Londres -Enquanto os EUA rumam para uma era em que as decisões políticas sobre clima e saúde podem deixar de ser tomadas apenas com base na ciência, e representantes de quase 200 nações estão na COP29 tentando um acordo sobre medidas de combate às mudanças climáticas comprovadas por acadêmicos, uma nova pesquisa feita pelo Pew Research Center chama a atenção para a confiança do público nos cientistas – e isso pode ser uma oportunidade para a imprensa.
O estudo mostrou que 76% dos americanos expressam um alto ou moderado nível de confiança na atuação dos pesquisadores em prol do interesse público.
Dar destaque a eles em matérias, valorizando as fontes científicas para subsidiar ou explicar os temas relacionados ao clima, e até mesmo em ações de comunicação corporativa tem o potencial de contribuir para que as mensagens recebam mais atenção.
Mas nem os cientistas estão imunes à onda de desconfiança que varreu o mundo após a pandemia do coronavírus.
Embora a taxa de 76% represente uma recuperação em relação à queda observada durante a crise da Covid, ela ainda está abaixo dos 87% registrados em abril de 2020.
O negacionismo e a desinformação associados à segurança das vacinas e medidas de isolamento social podem ter uma parcela de culpa na deterioração da confiança nos cientistas naquele momento, e a recuperção plena ainda não aconteceu, segundo o Pew.
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Confiança nos cientistas mais alta do que em outros grupos profissionais e institucionais
De qualquer forma, a reputação deles é mais alta do que a de líderes empresariais, autoridades religiosas, políticos eleitos e jornalistas.
A pesquisa mostra que os americanos associam os cientistas a características como inteligência (89%), foco na solução de problemas reais (65%) e honestidade (65%).
Em uma era marcada pela desinformação e pela polarização, eles podem ser um trunfo para a imprensa apresentar informações precisas e confiáveis ao público − e de quebra melhorar a percepção de credibilidade em si própria.
Os pontos fracos: habilidade de comunicação, traquejo social e “superioridade”
No entanto, os cientistas precisam fazer o “dever de casa”.
O estudo do Pew revelou que são vistos como bons comunicadores por apenas 45% dos entrevistados. A comunidade científica precisa aprimorar suas habilidades de comunicação para se conectar de forma mais eficaz com a sociedade.
Os pesquisadores − com a ajuda de seus assessores de comunicação − devem também observar as fraquezas em sua imagem e trabalhar para neutralizá-las.
Cerca de metade dos americanos (49%) os considera “sem traquejo social”, enquanto 47% dos entrevistados disseram ter a impressão de que eles “se acham superiores” às outras pessoas.
Outros sentimentos negativos mencionados foram a imagem de que são frios, de mente fechada ou desatentos aos valores morais da sociedade.
Superar essas barreiras pode fortalecer o papel dos cientistas e contribuir para um debate público mais informado e produtivo.
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Ainda assim, nos EUA a batalha da credibilidade na ciência não será simples com Donald Trump na presidência. A nomeação do controvertido Robert F. Kennedy Jr. para liderar a saúde é uma pequena amostra.
A pesquisa do Pew revela uma diferença partidária significativa na confiança nos cientistas, com 88% dos democratas e apenas 66% dos republicanos expressando confiar neles.
Essa disparidade reflete-se também na visão sobre o papel de pesquisadores na formulação de políticas públicas, com os democratas sendo mais favoráveis à sua participação ativa. Mas os democratas perderam a eleição nos EUA, e lá essa oportunidade provavelmente não será aproveitada.
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