Londres – Um relatório lançado pelo Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) a menos de um mês para as eleições presidenciais nos EUA aponta que o resultado da disputa entre Donald Trump e Kamala Harris em novembro não só definirá o futuro democrático do país, mas também poderá gerar impactos globais sobre a liberdade de imprensa e segurança dos jornalistas.

Nos últimos 30 anos, mudanças nas políticas americanas, como a restrição de liberdades civis, têm sido usadas como justificativa para medidas semelhantes em outros países restringindo a liberdade de imprensa, de acordo com a organização sediada em Washington. 

Além disso, a retórica de “fake news” de Donald Trump “foi um exemplo para líderes autoritários desacreditarem a mídia em seus países”, e o Brasil foi um dos países que mais sofreu esse efeito, diz o documento.

Durante o governo de Jair Bolsonaro, que seguiu de perto a cartilha populista de Trump, houve um aumento significativo na violência contra jornalistas, no assédio judicial e em campanhas de difamação contra repórteres, lembra o CPJ. 

Bolsonaro chegou a ser apelidado de “Trump dos Trópicos”, replicando a retórica agressiva contra a imprensa e fazendo acusações infundadas de fraude eleitoral, culminando no ataque ao Congresso brasileiro em 2023, observa o documento. 

Cristina Zahar, coordenadora do CPJ na América Latina, afirmou que Bolsonaro operava com a percepção de que o comportamento de Trump oferecia uma “carta branca” para líderes populistas.

Roberson Alphonse, editor-chefe do jornal Le Nouvelliste, do Haiti, também é citado no documento do CPJ apontando que a retórica de Trump, chamando jornalistas de “inimigos do povo”, tem sido perigosa e amplamente replicada.

No Oriente Médio, a situação não é diferente, alerta o relatório da organização.

O jornalista palestino Daoud Kuttab disse acreditar que, independentemente de quem vença as eleições, as condições em Gaza dificilmente melhorarão. Ele vê em Kamala Harris uma leve esperança de melhora, mas sem grandes mudanças.

Medidas antiterrorismo dos EUA inspiraram restrições à imprensa em vários países

Indo além da retórica, o CPJ destaca que após o 11 de setembro, leis antiterrorismo nos EUA inspiraram países como Marrocos a fechar jornais e deter jornalistas sob pretexto de combate ao terrorismo.

Na Rússia, esse mesmo argumento foi utilizado para justificar restrições a reportagens críticas.

Outro exemplo citado pelo Comitê é a reintrodução, em 2018, da Lei de Registro de Agentes Estrangeiros (FARA), que motivou legislações semelhantes em outros países, rotulando jornalistas como “agentes estrangeiros”.

Na Rússia, a lei que impõe uma série de restrições e medidas repressivas contra  jornalistas, veículos de imprensa e também organizações não-governamentais que recebam qualquer tipo de recurso financeiro do exterior levou a a um desmonte do jornalismo independente do país , atingindo até profissionais e meios de comunicação que passaram a funcionar no exílio. 

Relatório analisa os dois candidatos que disputam as eleições 

O relatório compara as abordagens dos candidatos à presidência. Enquanto Trump mantém uma postura agressiva em relação à imprensa, o discurso de Kamala Harris sugere um relacionamento mais civilizado.

A recente troca de prisioneiros entre os EUA e a Rússia, que incluiu jornalistas e dissidentes russos, foi percebida como um sinal positivo de que a administração Biden-Harris valoriza os direitos humanos e a liberdade de imprensa.

Por outro lado, o apoio entusiástico de Trump a Vladimir Putin gera preocupações de jornalistas em vários países.

Anna Nemzer, jornalista russa exilada, alertou no documento do CPJ que a simpatia de Trump por Putin envia uma mensagem perigosa, enfraquecendo críticos do regime russo e colocando em risco jornalistas independentes.

Na Ucrânia, Sevgil Musaieva, editora-chefe do site Ukrainska Pravda, se disse preocupada com o impacto de uma possível vitória de Trump.

Ela afirmou que a diferença entre Harris e Trump pode ser decisiva para a independência jornalística do país e para a capacidade da Ucrânia de continuar se defendendo contra a Rússia.

O futuro da imprensa independente global 

A eleição nos EUA também pode afetar o financiamento de redes globais de mídia, como a Voice of America (VOA) e a Radio Free Europe/Radio Liberty (RFE/RL), que são essenciais para fornecer notícias imparciais a regiões onde a imprensa sofre restrições, diz o Comitê de Proteção a Jornalistas. 

Trump tentou, durante seu governo, politizar essas agências, ameaçando sua independência editorial.

Essas tentativas foram bloqueadas por ações judiciais, mas a preocupação de que ele possa tentar novamente persiste.

“Com tantos riscos em jogo, não é surpresa que jornalistas em todo o mundo estejam acompanhando a eleição nos EUA com grande apreensão, temendo as repercussões que uma presidência de Trump ou Harris pode ter para a liberdade de imprensa e a segurança dos profissionais da mídia em escala global”, aponta o documento.