A série britânica da Netflix ‘Adolescence’ (Adolescência), que deu visibilidade ao vocabulário de misoginia e violência presentes na cultura incel, está batendo recordes de audiência, atingindo a marca de produção mais assistida na plataforma em 72 países.
Drama de quatro episódios sobre um adolescente acusado de homicídio de uma colega de escola, Adolescente também alcançou o topo da audiência entre as TVs britânicas na semana do dia 13 de março, — um feito inédito para conteúdos de streaming.
A produção vem arrancando elogios de público e crítica, chegando até a receber aprovação do premiê britânico para que seja exibida em escolas para discutir o impacto negativo desta subcultura digital. Com tamanha visibilidade, ela popularizou expressões até então desconhecidas do público geral.
O que significa incel?
Incel, termo originado das primeira sílabas de involuntary celibates (celibatários involuntários), é uma subcultura que se proliferou na internet reunindo pessoas que se dizem incapazes de encontrar um parceiro romântico ou sexual — um estado que descrevem como inceldom.
A principal linha de pensamento dos incels é a de que seus participantes são vítimas das mulheres — vistas como “manipuladoras e interesseiras” — e que, em decorrência de jogos psicológicos, estariam condenando-os a uma virgindade indesejada.
A influência da violência induzida pelo movimento nas redes sociais estaria ligada diretamente a episódios de assassinatos em massa, como o de Jake Davison, que assassinou cinco pessoas na cidade de Plymouth em 2021.
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Origem de ‘incel’ foi site feito por uma mulher
Embora o termo incel está majoritariamente ligado a homens heterossexuais tanto em Adolescence quanto no mundo real, a origem da expressão é, ironicamente, feminina, como explica a organização britânica Center For Countering Digital Hate (CCDH), que realizou uma pesquisa sobre os principais fóruns do movimento.
Ele foi usado pela primeira vez por uma mulher canadense na década de 1990, como parte de um site que ela criou para pessoas que se sentiam solitárias e lutavam para encontrar o amor. O site chamava-se “Involuntary Celibacy Project” e foi concebido como uma iniciativa para conectar pessoas.
Desde então, o termo se espalhou por fóruns online e adquiriu novos significados. Hoje, muitas das principais comunidades incel estão abertas apenas aos homens e promovem uma visão das mulheres extremista e baseada em ódio, explica o CCDH.
Uma pesquisa feita pela ONG em 2022 apontou o Brasil como um dos 10 maiores geradores de tráfego para o principal fórum incel do mundo.
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Veja vocabulário incel ligado ao mundo retratado em Adolescence
O CCDH listou algumas das palavras que fazem parte do vocabulário dos adeptos do movimento incel que se popularizaram depois da exibição da série da Netflix.
- Stacy: Usado para se referir a uma mulher que incels consideram atraente, geralmente sugerindo que elas têm muitas relações sexuais, normalmente com “Chads”.
- Chad: Usado para se referir a um homem que incels consideram atraente, masculino e popular entre as mulheres, colocando-as no topo da hierarquia social na ideologia incel. Incels às vezes expressam admiração pelos Chads, mas outras vezes expressam ódio por eles, aponta a ONG britânica.
- Redpill: Em oposição ao “bluepill”, “redpill” descreve os homens que acreditam em uma suposta realidade que o mundo favorece e beneficia as mulheres em detrimento dos homens. É uma referência ao filme Matrix. Diferentes comunidades da chamada manosfera (conjuntos de comunidades ligadas ao incel) constroem essa base de maneiras diferentes, oferecendo conselhos contrastantes sobre como os homens podem derrubar as supostas vantagens que as mulheres detêm no trabalho, na cultura, nos relacionamentos e muito mais.
- Pílula Negra: Os adeptos da ideologia “blackpill” aceitam a ideia “redpill” de que a sociedade está inclinada a favor das mulheres e contra os homens, mas rejeitam a ideia de que os homens podem superar esta desvantagem. Isso leva a uma visão de mundo niilista em que incels acreditam que a sociedade necessariamente exclui alguns homens de cumprir vidas sociais, carreiras e relações sexuais.
Outras palavras e expressões que ganharam visibilidade após a série Adolescence são:
80/20
Uma regra baseada no princípio de Pareto, que teoriza que cerca de 80 por cento das consequências provêm de 20 por cento das causas. Tem o nome do economista italiano Vilfredo Pareto, que observou em 1906 que 80% das terras da Itália pertenciam a 20% da população. A expressão aparece em Adolescence, explicada por um dos personagens: na visão incel, 80% das mulheres são atraídas por 20% dos homens.
Masculinismo
Conjunto de movimentos que advogam pelos direitos dos homens, analisando e criticando a construção da identidade masculina em relação ao gênero.
Em sua origem como campo de estudo, nem sempre se manifeste contrário à luta pela igualdade de gênero, o masculinismo se tornou especialmente popular por alguns de seus autores — com produções e posturas antifeministas, em oposição aos avanços nos direitos das mulheres.
MGTOW (Men Going Their Own Way)
Movimento anti-feminista e misógino que defende a separação social entre homens e mulheres, acreditando que a luta de gênero é responsável pela deterioração da sociedade.
Surgido no início dos anos 2000, o movimento iniciou estimulando homens a deixarem de se envolver emocionalmente e romanticamente com mulheres em prol do autodesenvolvimento e autoconhecimento.
No entanto, pesquisadores já implicaram participantes do MGTOW em ações coordenadas de assédio virtual a mulheres.
White knight / “Cavaleiro Branco”
Homens que defendem publicamente as mulheres em ataques virtuais e são recriminados pela comunidade incel.
‘Betas’
Termo em oposição ao famoso “macho alfa”, para descrever homens considerados inseguros e submissos às mulheres, supostamente dominados por elas.
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