Londres – Para Richard Gingras, Vice-Presidente do News at Google, o uso da IA não deve se limitar à busca de um jornalismo mais eficiente. Na sua opinião, o principal desafio é o uso da IA para transformar o jornalismo e fazê-lo ir além de suas capacidades atuais.
“Como podemos fazer o jornalismo que precisamos fazer, não apenas para ganhar a confiança, mas para dar às pessoas uma visão verdadeiramente precisa e baseada em fatos do mundo em que vivem?”
Ele falou sobre o tema numa palestra na Trust Conference, realizada no final de outubro em Londres. É uma questão que o acompanha diariamente.
Na sua função, Gingras é responsável pela maneira como o Google apresenta notícias na pesquisa do Google e no Google News. Além disso, é membro fundador do Center for News, Technology, and Innovation.
Envolvido com mídia digital desde 1980 ou, como disse uma vez, “desde os dias dos modems movidos a vapor”, ele compartilhou algumas de suas ideias na Trust Conference 2024.
Gingras acredita que a crise de confiança no jornalismo vem se desenrolando nos últimos 50 anos.
“Vivemos em um mundo altamente dividido. Temos mídias hiperpartidárias.
Como podemos construir meios de comunicação e abordagens jornalísticas que ajudem a preencher essas lacunas? Como usamos a AI para ir além disso, para realmente levar a profissão adiante?”
O Vice-Presidente do Google at News apontou o risco de o jornalismo exacerbar esses sentimentos de divisão com notícias sem o devido contexto, que pode ser dado com o uso de ferramentas baseadas em inteligência artificial.
Ele disse que as pessoas tendem a perder ameaças que não são reais, dando como exemplo as estatísticas de que uma pessoa tem 35 vezes mais chances de morrer de câncer ou doença cardíaca do que de crimes. E 11 mil vezes mais chances de morrer dessas coisas do que de terrorismo.
“O jornalismo contribui para isso ao reportar eventos sem contextualizar se é uma tendência perigosa ou não. Ferramentas podem ajudar o jornalista a dar esse contexto ou evitar o uso inconsciente de linguagem tendenciosa, de maneira a não deixar as pessoas tirarem conclusões erradas.”
IA nas redações e no negócio
Gingras lembrou que a introdução de ferramentas de machine learning em redações não é novidade.
“Introduzimos a primeira, Pinpoint, há cerca de seis anos, destinada a capacitar os jornalistas investigativos a analisar grandes volumes de documentos corporativos, permitindo-lhes fazer o que de outra forma não poderiam fazer.”
O diretor do Google salientou que a IA generativa oferece oportunidades na produção jornalística e para tornar o negócio mais sustentável.
“Ela pode ser usada para atividades como aumentar o engajamento, elaborando boletins informativos e formulando argumentos de venda para impulsionar melhor os fluxos de assinatura, ajudando a entender melhor o que o público está procurando e como eles respondem ao que estão vendo.”
Com seu Gemini, o Google está entre as empresas que despertam oposição de criadores de conteúdo (jornalístico ou não). Isso porque o Gemini usa, sem pagar, a produção desses criadores para alimentar seus chatbots e com isso diminui a geração de tráfego para as empresas jornalísticas.
Durante a palestra, Gingras rebateu os ataques ao Google por suposto preconceito nos resultados apresentados nas buscas.
“Se você me perguntar qual é a definição da uma palavra, sem problemas. Se pedir uma receita de bolo, sem problemas. Mas perguntas sobre acontecimentos da atualidade, ou sobre política, não têm uma única resposta certa.
E nossa melhor resposta é dizer que apresentamos diversas perspectivas de várias fontes, tão de alta qualidade quanto podemos identificar. Então, para nós, seria suicida dizer: aqui está a resposta singular sobre uma questão complexa sobre eventos atuais ou política.”
Ele se referiu ao momento atual como o de “surgimento de mecanismos de resposta que obviamente podem impactar” a posição de mercado do Google, e disse ter dúvidas sobre como irão evoluir.
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