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Desinformação climática: nova pesquisa revela como a repetição de mentiras pode moldar opiniões

Cartaz em passeata com mensagem de evidências da ciência climática

Foto: Marcus Spiske / Unsplash

Quem se considera um defensor da ciência climática provavelmente não imaginaria que a simples exposição a afirmações de um cético poderia mudar sua opinião.

No entanto, nossa nova pesquisa revelou uma realidade preocupante. A desinformação climática pode ser mais eficaz do que gostaríamos de acreditar devido a um fenômeno chamado efeito da verdade ilusória. 

Em suma, temos mais probabilidade de acreditar em uma mentira se formos expostos a ela repetidamente. Pior, o efeito é rápido – uma mentira parece ser mais verdadeira mesmo após apenas uma repetição.

À medida que nossos feeds de mídia social se enchem de bots controlados por IA, a repetição de mentiras pode corroer o recurso mais essencial para a ação sobre as mudanças climáticas: o apoio público.

Já na mídia tradicional o problema é diferente: em seu compromisso de apresentar ambos os lados, os jornalistas frequentemente dão plataforma aos céticos do clima, cujas alegações falsas aumentam a repetição de desinformação.

Não há uma solução fácil. Mas uma coisa que funciona é voltar ao consenso científico de que nossas atividades são a principal causa do aquecimento global – e ao apoio público esmagador em todo o mundo para uma ação mais forte sobre as mudanças climáticas.

Ciência climática x verdade 

Há muito tempo sabemos sobre o efeito da verdade ilusória, onde a mera repetição faz com que a informação pareça mais verdadeira, independentemente de ser verdadeira ou falsa.

A razão pela qual isso funciona conosco é a familiaridade – quando a informação se torna familiar, atribuímos mentalmente um nível de verdade a ela.

Mas essa repetição ainda muda as percepções da verdade quando mantemos crenças aparentemente fortes?

Para descobrir a resposta, a pesquisa realizou experimentos com um total de 172 pessoas que em sua maioria tinham pensamento alinhado à ciência climática.

Elas foram expostas a alegações solidamente baseadas na ciência, a alegações que a questionavam e a informações relacionadas a fenômenos atmosféricos. 

Os participantes viram algumas alegações apenas uma vez, enquanto outras foram repetidas.

Os resultados demonstraram que bastou uma única repetição para fazer as alegações parecerem mais verdadeiras. Isso aconteceu para todos os tipos de alegações, incluindo aquelas baseadas na ciência do clima e as alegações céticas.

Esse comportamento aconteceu até mesmo com aquelas pessoas que se consideravam apoiadoras do consenso científico de que a mudança climática é causada pelo homem e que se disseram altamente preocupadas com ela.

O efeito se manteve mesmo quando esses participantes identificaram mais tarde que a alegação estava alinhada com o ceticismo climático.

Os propagadores de desinformação podem enganar a mídia tradicional

Nos últimos anos, muitos pesquisadores exploraram o efeito da verdade ilusória em diferentes áreas do conhecimento.

Essa base de evidências aponta para uma descoberta importante: informações de baixa qualidade ou maliciosas podem ser “lavadas” por meio da repetição, de forma a parecerem verdadeiras e confiáveis.

Isso representa um desafio interessante para a maneira como a mídia tradicional tem operado por muito tempo. Muitos jornalistas se orgulham de sua adesão a reportagens justas e equilibradas.

A razão para isso está na história – quando a mídia de massa surgiu pela primeira vez como uma grande força no século XIX, o jornalismo altamente partidário ou sensacionalista era comum.

O jornalismo equilibrado surgiu como um contraponto a isso, prometendo dar plataforma a vários lados de um debate.

Mas o equilíbrio pode ser facilmente manipulado. Dar exposição igual a vozes opostas pode levar as pessoas a pensar que há menos consenso de especialistas.

Como podemos nos defender?

O que a pesquisa sugere é que comentários, artigos e postagens de desinformação climática podem ter uma natureza corrosiva: quanto mais somos expostos a eles, maior a probabilidade de aceitá-los.

Pode-se pensar que inteligência e pensamento cuidadoso têm um efeito protetor. Mas um olhar mais amplo sobre as pesquisas a respeito da verdade ilusória demonstra que ser mais inteligente ou mais racional não é proteção contra repetição.

Pesquisadores encontraram uma solução confiável: volte ao consenso científico.

Por décadas, cientistas pesquisaram se nossas atividades são a principal causa do aumento das temperaturas globais.

Muitas linhas diferentes de evidências, desde taxas de derretimento de gelo até temperaturas do mar e medições por satélite, agora responderam a isso de forma conclusiva.

O consenso científico agora é 99,9% certo, um número que só cresceu ao longo do tempo. Basear-se nesse consenso pode funcionar para nos proteger de aceitar argumentos céticos, lembrando-nos das áreas muito amplas de concordância.

No entanto, há um problema sistêmico. Nunca antes na história fomos capazes de acessar tanta informação. Mas nossos ambientes de informação não são benignos

Atores com interesses estão trabalhando em muitas áreas da vida pública, tentando moldar o que fazemos ou deixamos de fazer. Precisamos aprender mais sobre como podemos combater o poder das mentiras repetidas.

 O estudo completo pode ser visto aqui. 


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons. 

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