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Na COP29, Espanha lembra tragédia de Valência para pedir fim do uso de combustíveis fósseis

Premiê da Espanha Pedro Sanchéz durante a COP29

Pedro Sanchéz, premiê da Espanha, durante a COP29 (divulgação X)

Barcelona – As enchentes diluvianas, as mais de 200 mortes, a lama da destruição e a dor causada pela maior tempestade do século na região de Valência, na Espanha, foram o trágico pano de fundo da COP29

A fúria das águas afetou o leste e também o sul do país em 29 de outubro, inundando casas, arrastando carros e destruindo o que encontrava no caminho. Em Valência, a chuva de um ano inteiro caiu em apenas oito horas. Em seu discurso na cúpula de Baku, o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, disse:

“Acabo de presenciar um dos maiores desastres climáticos de nossa história. Mais de 200 pessoas perderam suas vidas, e elas são a razão pela qual estou aqui, para dizer alto e claro que a mudança climática mata.”

O que ocorreu em Valência não é um fato isolado, ressaltou o primeiro-ministro. 

Na COP29, Espanha ao lado dos que não querem mais combustíveis fósseis

Ele se alinhou aos que pedem o fim dos combustíveis fósseis: 

“Enquanto não deixarmos de consumir combustíveis fósseis, estes fenômenos serão cada vez mais frequentes e intensos”, acrescentou Sánchez, ao mesmo tempo em que imagens da destruição extrema e dos trabalhos de resgate na Espanha continuavam a correr o mundo.

DANA’, o fenômeno que causou a tragédia

As chuvas torrenciais a que o primeiro-ministro da Espanha se referiu em seu discurso na COP29 foram provocadas pelo fenômeno meteorológico DANA (Depressão Isolada em Altos Níveis),conhecido como gota fria. É resultado da colisão de uma massa de ar frio formada nas altas camadas da atmosfera com o ar quente da superfície.

A superfície do mar Mediterrâneo tornou-se muito mais quente, e uma enorme quantidade de vapor de água sobe para as camadas superiores da atmosfera.

Segundo o jornal El Mundo, em agosto deste ano o Mediterrâneo bateu novo recorde de temperatura: 28,9ºC.

No imediatismo da mídia, drama humano dominou

Apesar das evidências, nenhuma associação com as mudanças climáticas foi feita de imediato pela mídia espanhola, o que só começaria a acontecer dias depois.

Com o país em choque, os primeiros dias da cobertura foram dominados pelo drama dos desaparecidos, do luto, da dor de quem perdeu tudo, dos que foram arrastados pela força descomunal das águas, dos que sobreviveram ao cataclisma agarrados a árvores.

Inicialmente, jornais como o La Razón e o ABC fizeram analogias com as chuvas torrenciais em Barcelona em 1962 – a maior catástrofe hidrológica da história da Espanha.

Oficialmente morreram 617 pessoas em algumas horas naquele evento, embora estudos recentes afirmem que as vítimas fatais chegaram a 1 mil.

Aquela tragédia foi atribuída principalmente à ocupação desordenada da zona de Vallès, em terrenos às margens do rio.

‘Ninguém nos alertou’

Na DANA de Valência, a reação inicial da população foi de total perplexidade. “Ninguém nos alertou” foi o mantra que se repetiu desde os primeiros momentos da cobertura.

Passaram-se quase doze horas entre o alerta vermelho da AEMET (a Agência Estatal de Meteorologia) e o envio aos celulares dos valencianos, “quando já estávamos com água pelo pescoço”, disse Andrés Gómez, meteorologista da TV pública espanhola (TVE) que estava no sul de Valência – o chamado “marco zero” da catástrofe.

Em sites de notícias e nas redes sociais, houve uma onda de críticas ao governo local pela decisão de eliminar a Unidade de Emergências Valenciana (UEV), desativada em novembro de 2023.

Apoiado pelo partido de extrema direita Vox, o governo regional liderado por Carlos Mazón (do conservador Partido Popular) suprimiu o organismo – criado meses antes pelo governo do socialista Ximo Puig, de acordo com o El País – por considerar que ele representava um gasto desnecessário.

