A liberdade de imprensa é amplamente reconhecida como uma pedra angular da democracia, trazendo responsabilidade, transparência e acesso a informações confiáveis – mas além do seu papel democrático, ela é também parte vital da estabilidade financeira.
Pesquisas mostram que o jornalismo atua como uma espécie de vigilante do mercado financeiro, garantindo equilíbrio e precisão.
Dessa forma, a imprensa independente reforça a resiliência das instituições financeiras. E nossa pesquisa recente constatou que níveis mais elevados de liberdade de imprensa também podem estar ligados a uma maior estabilidade financeira e a um menor risco “sistêmico” –, quando algo de mau que acontece em uma empresa pode desencadear uma instabilidade mais ampla ou mesmo um colapso no setor bancário.
Por que a liberdade de imprensa afeta a estabilidade financeira?
Usando dados de 47 países, constatamos que uma imprensa independente proporciona um maior escrutínio sobre executivos do setor bancário.
Outro benefício é um melhor fluxo de informação nos mercados financeiros, tornando todo o sistema mais eficiente.
Os países com níveis mais elevados de liberdade de imprensa também têm maior probabilidade de promover culturas empresariais e políticas livres do tipo de corrupção que poderia pôr em risco a estabilidade do setor bancário.
Todas estas vantagens se tornam ainda mais relevantes durante crises econômicas ou bancárias.
E mesmo fora de tempos de crise, é possível identificar os efeitos positivos observando indicadores financeiros básicos em países com altos e baixos níveis de liberdade de imprensa.
Por exemplo: países com níveis consistentemente elevados de liberdade de imprensa, como a Noruega, a Suécia ou a Estónia, registram muito menos inadimplência em empréstimos do que outros com baixos níveis de liberdade de imprensa, como Paquistão, Grécia ou Rússia.
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A regra tem exceções
Mas uma imprensa livre e um setor financeiro estável em um país não são sempre a norma.
Dados recentes da organização de defesa da liberdade de imprensa Repórteres Sem Fronteiras destaca um declínio preocupante na independência das organizações jornalísticas.
O World Press Freedom Index aponta que 135 dos 180 países têm agora níveis de liberdade de imprensa classificados como “problemática”, “difícil” ou “muito grave”.
Esta tendência estende-se a economias avançadas como o Japão (em 70º, caindo duas posições em relação a 2023), a Itália (46º, tendo caído cinco), e os EUA, em 55º, contra 45º no ano anterior.
E os sinais são de que a maior economia do mundo pode escorregar ainda mais no ranking.
Embora o presidente Trump tenha assinado uma ordem executiva destinada a “restaurar a liberdade de expressão”, ele também tem explicitamente ameaçado revogar licenças de transmissão, investigar meios de comunicação críticos e prender jornalistas que protegem fontes confidenciais.
Em fevereiro de 2025, funcionários da Casa Branca informaram a uma agência de notícias dos EUA [a Associated Press] que os seus jornalistas estavam impedidos de entrar no Salão Oval até pararem de usar o termo geográfico “Golfo do México” em vez de adotar o preferido por Trump,“Golfo da América”.
Mas o efeito Trump não se limita aos EUA. Um recente congelamento da ajuda internacional por sua administração cortou bilhões em financiamento para meios de comunicação independentes em mais de 30 países, incluindo Ucrânia, Afeganistão e Irã.
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Liberdade de imprensa em declínio
Declínios significativos na liberdade de imprensa também foram observados em regiões voláteis politicamente, tais como América Latina, África, Oriente Médio e Ásia Central, onde regimes autoritários continuam a reforçar o seu controle sobre os meios de comunicação.
A pesquisa da Repórteres Sem Fronteiras sugere que governos de vários países não estão conseguindo proteger o jornalismo, com uma tendência acentuada de declínio da liberdade de imprensa.
Em 2014, 13% dos países gozavam de um grau de liberdade de imprensa considerado “bom”, mas este número caiu para 7% em 2021 e depois para apenas 4,4% em 2022.
Por outro lado, a percentagem de países nas classificações mais baixas aumentou dramaticamente. Há uma década, 8% eram considerados “difíceis”. Agora esse número é de 24%. O número de nações em situação “muito grave” passou de 8% para 17% no mesmo período.
É claro que existem valores discrepantes no quadro global. A China, por exemplo, limitou a liberdade de imprensa, mas tem um setor bancário muito estável que se mostrou altamente resiliente a choques externos no passado.
O país é governado por um regime autoritário que ajuda a proteger o sistema financeiro de riscos sistêmicos.
Em outros lugares, porém, o declínio da liberdade de imprensa ameaça não apenas os princípios democráticos e a transparência política, mas também o funcionamento dos mercados financeiros.
Salvaguardar essa liberdade é vital para resiliência dos mercados e estabilidade econômica.
Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.
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