres, bem como a  proteção das fontes confidenciais.

O relatório observa que ameaças a fontes ressaltam a necessidade de codificar proteções legais, como o PRESS Act , para garantir que jornalistas possam fazer o seu trabalho sem medo de vigilância por parte de autoridades ou serem forçados a divulgar suas fontes em tribunais. 

A legislação bipartidária, que o CPJ ajudou a criar, foi aprovada pela Câmara dos Representantes, mas estagnou no Senado.

Isso foi agravado por um aumento preocupante no assédio online, especialmente contra mulheres, jornalistas não brancos,  repórteres LGBTQ+ e jornalistas que pertencem a minorias religiosas ou étnicas, aponta o estudo. 

Esses riscos podem ser agravados porque jornalistas locais muitas vezes não têm o treinamento de segurança e os recursos encontrados em grandes veículos de mídia nacionais, tornando-os mais vulneráveis ​​a retaliações nas mãos daqueles descontentes com suas reportagens.

Resultado das eleições e riscos para a liberdade de imprensa no mundo 

O estudo do CPJ também salienta que jornalistas internacionais temem que o resultado da eleição de 5 de novembro possa ter implicações duradouras para a liberdade de imprensa em todo o mundo.

Uma administração hostil à imprensa poderia, por exemplo, cortar o financiamento do governo dos EUA para veículos de mídia que alcançam grandes públicos globais e encorajar líderes autoritários a reprimir jornalistas em seus próprios países.  

Segundo o Comitê, o documento publicado pelo think tank conservador Heritage Foundation e visto por muitos como um modelo para uma segunda administração Trump contém propostas que acabariam com o financiamento público para as redes públicas NPR e a Public Broadcasting Service
(PBS). 

Apesar do estado preocupante da liberdade de imprensa que se manifesta em pequenas e grandes cidades por todo o país, mais de 70% dos adultos dos EUA dizem que a liberdade de imprensa é extremamente ou muito importante para o bem-estar da sociedade, de acordo com uma pesquisa do Pew Research .

O relatório completo do Comitê de Proteção a Jornalistas pode ser visto aqui.

A organização Repórteres Sem Fronteiras também se dirigiu aos candidatos que disputam as eleições nos EUA, apresentando um plano de medidas para garantir a liberdade de imprensa.

 
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