Os jornais Los Angeles Times e Washington Post quebraram com uma tradição de décadas nos Estados Unidos e se encontram no centro de uma polêmica que pode mexer com as campanhas de Kamala Harris e Donald Trump.
Ambos anunciaram que não apoiarão nenhum candidato à Presidência na eleição deste ano – no caso do LA Times, essa é a primeira vez que o veículo não endossa uma candidatura democrata desde 2008, quando apoiou Barack Obama.
Coincidência ou não, as equipes dos dois jornais já estavam certas de que o apoio a Kamala seria anunciado em breve, mas foram surpreendidas com a decisão dos bilionários donos dos veículos.
Jornais descartam editoriais que apoiariam Kamala
O LA Times já tinha feito um esboço do texto apoiando a candidatura de Kamala Harris quando a chefe dos editoriais, Mariel Garza, foi informada que o veículo não iria apoiar nem a candidata democrata, nem o republicano Donald Trump.
A decisão primeiro foi comunicada dias antes ao conselho editoral por Patrick Soon-Shiong, bilionário da biotecnologia dono do jornal desde 2018.
Garza não ficou feliz com o que chamou de “silêncio” do veículo sobre uma eleição crucial para os EUA e pediu demissão na última quarta-feira (23).
“Em tempos perigosos, pessoas honestas precisam se posicionar. É assim que estou me posicionando”, declarou a editora em entrevista ao Columbia Journalism Review.
Após ela, mais dois colegas do conselho editoral do LA Times também se demitiram.
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E dois dias depois, foi a vez do Washington Post publicar um editorial ressaltando a “imparcialidade” do veículo, o que impediria, desta vez, seu apoio público a um candidato à Presidência dos EUA.
A máscara de “neutralidade”, porém, caiu no mesmo dia: dois repórteres do WP revelaram que a equipe editorial já tinha elaborado o texto em apoioa Kamala, mas a publicação dele foi barrada pelo dono do veículo, Jeff Bezos, também fundador da Amazon.
No mesmo dia, colunistas do WP escreveram que era um “erro terrível” o veículo não apoiar nenhum candidato presidencial e deixar nas entrelinhas um aceno positivo para Trump:
“Este é um momento para o jornal deixar claro seu compromisso com os valores democráticos, o Estado de direito e as alianças internacionais, e a ameaça que Donald Trump representa a tudo isso, como destacado em campanhas anteriores.”
Não declarar apoio é também uma forma de se posicionar
Jornais declararem apoio a candidatos não necessariamente interferem no resultado da eleição.
No entanto, apelar para a “isenção” e “imparcialidade” também é uma forma de se posicionar — e, neste caso, se posicionar a favor de Trump.
Analistas já dizem que o republicano pode se beneficiar dessa onda de “neutralidade” da imprensa norte-americana.
A colunista Margaret Sullivan, do The Guardian, destaca que a posição do LA Times e do WP pode representar uma de duas opções: ou esses veículos querem Trump eleito para atender aos interesses individuais de seus donos; ou não o querem como inimigo, caso ele derrote Kamala – desconsiderando que Trump já representou e ainda represente uma ameaça à liberdade de imprensa.
Também vale considerar que a posição “neutra” dos jornais pode reforçar a narrativa de outsider e antissistema de Trump.
A falta de um apoio declarado de um grande veículo pode fazer o ex-presidente, mais uma vez, incorporar ao seu discurso de que somente ele se coloca como oposição a um sistema que, segundo ele, está contra os interesses do povo dos EUA.
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