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Na contramão global, Brasil avança 47 posições em ranking de liberdade de imprensa desde a era Bolsonaro

Jornalistas em coletiva de imprensa no Palácio do Planalto, sede do governo do Brasil

Jornalistas em coletiva no Palácio do Planalto (foto: divulgação)

Londres – A Repórteres Sem Fronteiras (RSF) anunciou nesta sexta-feira (2) que o estado global da liberdade de imprensa se deteriorou para uma “situação difícil” – abaixo de 55 pontos – pela primeira vez na história de seu ranking global de liberdade de imprensa, que lista 180 países, incluindo o Brasil. 

Mais de seis em cada 10 nações analisadas no Global Press Freedom Index 2025 viram sua pontuação geral declinar, mas o Brasil não está entre elas: o país passou de 82º para 63º em um ano. Em comparação com o ano de 2022, refletindo o fim da era Bolsonaro, o país ganhou 47 posições no ranking.

A queda da liberdade de imprensa no mundo é impulsionada principalmente por pressões econômicas sem precedentes sobre a indústria da mídia, afetando a independência e a pluralidade dos meios de comunicação, de acordo com a RSF. 

Brasil no ranking de liberdade de imprensa 

O Global Press Freedom Index da Repórteres Sem Fronteiras é publicado desde 2022. O grau da liberdade de imprensa dos países é dividido em faixas: bom, satisfatório, problemático, difícil e muito sério, marcadas por cores. 

A pontuação de cada país é avaliada através de cinco indicadores contextuais que refletem a situação da liberdade de imprensa em toda a sua complexidade: contexto político, enquadramento jurídico, contexto económico, contexto sociocultural e segurança.

Fonte: World Press Freedom Index,
©Reporters Without Borders – Blanche Marès & Côme Nottaris

O indicador econômico atingiu seu ponto mais baixo este ano (44,1). fazendo declinar a pontuação geral mundial. 

“Garantir liberdade, independência e pluralidade no panorama mediático atual exige condições financeiras estáveis e transparentes. Sem independência económica, não pode haver imprensa livre”, afirma Anne Bocandé, diretora editorial da RSF. 

Nesse cenário preocupante, o Brasil  é apontado como um dos poucos na região das Américas que conseguiu melhorar seu indicador econômico, em contraste com a vasta maioria (22 dos 28 países) que viu seus indicadores econômicos declinarem.

Os veículos de comunicação no Brasil são considerados menos vulneráveis a pressões e intimidações. Essa recuperação e a melhora econômica posicionam o Brasil de forma contrastante com o cenário global de deterioração generalizada e a crise econômica que afeta a maioria dos países, analisou a Repórteres Sem Fronteiras. 

Ainda assim o país segue na zona laranja, onde a situação é “problemática”, e ainda há um longo caminho a percorrer. seis países da América Latina / Caribe estão em posição melhor do que a do Brasil: Trinidad e Tobago, Jamaica, Suriname, Costa Rica, Belize, República Domicana e Uruguai. 

Ranking global de liberdade de imprensa: os melhores e os piores

A Noruega (1º) continua em 2025 sendo o único país no mundo a desfrutar de uma classificação “boa” em todos os cinco indicadores do ranking de liberdade de imprensa  e manteve sua posição no topo pelo nono ano consecutivo.

A Estônia subiu para o segundo lugar, seguida de perto pela Holanda (3º), que ultrapassou a Suécia (agora em 4º). 

Na outra ponta, a Eritreia (180º) continua sendo o último país no Índice, seguida Coreia do Norte (179º) e China (178º), que segue como o país do mundo com mais jornalistas presos. 

Três países do Leste da África — Uganda (143º), Etiópia (145º) e Ruanda (146º) — entraram este ano na categoria “muito grave”. Hong Kong (140º) também entrou na zona vermelha pela primeira vez.

Em 42 países — que abrigam mais da metade da população mundial (56,7%) — a situação é classificada como “muito grave”.

Isso inclui a Palestina (163º), onde a situação é desastrosa e o jornalismo está sendo aniquilado, segundo a RSF. 

