Londres – Não são só os jornalistas: uma pesquisa apresentada durante a Trust Conference 2024, realizada em outubro pela Thomson Reuters Foundation em Londres, demonstra que o cerco à liberdade de imprensa está se estendendo aos advogados que os defendem e acabam virando também alvo de perseguição, submetidos a prisões e exílio.
A pesquisa é o resultado do esforço conjunto do Centro de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos, do projeto Media Defence e da Thomson Reuters Foundation, revelando que os os casos têm se multiplicado nos últimos cinco anos.
Os resultados preliminares identificaram mais de 40 advogados perseguidos por defenderem jornalistas ou a liberdade de atuação de veículos de imprensa.
Mas esse número pode ser a ponta do iceberg, em virtude de as vítimas não reportarem a perseguição por medo de retaliações.
O estudo apontou os dez países campeões na perseguição a advogados que defendem jornalistas: Guatemala, Turquia, Azerbaijão, Rússia, Zimbábue, Quirguistão, Etiópia, Bielorússia, China e Hong Kong.
Rússia fez advogado de jornalista se exilar e prendeu o outro
Na palestra “Sob cerco: o custo de defender a liberdade de imprensa”, a Diretora do TrustLaw, a advogada Carolina Henriques-Schmitz, ressaltou que a “guerra legal” está aumentando em intensidade e complexidade.
E o resultado são os danos à liberdade, bem-estar e segurança financeira tanto dos jornalistas como dos advogados que os defendem.
A TrustLaw, mantida pela Thomson Reuters Foundation, é a instituição que mais destina recursos globalmente para financiar apoio jurídico gratuito a jornalistas.
Para exemplificar a que ponto as carreiras de advogados podem ser destroçadas por governos autoritários em virtude de seu trabalho de defender jornalistas, Carolina citou os casos dos advogados Ivan Pavlov e Dmitry Talintov, na Rússia.
Pavlov era diretor da Team 29, uma associação de advogados e jornalistas que provê assistência legal a pessoas que defendem a liberdade do acesso à informação.
Ele tornou-se conhecido por defender o já falecido prisioneiro político Alexei Navalny e o jornalista Ivan Saranov. Foi a defesa deste último que lhe custou a opção pelo exílio.
Jornalista foi acusado de alta traição
Ivan Saranov foi preso em 2020 e acusado de alta traição por supostamente compartilhar informações confidenciais com o serviço de inteligência tcheco.
Mas, na verdade, a perseguição se deveu à reportagem que publicara no ano anterior sobre a venda de caças russos ao Egito.
O Serviço de Segurança Federal Russo estendeu o cerco a Pavlov, primeiramente com uma detenção para interrogatório, e depois com o indiciamento pelo suposto vazamento de dados da investigação preliminar do caso Saranov.
Pavlov ficou sujeito a pena de 3 meses de prisão e o site do Team 29 foi bloqueado por determinação do Procurador-Geral da Rússia, sob a alegação de que o grupo manteria laços com uma ONG tcheca contrária aos interesses russos.
Como resultado, o Team 29 encerrou as atividades na Rússia, seus ex-membros continuam a atuar em caráter pessoal e Pavlov foi forçado a abdicar da defesa de Saranov e se exilar.
Mas a história não termina aí. O advogado que substituiu Pavlov, Dmitry Talintov, foi detido em seguida, sob acusações com penas que chegam a 15 anos de prisão.
A Diretora do TrustLaw informou na palestra que Talintov permanece em prisão preventiva por tempo indeterminado, não se sabe em quais condições.
Por seu lado, o jornalista Saranov teve sorte ainda pior que seus advogados. Julgado sem o adequado apoio jurídico, está agora cumprindo uma pena de 22 anos de prisão, sem possibilidade de apelação.
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Assédio aos advogados que defendem jornalistas é um atentado à democracia
Carolina ressalta que esse tipo de ação por parte de governos autoritários tem um efeito inibidor sobre os advogados, que temem os riscos de defender os jornalistas injustamente perseguidos. Além disso, limita o direito dos cidadãos de terem a acesso a informações de interesse público.
“Na medida em que a lei é usada para calar o jornalismo, os advogados são a chave para defender a liberdade de imprensa e a democracia.”
Ela enfatiza que para responder ao cerco legal, é necessária a união de jornalistas, sociedade civil e dos próprios advogados para quantificar a real dimensão do assédio nos diversos países e para aumentar a conscientização da necessidade de medidas para denunciá-lo e combatê-lo.
Carolina espera que a divulgação da pesquisa seja um primeiro passo nessa direção.
O primeiro estudo realizado sobre o tema pode ser visto aqui.
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