Londres – Durante a COP29, em Baku, os temores sobre o que Donald Trump pode fazer a respeito do clima ao assumir o cargo e as críticas a nomes escolhidos para cargos-chave estiveram em conversas e reportagens.
Ele é o “malvado favorito” de muita gente, e outro tanto acredita que os EUA, sob seu domínio, são um Titanic condenado ao naufrágio.
Mas a democracia, assim como Hollywood, às vezes insiste na sequência de filmes que fracassaram nas críticas mas foram sucesso de bilheteria.
‘Elenco’ Trump para o clima não é animador
No elenco escolhido por Donald Trump em postos-chave ligados ao clima estão Chris Wright e Lee Zeldin, futuros líderes do Departamento de Energia e da Agência de Proteção Ambiental, respectivamente.
Wright é executivo do ramo de petróleo e defensor do “fracking”, técnica de extração de óleo e gás natural do subsolo, alvo de protestos de ativistas durante a COP29.
Já Zeldin, um advogado de 44 anos, ao longo de sua trajetória política votou contra proteger áreas ao redor do Parque Nacional do Grand Canyon da mineração de urânio; contra a criação de um escritório de resiliência climática na Casa Branca; a favor de encerrar a participação dos EUA em uma convenção da ONU sobre mudança climática e contra um investimento bilionário para substituir tubulações de chumbo da rede de água potável.
O roteiro não parece animador para quem acha que estamos escrevendo as primeiras páginas do apocalipse climático. Mas se tem uma coisa que livros nos ensinam, é que tudo tem um precedente – e basta voltar alguns capítulos para encontrar novas narrativas.
Rebobine, por favor
Em seu primeiro mandato, Trump destruiu iniciativas em prol do clima ao tentar reverter 125 proteções ambientais.
Embora muitas dessas tentativas tenham sido anuladas ou suspensas nos tribunais, uma segunda presidência de Trump pode ter mais sucesso em investidas semelhantes, uma vez que os republicanos agora são maioria no Senado e na Câmara dos Representantes.
Mas a onda vermelha no Congresso deve encontrar resistência na força local, como antes. Assim que Trump anunciou, em 2017, a saída dos EUA do Acordo de Paris, comunidades, estados, líderes empresariais e grupos de mídia se uniram para formar a America Is All In, uma coalizão a favor de ações climáticas.
Mais de 4 mil prefeitos, governadores, presidentes de universidades e executivos assinaram a declaração “We Are Still In”, comprometendo-se a cumprir as metas do Acordo de Paris e a continuar o diálogo com a comunidade internacional.
O relatório Accelerating America’s Pledge, de 2019, descobriu que a liderança “de baixo para cima” reduziria as emissões dos EUA em até 37% até 2030, mesmo sem apoio federal.
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Ações ligadas ao clima avançaram sob Trump
Assim, desde o primeiro governo Trump, as iniciativas de ação climática subnacionais só cresceram – em força e comprometimento. A copresidente-gerente da America Is All In e ex-administradora da EPA, Gina McCarthy, disse:
“Não importa o que Trump diga, a mudança para energia limpa não pode ser parada, e nosso país não vai voltar atrás”.
Muitos estados promulgaram políticas climáticas ambiciosas. Os 24 estados e territórios que compõem a bipartidária U.S. Climate Alliance, representando 54% da população e 57% da economia dos EUA, se comprometeram coletivamente a atingir emissões líquidas zero até 2050.
Alguns estados estão prontos para uma ação ainda maior antes que Trump tome posse. Na Califórnia, por exemplo, os eleitores aprovaram quase que por unanimidade a Proposta 4, um investimento de US$ 10 bilhões que ajudará o estado a se preparar para os impactos das mudanças climáticas.
Logo após a eleição, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, anunciou uma sessão especial da legislatura estadual para tomar medidas “para salvaguardar os valores da Califórnia” — incluindo a luta contra as mudanças climáticas — antes do segundo mandato de Trump.
Um dia depois, o California Air Resources Board (CARB) aprovou atualizações para o Low Carbon Fuel Standard (LCFS), projetado para acelerar o desenvolvimento de combustíveis limpos e infraestrutura de emissão zero, com o objetivo de ajudar o estado a atingir as metas de qualidade do ar e clima.
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A resistência que não depende do governo Trump
Os eleitores do estado de Washington mantiveram uma lei que obriga as empresas a cortar as emissões de carbono enquanto arrecadam bilhões para apoiar programas de restauração da natureza e preparação climática.
O governador de Maryland emitiu uma ordem executiva abrangente no início deste ano, orientando as agências estaduais a desenvolver planos de implementação para garantir que o estado continue trabalhando em direção às ambiciosas metas de mudança climática, que visam carbono líquido zero até 2045.
Paralelamente, as cidades vem desempenhando papel crucial no avanço das políticas climáticas. O Climate Mayors, que começou como uma rede de 30 prefeitos em 2017, agora é uma rede bipartidária de quase 350 prefeitos dos EUA, impulsionando a ação climática em suas comunidades.
Essas cidades investem em infraestrutura verde e iniciativas locais de redução de emissões — isso continuará a mitigar os impactos das mudanças climáticas e a construir ambientes urbanos mais sustentáveis com ou sem a participação do governo federal.
Jornalismo regional será vital para ações ambientais locais
Assim como muitas grandes manchetes começam a partir de notas de veículos locais, a imprensa precisa voltar sua atenção às comunidades e reportar essas pequenas iniciativas que, coletivamente, podem ter grande impacto. Não se pode esquecer a força do jornalismo regional.
Manter uma rede de correspondentes bem estruturada é a espinha dorsal de uma mídia adequada ao desafio, mas isso requer investimento – e Trump pode ser um agente favorável .
Durante seu primeiro mandato, houve o fenômeno denominado Trump Bump, que fez aumentar assinaturas e acessos online.
Mas para quem está na linha de frente, sobretudo na cobertura climática, a era Trump pode ser difícil.
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Este artigo faz parte da edição especial MediaTalks COP29. Leia aqui a revista completa.