A fragilidade econômica alimenta a crise global do jornalismo livre

A RSF salienta que embora os ataques físicos contra jornalistas sejam as violações mais visíveis da liberdade de imprensa, a pressão económica é também um problema importante e menos percebido. 

Em 160 dos 180 países avaliados (88,9%), os meios de comunicação enfrentam dificuldades ou são incapazes de alcançar estabilidade financeira

A  organização aponta que crise econômica da mídia decorre de vários fatores.

  • O modelo de negócios tradicional entrou em colapso, com a receita publicitária migrando para grandes plataformas de tecnologia.
  • A propriedade da mídia é altamente concentrada em muitos países, por vezes controlada pelo estado ou indivíduos próximos ao poder, comprometendo a independência editorial.
  • O financiamento pública frequentemente é escasso, opaco ou usado para favorecer veículos pró-governo.

Essa pressão financeira leva alguns veículos a atenderem interesses políticos ou comerciais em troca de financiamento, a depender de comunicados oficiais por falta de recursos para reportagem própria, e a praticar a autocensura.

Quando financeiramente pressionados, os veículos podem priorizar audiência em detrimento da reportagem de qualidade e tornam-se vulneráveis à exploração por oligarcas e autoridades públicas.

O declínio econômico levou ao fechamento generalizado de meios de comunicação em quase um terço dos países globalmente, constatou o relatório, provocando muitas vezes o chamado “deserto de notícias”. 

EUA e França: liberdade de imprensa em queda 

Os EUA, que vivem uma escalada sem precedentes de ameaças à liberdade de imprensa sob Donald Trump, caíram 2 posições no geral e estão agora em 57º, mas seu indicador econômico caiu mais de 14 pontos em dois anos.

A Repórteres Sem Fronteiras aponta que a situação se deve a um clima cada vez mais hostil para a imprensa, o uso de pretextos econômicos falsos para controlar a imprensa, o fim abrupto de financiamento para organizações públicas de mídia dos EUA e o autoritarismo do novo presidente. 

Outro declínio em um país reconhecido pela solidez de suas instituições democráticas aconteceu na França, que caiu 4 posições e agora está em 25º.

O motivo principal, segundo a RSF, é o controle de uma parcela significativa da imprensa nacional por poucos conglomerados. 

Brasil e América Latina no ranking da RSF 

Em contraste com a situação do Brasil, os demais países da América Latina enfrentam desafios que afetam a liberdade de imprensa na região, marcada por violência e uma profunda fragilidade econômica, que ameaça a independência editorial e aprofunda rachaduras na democracia, afirma a RSF.

Essa crise se intensificou, resultando na queda dos indicadores econômicos em 22 dos 28 países da região.

Na América Latina, o país com pior classificação no ranking de liberdade de imprensa é a Nicarágua (172ª),  devido ao desmantelamento da mídia independente pelo regime, revogação de cidadania de jornalistas e exílio forçado de centenas de profissionais.

A Venezuela (160ª) também se encontra entre os de pior desempenho, enfrentando censura generalizada e perseguição judicial.

Diversos outros países da América Latina registraram quedas significativas em suas classificações.

  • A Argentina (87ª) teve uma queda acentuada de 46 posições em dois anos, influenciada pela estigmatização de jornalistas, desmantelamento da mídia pública e uso de publicidade estatal, além do fechamento de veículos devido a dificuldades econômicas.
  • O Peru (130ª) caiu 39 posições desde 2021, devido ao assédio judicial a jornalistas, campanhas de desinformação e pressão crescente sobre veículos independentes, com subsídios públicos direcionados à mídia pró-governo.
  • El Salvador (135ª) continuou sua descida, caindo 61 posições desde 2020, com a liberdade de imprensa minada por propaganda e ataques sistemáticos a veículos críticos.
  • O México (124ª), considerado o país mais perigoso para jornalistas na região, caiu três posições, em parte pela frágil sustentabilidade do ecossistema midiático, com seu indicador econômico registrando a quarta maior queda na região.
  • O Haiti (111ª) caiu 18 posições. O colapso estatal e a violência de gangues tornam o jornalismo uma profissão de alto risco, e a sustentabilidade financeira da mídia está em caos pela instabilidade política.

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