O Google lançou oficialmente uma nova ferramenta de busca baseada em IA (inteligência artificial) que pode transformar a forma como os usuários interagem com a internet — e acirrar os desafios enfrentados pelo jornalismo digital.
Apresentado como destaque durante o evento anual Google I/O 2025 nesta terça-feira (20), o novo recurso se chama AI Overviews, e já estava disponível no Brasil, Reino Unido, Índia, Japão, Indonésia e México desde agosto de 2024.
Com o lançamento global, a busca do Google passa a exibir imediatamente nos EUA e gradativamente em outros 100 países respostas completas e geradas por inteligência artificial diretamente no topo da página, muitas vezes sem que o usuário precise acessar os sites que serviram de fonte.
Ao lançar nova IA, Google responde — e os sites deixam de ser visitados?
A proposta é entregar conveniência ao público. Mas para especialistas, a nova forma de busca com uso da IA do Google levanta preocupações profundas sobre o modelo econômico que sustenta o jornalismo online.
A funcionalidade AI Overviews utiliza IA generativa para sintetizar informações de diferentes fontes da web e entregar resumos em linguagem natural.
Ela pode explicar conceitos, comparar produtos e até sugerir roteiros de viagem — tudo diretamente na interface do Google.
Mas como observou o jornalista Casey Newton, autor da newsletter Platformer, o novo recurso “transforma o Google em destino final da informação”. Em sua análise de 21 de maio, Newton afirmou:
“Se a resposta já vem pronta, por que alguém clicaria em um link? Isso pode reduzir drasticamente o tráfego para sites jornalísticos.”
A preocupação é compartilhada por James Vincent, do site The Verge, que alertou que o AI Overviews “coloca os publishers em segundo plano” e amplia o desequilíbrio entre grandes plataformas e produtores de conteúdo.
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A web como insumo, não como destino
Em outros lançamentos apresentados no mesmo evento, o Google reforçou sua aposta em tornar a IA o centro da experiência online.
O Project Astra, um assistente multimodal capaz de responder com base em vídeo e voz em tempo real, e o Project Gemini 2.5, com capacidades de raciocínio avançado, mostram que a empresa está reposicionando seus produtos para operar como agentes inteligentes.
Mas isso implica também que os sites deixam de ser o destino da informação e passam a ser apenas insumo para os modelos generativos.
Para empresas de mídia, o impacto é direto: com menos cliques, cai o número de visualizações, a receita publicitária e o alcance da informação jornalística. E ainda não há mecanismos de compensação ou compartilhamento de valor.
No Reino Unido, artistas e criadores de conteúdo estão em guerra aberta com o governo devido a um projeto de lei que poderá tornar o país o paraíso para as Big Techs de IA operarem com regulamentação favorável a elas.
A proposta é que o uso de qualquer conteúdo para treinar os modelos de linguagem seja automaticamente livre, cabendo aos criadores informar que não autorizam – um missão quase impossível, e custosa para pequenos criadores.
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O que diz o Google?
Em nota oficial divulgada no blog da empresa, o Google afirmou que os resumos gerados pela IA “usam diversas fontes confiáveis” e que “continuará apoiando o ecossistema da web”.
A empresa não detalhou, no entanto, como será feita a atribuição nem se haverá algum tipo de remuneração para os produtores dos conteúdos usados no treinamento e nas respostas.
Na prática, a experiência de busca foi redesenhada para reter o usuário dentro da própria plataforma — com menos incentivos para sair dela.
Coincidência ou não, no mesmo dia em que a AI Overviews foi apresentada, o elo de ligação entre a empresa e a indústria de mídia, Richard Gringas, deixou o cargo de Vice-Presidente global de notícias na plataforma.
Durante 15 anos ele liderou os projetos da companhia para incentivar o jornalismo online, como o programa Google News Initiative.
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Jornalismo diante de um novo obstáculo
A nova forma de busca do Google é apenas mais um capítulo da transformação que a IA generativa vem impondo ao ambiente digital.
Mas, diferentemente dos resumos anteriores, que eram opcionais ou auxiliares, o AI Overviews aparece em destaque e ocupa o espaço dos resultados tradicionais.
Com isso, a lógica de distribuição de conteúdo é alterada, e o jornalismo — que já enfrenta cortes, perda de assinantes e desinformação — vê surgir um novo desafio estrutural: perder sua audiência antes mesmo de ser acessado.
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