Em um incidente surpreendente que levantou sérias questões sobre segurança nacional e legalidade de protocolos de comunicação dos EUA, um jornalista recebeu da administração Trump os planos de guerra para ataques militares iminentes no Iêmen pelo aplicativo de mensagens criptografadas Signal – e despertou a ira do governo ao revelar a história.
Jeffrey Goldberg, editor-chefe da revista The Atlantic, revelou em uma reportagem publicada nesta segunda-feira (24) que recebeu um plano de ataque detalhado enviado por Pete Hegseth, secretário de Defesa dos Estados Unidos, às 11h44 do horário do leste dos EUA.
O mundo só soube dos bombardeios contra alvos Houthis no Iêmen pouco antes das 14h, horário do leste dos EUA, em 15 de março, quase duas horas depois que o jornalista foi informado.
Falando a jornalistas ao deixar uma base militar no Havaí nesta terça-feira (25), o Secretário de Defesa, Pete Hegseth, um ex-âncora da Fox News que já serviu nas forças armadas, negou que altos funcionários do governo Trump estivessem “textando planos de guerra”, apesar de anteriormente a administração Trump ter reconhecido que as mensagens enviadas pelo aplicativo Signal pareciam autênticas.
Hegseth também criticou o jornalista Jeffrey Goldberg, chamando-o de “enganador e altamente desacreditado”.
A Inclusão Inesperada do Jornalista no grupo do Plano de Guerra dos EUA via Signal
O relato detalhado de Goldberg, um veterano jornalista político à frente de um dos mais influentes veículos de imprensa dos EUA reconhecido com vários prêmios Pulitzer de jornalismo nos últimos anos, deixa poucas dúvidas sobre os acontecimentos.
Ele descreveu que tudo começou com um pedido de conexão no Signal de um usuário identificado como Michael Waltz, que presumiu ser o conselheiro de segurança nacional do presidente Trump.
Embora hesitante devido à relação tensa entre a administração e a imprensa, Goldberg aceitou o pedido. Dois dias depois, conforme relatou, ele foi adicionado a um grupo de bate-papo no Signal denominado “Houthi PC small group”.
Mensagens iniciais de um perfil de “Michael Waltz” indicavam que o grupo tinha como objetivo a coordenação de ações contra os Houthis.
Goldberg observou que vários outros supostos membros de alto escalão da administração Trump se juntaram à conversa, incluindo perfis identificados como representantes do Gabinete e do Conselho de Segurança Nacional.
Segundo seu relato, o próprio Goldberg aparecia no grupo apenas como “JG”. Ele disse que inicialmente duvidou da autenticidade do grupo, temendo uma possível campanha de desinformação.
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O Conteúdo Sensível dos Planos de Guerra dos EUA Detalhados na Mensagem Recebida
Na manhã de sábado, 15 de março, Goldberg relatou que uma mensagem de “Pete Hegseth” intitulada “TEAM UPDATE” foi postada no grupo. Ele enfatizou que não citaria o conteúdo integral desta ou de outras mensagens subsequentes devido à sensibilidade das informações.
No entanto, Goldberg revelou que a mensagem de Hegseth continha detalhes operacionais específicos dos iminentes ataques no Iêmen, incluindo informações sobre os alvos, os tipos de armas que os EUA planejavam usar e a sequência dos ataques.
Ele destacou em seu relato a potencial gravidade dessas informações caso tivessem caído nas mãos de um adversário dos Estados Unidos, especialmente no contexto do Oriente Médio.
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Confirmação dos Ataques e a Saída do Jornalista do Grupo de Guerra dos EUA
A suspeita de Goldberg se dissipou quando, por volta das 13h55, horário do leste dos EUA, ele verificou as notícias e confirmou que explosões estavam ocorrendo em Sanaa, no Iêmen, aproximadamente no horário previsto na conversa do Signal.
Após essa confirmação, Goldberg, percebendo a realidade e a sensibilidade da situação, decidiu sair do grupo.
Ele mencionou que sua saída gerou uma notificação automática para o criador do grupo, “Michael Waltz”, mas ninguém pareceu notar sua presença ou questionar sua partida.
Reações Oficiais e Implicações Legais do Envio Acidental dos Planos de Guerra dos EUA
Posteriormente, Goldberg disse ter entrado em contato com autoridades dos EUA para obter esclarecimentos. Brian Hughes, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, confirmou a autenticidade do grupo, descrevendo a inclusão de Goldberg como um “número inadvertido” adicionado ao chat.
Especialistas em segurança nacional entrevistados para a reportagem do The Atlantic sugeriram que a coordenação de informações de “defesa nacional” por meio de um aplicativo não aprovado como o Signal pode ter violado a Lei de Espionagem.
Eles também apontaram que o compartilhamento de informações sobre uma operação militar ativa fora dos canais seguros e aprovados do governo, como instalações SCIF, é altamente incomum e potencialmente ilegal.
Adicionalmente, a prática de configurar mensagens para desaparecer no Signal levanta preocupações sobre o cumprimento das leis federais de preservação de registros oficiais.
Goldberg também lembrou que essa situação contrasta com as críticas severas da mesma administração ao uso de e-mail privado por Hillary Clinton para assuntos oficiais.
‘Odeio ter que salvar a Europa de novo’
O conteúdo revelou também questões diplomáticas sensíveis, que podem desagradar ainda mais os países europeus já desconfortáveis com os atos e declaraçnoes do governo Trump.
Em certo momento das conversas no Signal o vice-presidente J.D. Vance afirma:
“Eu odeio ter que resgatar a Europa de novo”.
Ao que o secretário de Defesa Pete Hegseth responde:
“Eu compartilho do seu desprezo pelos aproveitadores europeus. É PATÉTICO”.
O presidente Donald Trump inicialmente não se referiu ao incidente, mas compartilhou logo após a revelação da história uma postagem de Elon Musk afirmando que a página 2 da revista The Atlantic seria o lugar mais fácil para esconder um cadáver, “pois ninguém vai lá”.
Involuntariamente as postagens deram mais publicidade ao caso, que tomou conta das manchetes do mundo inteiro devido à exposição de falhas de segurança na maior potência militar do mundo.
Mais tarde, o presidente dos EUA tentou minimizar o caso, chamando-o de “um pequeno erro” pouco sério, e desqualificou a revista The Atlantic, sugerindo que seria irrelevante.
Ele também defendeu o conselheiro de segurança nacional, Mike Waltz, que adicionou o jornalista ao grupo do Signal.
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