Londres – Documentar conflitos sem incomodar um dos lados envolvidos nas batalhas nunca foi fácil, mas a guerra em Gaza está se demonstrando ainda mais desafiadora para a imprensa e até para o cinema, que historicamente retratou grandes acontecimentos da vida real na forma de documentários que se tornaram clássicos das telas.
O documentário No Other Land, vencedor do Oscar 2025, expõe essa realidade ao não conseguir uma distribuidora para a exibição em cinemas dos EUA, enquanto a BBC se vê no centro de uma polêmica em torno de Gaza: How to Survive a Warzone.
No Other Land, dirigido por quatro ativistas e jornalistas palestinos e israelenses, acompanha de perto a luta contra o projeto de demolição de casas na Cisjordânia.
Documentário sobre Gaza vencedor do Oscar sem distribuidora nos EUA
Apesar do reconhecimento em diversos festivais e de ter sido apontado como favorito ao Oscar, o que costuma ser garantia de interesse comercial das distribuidoras assim que a lista é divulgada, o filme enfrentou barreiras significativas para alcançar o público americano.
Os produtores do documentário conseguiram fazer acordos com distribuidoras na Europa e o filme foi exibido em diversas cidades dos EUA por iniciativa dos autores. Mas a ausência de um distribuidora nacional dificultou seu alcance no país.
Todas preferiram manter distância de No Other Land, mesmo diante da perspectiva de lucrar com um provável vencedor do Oscar.
Essa relutância, como aponta o professor Drew Paul (Universidade de Tennessee) em artigo sobre a controvérsia publicado no portal acadêmico The Conversation, pode ser atribuída ao tema sensível abordado pelo documentário combinado com o clima tenso que se instalou nos EUA com a eleição de Donald Trump.
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‘Gaza, How to Survive a Warzone‘ virou crise política
Enquanto isso, a BBC enfrenta no Reino Unido mais uma crise institucional e política por seu documentário Gaza: How to Survive a Warzone.
A polêmica surgiu após a revelação de que o narrador do programa, um jovem de 13 anos, é filho do vice-ministro da agricultura do governo do Hamas em Gaza.
Uma investigação interna foi iniciada após a emissora descobrir que a produtora responsável pelo filme, Hoyo Films, tinha conhecimento do parentesco do narrador, mas optou por não notificar a BBC − essa é a história oficial.
O caso desencadeou uma onda de indignação pela suposta falta de imparcialidade, levando a aprofundar os questionamentos sobre a independência editorial da BBC, uma emissora financiada com dinheiro público.
Objetivamente, críticos reclamam do pagamento de cachê à família de um membro de uma organização listada como terrorista pelo governo britânico desde 2021.
Em resposta à pressão, a rede retirou o documentário de sua plataforma de streaming e suspendeu a exibição, apesar de mais de 900 integrantes da indústria cultural terem assinado uma carta aberta em defesa do documentário.
Mas isso não encerrou a crise. A secretária de Cultura do Reino Unido exigiu do diretor-geral da BBC uma investigação “completa e rigorosa” − cabeças talvez tenham que rolar.
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A BBC admitiu as falhas, mas o caso continua se estendendo e pode ter reflexos em decisões sobre financiamento da rede, um tema que divide opiniões e correntes políticas no país.
Samir Shah, presidente da corporação, disse esta semana que falhas na produção de um documentário sobre Gaza foram uma “adaga no coração” das críticas sobre confiabilidade e imparcialidade da BBC.
Falando a parlamentares, ele disse acreditar que houve falhas internas dos que deveriam supervisionar todos os aspectos da produção.
Os dois casos, embora distintos, ilustram a crescente dificuldade de documentar conflitos.
A polarização política, a pressão de grupos de interesse e o risco real de boicotes transformaram-se em obstáculos cada vez maiores para cineastas e jornalistas que se dedicam a cobrir esses temas, e podem fazer com eles que acabem sendo deixados de lado em favor de assuntos menos controversos.
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