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Convite de Trump a influenciadores para coletivas na Casa Branca pode inaugurar nova era de fake news?

Pouco mais de uma semana após Donald Trump ser empossado como 47º presidente dos Estados Unidos, a nova secretária de imprensa, Karoline Leavitt, se apresentou na sala de imprensa James S. Brady para presidir sua primeira entrevista coletiva, entronizando os influenciadores. 

Exibindo um gráfico que mostrava a confiança decrescente dos americanos nos meios de comunicação tradicionais, a chamada “legacy media”, Leavitt anunciou que, a partir de então, “jornalistas independentes, podcasters, influenciadores de mídia social e criadores de conteúdo” seriam bem-vindos em coletivas de imprensa.

Leavitt disse que os assentos anteriormente reservados para funcionários da Casa Branca estariam disponíveis para esses jornalistas independentes e influenciadores, convidando as pessoas a se inscreverem on-line para o credenciamento de imprensa.

Mais de 7 mil influenciadores pediram credenciamento para coletivas de Trump

Logo em seguida foi relatado que a Casa Branca recebeu mais de 7,4 mil inscrições.

Em princípio, ampliar a gama de veículos de mídia permitidos em briefings de imprensa da Casa Branca é uma boa ideia. Não há dúvida de que os hábitos de consumo de mídia do público americano estão mudando rapidamente. 

Mas a maneira como Trump e sua equipe de comunicação lidaram com coletivas de imprensa em seu primeiro mandato levanta algumas preocupações.

Durante o primeiro governo, entre 2017 e 2021, Trump e sua equipe de comunicações da Casa Branca tenderam a favorecer repórteres de veículos de mídia amigáveis a seu governo, como a Fox News.

No início de sua administração, vários repórteres do que eram percebidos como organizações “hostis” foram banidos do “huddle” – as reuniões informais em torno do secretário de imprensa de Trump que se seguiram a briefings mais formais.

Organizações mais extremistas de notícias, como o Breitbart News e a rede One America News, transmitiram a mensagem de Trump fielmente e obtiveram acesso desproporcionalmente favorável.

Agora, o Breitbart foi um dos dois veículos de mídia online (junto com o amplamente respeitado site de notícias Axios) que Leavitt selecionou para fazer as primeiras perguntas em sua coletiva de imprensa de estreia.

Trump e os influenciadores: conteúdos positivos para alimentar a base MAGA

Não é apenas sua disposição amigável em relação a Trump, mas seu alcance que torna os influenciadores de mídia social atraentes para o presidente atual.

O principal propósito nas coletivas de imprensa com influenciadores e criadores de conteúdo seria ajudar a gerar mensagens e conteúdo positivos para alimentar a base MAGA (Faça a América Grande de Novo) de Trump – que são então promovidos em plataformas como o X de Elon Musk (antigo Twitter).

Pesquisas recentes sugerem que o X ajustou seu algoritmo para impulsionar conteúdo de direita, bem como postagens do próprio Musk.

Um exemplo claro foi o empresário promovendo o programa online do ex-apresentador da Fox News que virou influenciador online e apoiador da campanha de Trump, Tucker Carlson. 

Mas pode haver outro motivo para convidar esses influenciadores para a sala de coletivas de imprensa da Casa Branca.

Desconfiança ainda maior na mídia 

A presença deles ao lado de jornalistas profissionais de veículos de mídia tradicionais provavelmente prejudicará a aprovação pública pelo jornalismo em geral. Isso pode semear uma desconfiança ainda maior na mídia dos EUA, que já está em níveis recordes.

Nos últimos anos, tem havido uma gradual confusão nos limites entre mídia tradicional e digital.

Enquanto pesquisas mostram consistentemente em uma ampla seção transversal de países e dentro desses países, a mídia tradicional ainda é mais confiável do que a nova mídia, mas isso não quer dizer que todos os novos veículos de mídia devam ser excluídos.

Muitas dessas organizações e indivíduos têm um histórico de responsabilizar o poder.

O Bellingcat – formado por pesquisadores, jornalistas investigativos e jornalistas cidadãos –  normalmente usa informações de fontes de código aberto para descobrir temas importantes de interesse público.

Jornalistas independentes, como Taylor Lorenz, que cobre a indústria de tecnologia, e Ken Klippenstein, que é bem conhecido por obter documentos internos do governo, também são bons exemplos de profissionais que produzem reportagens de qualidade fora da mídia tradicional.  

O ideal seria que jornalistas como esses, com histórico de reportagens sólidas e imparciais, fossem convidados para a Casa Branca — embora haja todas as chances de que recebam o mesmo tipo de tratamento que repórteres como Jim Acosta, da CNN, a quem Trump chamou de “inimigo do povo” ao se recusar a responder a uma pergunta dele em 2018.

Acosta, aliás, acabou de deixar a CNN depois que a emissora o mudou para o horário da meia-noite, conhecido como o “cemitério”.

Logo após encerrar sua transmissão final na CNN em 28 de janeiro, Acosta apareceu em seu próprio feed do Substack para anunciar que seguiria sozinho.

Parece improvável, porém, que ele receba uma das cobiçadas novas credenciais de mídia independente, dado o recente ataque de Trump a ele. 

Comemorando o aparente rebaixamento de Acosta pela CNN, Trump usou sua conta na TruthSocial para chamá-lo de “um dos piores e mais desonestos repórteres da história jornalística, um grande canalha”.

Mídia polarizada, audiências divididas

É provável que o jornalismo dos Estados Unidos se torne ainda mais polarizado durante esta segunda administração Trump, incluindo uma mistura cada vez mais tóxica de criadores de conteúdo dominando plataformas de mídia social. 

Agora que Mark Zuckerberg decidiu remover o mecanismo de verificação de fatos da Meta em favor da “moderação da comunidade”, pesquisas sugerem que isso provavelmente incentivará mensagens políticas que polarizam e provocam, em vez de informar as pessoas.

Já vimos que o novo presidente estava mais do que disposto a usar processos judiciais para intimidar jornalistas.

Trump recentemente ganhou um processo movido contra a rede ABC, em que acusou o  jornalista George Stephanopoulos de tê-lo difamado ao dizer equivocadamente que ele havia sido condenado por estupro.

Isso, combinado com a ameaça de Trump de processar o Des Moines Register e sua pesquisadora Ann Selzer por alegações de interferência eleitoral provavelmente aumentará o efeito inibidor sobre a liberdade de expressão.

Ameaças legais como essas podem servir para desencorajar escrutínio sobre seu segundo governo.

Enquanto isso, o aumento constante da proeminência de influenciadores partidários usando uma linguagem cada vez mais perigosa provavelmente só fará com que o público americano tenha menos fé nas instituições que são essenciais para o funcionamento da democracia – a imprensa incluída.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.

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