O Papa Francisco, cujo sepultamento neste sábado no Vaticano atraiu mais de 50 chefes de governo e de Estado, teve como um dos aspectos mais marcantes de seu papado a liderança moral e política na agenda climática.
Poucos chefes de Estado — e nenhum líder religioso — tiveram impacto tão profundo e duradouro sobre o movimento ambiental global.
Em um artigo publicado no portal acadêmico The Conversation, Celia Deane-Drummond, professora de Teologia e diretora do Laudato Si’ Research Institute, da Universidade de Oxford, analisa a profunda influência do pontífice sobre a causa ambiental, que pode ser compreendida em três contribuições transformadoras.
Deane-Drummond contou que conheceu o Papa em 2018, após uma conferência crucial chamada Saving Our Common Home and the Future of Life on Earth, e ali percebeu que algo importante estava acontecendo no coração da Igreja Católica.
O instituto que ela dirige tem sua missão fundamentada na visão do Papa de “ecologia integral”, uma abordagem multidisciplinar que aborda desigualdades sociais e ecológicas no contexto do colapso climático.
O Papa Francisco e agenda climática
1. Influência sobre as Cúpulas Climáticas Globais
Uma das principais contribuições de Papa Francisco foi sua influência nas cúpulas climáticas globais, como a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), mesmo quando não esteve presente, aponta a acadêmica.
Ela lembra o Papa publicou em 2018 a encíclica Laudato Si’, em um momento crucial , antecedendo a COP21 em Paris, um evento que buscava limitar o aumento da temperatura global a menos de 2°C.
Como observa Deane-Drummond, a Laudato Si’ se tornou uma referência moral para líderes mundiais ao abordar a crise climática.
No entanto, Papa Francisco não se limitou a uma abordagem passiva. Em Laudate Deum, sua declaração antes da COP28, em 2023, o Papa expressou tanto apoio quanto frustração com os avanços alcançados nas negociações climáticas, criticando a falta de ação concreta e a inércia política após o acordo de Paris.
Sua postura foi de pressionar pela implementação efetiva dos compromissos climáticos, aproveitando sua posição de destaque para responsabilizar os líderes globais.
Para Deane-Drummond, esse movimento foi vital, pois o Papa não apenas promoveu a consciência moral sobre a necessidade de ação, mas também se conectou de forma profunda com os movimentos locais, ampliando o alcance de sua mensagem.
2. O Papa e a defesa dos povos indígenas
Outro ponto central do legado de Papa Francisco foi sua defesa dos povos indígenas, especialmente em relação à proteção do meio ambiente, aponta a professora.
Essa exortação colocou as perspectivas indígenas no centro do debate sobre a proteção da Amazônia e seus povos.
Deane-Drummond destaca que, ao levantar a voz a favor dos povos indígenas, o Papa ajudou a inserir o tema no centro das discussões globais, influenciando diretamente a agenda de cúpulas como a COP28.
Em 2020, o Papa publicou a exortação Querida Amazonia, que surgiu após conversas com comunidades amazônicas, “ajudando a colocar as perspectivas indígenas no mapa”.
Para Deane-Drummond, a coragem do Papa em chamar a atenção para essa questão foi um marco no fortalecimento da voz dos mais marginalizados, ampliando o impacto da Igreja Católica nas discussões globais sobre justiça ambiental.
Leia também | Meninas e mulheres estão no front da batalha climática – mas por que elas aparecem tão pouco na mídia?
3. Incentivo do Papa Francisco ao Ativismo Climático
Por fim, uma das contribuições mais poderosas de Papa Francisco foi o incentivo ao ativismo climático.
Deane-Drummond salientou que, em um estudo conduzido pela Universidade de Manchester, 61% dos ativistas climáticos católicos mencionaram o Papa como uma figura chave em sua decisão de se engajar na luta contra as mudanças climáticas.
O movimento Laudato Si’, que surgiu após a publicação da encíclica, uniu mais de 900 organizações católicas e 10 mil “animadores” e líderes comunitários comprometidos com a causa ambiental.
A ação de Francisco ajudou a transformar a Igreja Católica em um ponto de convergência para o ativismo climático global, afirma a professora.
Além disso, a criação do Laudato Si’ Research Institute, no qual Deane-Drummond está envolvida, teve o objetivo de coordenar esses esforços e engajar comunidades em atividades práticas para a proteção do meio ambiente.
Como observa a acadêmica, essa mobilização mundial foi um reflexo direto da liderança do Papa Francisco na agenda climática, que incentivou uma revolução cultural em direção a uma maior responsabilidade ecológica.
No momento em que o sucessor do Papa Francisco será escolhido, em meio a turbulências políticas e preocupações quanto à disposição de líderes globais em seguir com a luta climática, ela diz esperar que a herança do pontífice seja inspiradora e influencie a mudança para o bem, desde as bases até as mais altas aspirações políticas globais.
Leia também | Dias antes da morte de Francisco, Igreja dissolveu grupo leigo católico peruano que jornalistas denunciaram por abusos