Para muitos, a decisão prejudicou a capacidade de resposta à DANA – e a cobertura foi se politizando cada vez mais.

Em Valência, lama na reputação das autoridades da Espanha às vésperas da COP29

Cinco dias após o abalo, o choque causado pelas enchentes de Valência deu lugar à ira.

Aos gritos de “assassinos”, residentes arremessaram lama, pedras e garrafas contra uma comitiva formada pelos reis Felipe VI e Letizia, o primeiro-ministro Pedro Sánchez e o presidente regional de Valência, Carlos Mazón, durante sua visita a Paiporta – a região mais afetada.

Com respingos de lama no rosto, o rei Felipe VI pediu calma, e apelou a um grupo de jovens para que não se deixassem levar por notícias falsas e desinformação.

Em seguida, no dia 9 de novembro, as manchetes foram dominadas pelo protesto reunindo milhares de pessoas em Valência para denunciar a má gestão da catástrofe por parte das autoridades e exigir a renúncia de Mazón.

“Estamos manchados de barro, e vocês de sangue”, gritavam os manifestantes. Também houve protestos em Madrid, Alicante e Elche.

Atribuição: relatórios científicos inseriram mudança climática na pauta da imprensa

Se nos primeiros momentos da tragédia em Valência a cobertura foi concentrada na dor humana e no fact-checking da avalanche de notícias falsas, nos dias seguintes a mídia espanhola deu destaque a dois estudos preliminares elaborados por organizações meteorológicas internacionais, que chegaram à mesma conclusão: a DANA foi consequência das mudanças climáticas.

O primeiro, da World Weather Attribution (WWA), indica que o fenômeno provocou precipitações 12% mais intensas em relação ao clima pré-industrial, que era 1,3ºC mais frio.

“Registros históricos dão conta de que as chuvas torrenciais ocorridas em um dia na região estão aumentando, à medida em que as emissões de combustíveis fósseis continuam a aquecer o clima”, assinala o relatório da WWA.

A segunda análise, elaborada pelo ClimaMeter – projeto financiado pela União Europeia e pelo Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) da França – reforça as conclusões da WWA, e afirma que atualmente os fenômenos DANA são até 15% mais fortes no litoral mediterrâneo espanhol do que no passado.

O jornal La Vanguardia destacou outro relatório, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), indicando que os fenômenos meteorológicos extremos são cada vez mais prováveis e graves, devido às mudanças climáticas.

O Greenpeace afirma que a Espanha é um dos países que mais vai sofrer.

Financiamento climático e vontade política, ‘recursos escassos’ no planeta

A cúpula de Baku “deve ser lembrada como o momento em que transformamos palavras em números”, assinalou durante a COP29 o primeiro-ministro da Espanha, em referência ao principal acordo aguardado – o financiamento climático para os países menos desenvolvidos.

Pedro Sánchez pediu uma reforma da arquitetura financeira global para refletir a realidade, ao lamentar que a mobilização atual das finanças “não é suficiente”.

“Devemos inovar, incorporando o setor privado e mobilizando fontes alternativas, como as grandes fortunas”, destacou ele.

“É preciso fazer uma adaptação abrangente à mudança climática” – sublinhou o ambientalista Miguel Aguado, em entrevista ao jornal El Periodico.

Ele apontou a necessidade de alterar o modelo de urbanismo e optar por cultivos que requerem um baixo consumo de água, além de aproveitar mais os recursos naturais como o vento e o sol.

O ambientalista reconhece passos importantes em relação às energias renováveis em todo o planeta. Mas enfatiza a necessidade de decisões rápidas e concretas, porque o tempo é crucial.

”Como disse Al Gore (ex-vice-presidente dos Estados Unidos e líder ambientalista), ‘o recurso mais escasso do planeta é a vontade’. E especialmente a vontade política”, afirmou.


Este artigo faz parte da edição especial MediaTalks COP29. Leia aqui a revista completa.

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