O mundo perdeu um de seus contadores de histórias visuais mais compassivos e visionários: Sebastião Salgado, o fotógrafo nascido no Brasil cujas séries de imagens impressionantes em preto e branco moldaram a consciência global por décadas, morreu aos 81 anos em Paris no dia 23 de maio.

O trabalho de Salgado muitas vezes provocou um poderoso conflito de emoções.

Talvez mais do que qualquer outro fotógrafo documentarista, ele produziu imagens tecnicamente impecáveis e hipnotizantes de algumas das realidades mais duras do mundo, desde as minas de ouro do Brasil e a fome no Sahel, até o horror do genocídio ruandês.

Suas fotografias eram muitas vezes chocantes, mas incrivelmente bonitas.

Você não podia desviar o olhar – e esse era o objetivo.

Sebastião Salgado, o fotógrafo do Brasil que ganhou o mundo 

Nascido em 1944 em Aimorés, Brasil, Salgado inicialmente se formou como economista. Enquanto trabalhava para a Organização Internacional do Café, ele viajou pela África e América Latina, testemunhando as disparidades econômicas e as injustiças sociais.

Inicialmente pegando emprestada a câmera de sua esposa, ele tornou-se a fotografia sua maneira de documentar o que ele via, não como um observador distante, mas como alguém profundamente afetado pelo sofrimento humano.

Uma vez ele disse que tirava fotos “não apenas com a minha câmera, mas com a minha vida – não posso fazer de outra maneira”.

Sua formação em economia guiou o foco de seu trabalho, particularmente sua preocupação com a desigualdade, o trabalho e a migração.

Workers, o olhar de Salgado sobre o mundo do trabalho

Em Workers (1993), um estudo de seis anos sobre trabalho manual em todo o mundo, ele escreveu:

“O planeta permanece dividido, o Primeiro Mundo em uma crise de excesso, o Terceiro Mundo em uma crise de necessidade”.

Exposição Workers Sebastião Salgado
Exposição Workers em Nova York

No entanto, Salgado destacava tanto as dificuldades quanto a dignidade daqueles envolvidos em trabalhos fisicamente exigentes.

Ao fazer isso, ele redefiniu a fotografia documental como uma ferramenta não apenas para exposição, mas para elevação.

O que diferenciava Salgado era sua abordagem imersiva. Rejeitando o estilo “pára-quedas” do fotojornalismo, ele se incorporou nas comunidades que documentou – às vezes por anos – promovendo profunda empatia com as pessoas que fotografava. 

Serra Pelada, um marco na trajetória de Sebastião Salgado 

Essa autenticidade emocional estava no centro de sua icônica série Serra Pelada, que capturou a intensidade e o desespero dos trabalhadores na maior mina de ouro do Brasil.

De pé à beira da mina, ele escreveu mais tarde que parecia ver “a história da humanidade, a construção das pirâmides, a Torre de Babel”.

E, crucialmente, ele transmitiu com sucesso essa mesma emoção através de suas imagens.

Foto Serra Pelada Sebastião Salgado
Foto Divulgação / Sebastião Salgado

Em uma época em que a fotografia documental colorida era cada vez mais favorecida, Salgado sempre usava o preto e branco. Isso ajudou o espectador a se concentrar na forma, na emoção e na narrativa, além de enfatizar a realidade sombria do assunto.

No entanto, documentar o sofrimento do mundo teve seu preço.

Seu tempo cobrindo o genocídio ruandês em 1994 quase o quebrou. Ele uma vez descreveu o efeito de testemunhar 10.000 pessoas morrerem de cólera em um único dia em um campo de refugiados em Goma, República Democrática do Congo.

Como outros fotojornalistas que sofreram tal trauma – Don McCullin e Kevin Carter, entre eles – Salgado carregava um profundo fardo psicológico. Ele quase desistiu completamente da fotografia.

Genesis: série celebrou natureza intocada e apontou ameaças ao planeta 

Em vez disso, Salgado encontrou consolo na natureza. Seu projeto Genesis (2013) celebrou as regiões intocadas, paisagens, comunidades tradicionais e vida selvagem ameaçada do planeta.

Embora tenha marcado uma mudança em relação ao seu foco anterior, ainda era profundamente humanista em espírito. O trabalho serviu tanto como uma homenagem à beleza da Terra quanto um lembrete do que ainda está para ser protegido.

Seu compromisso ambiental se estendeu além da câmera. Com sua esposa e parceira criativa, Lélia Wanick Salgado, ele fundou o Instituto Terra, uma iniciativa de reflorestamento em terras que pertenciam à sua família.

Juntos, eles restauraram um pedaço devastado da floresta atlântica do Brasil. Foi um ato de reciprocidade: tendo documentado a destruição ambiental, ele se dedicou a repará-la.

O trabalho de Salgado não foi isento de controvérsias, contribuindo para os debates éticos em andamento sobre o desequilíbrio de poder entre os fotógrafos e seus sujeitos.

Enquanto alguns podem ter sentido uma sensação de empoderamento por ter suas lutas reconhecidas, outros se sentem inquietos em serem exibidos para um público global. Sem eles tendo uma voz, nunca saberemos de verdade – o que contribui ainda mais para a sensação de um desequilíbrio de poder.

Outros acusaram Salgado de estetizar o sofrimento. Em um artigo de 1991 no The New Yorker, Ingrid Sischy argumentou que a beleza poderosa de suas imagens corria o risco de transformar a tragédia em espetáculo. Salgado respondeu:

“Os críticos de arte me criticaram, mas eu não sou um artista. Publiquei essas fotos em revistas, para fazer um debate.”

Série Êxodo, uma crônica da migração pelo olhar de Sebastião Salgado

E foi o que aconteceu. Sua exposição de 2000 e o livro Êxodo, uma série consistindo em uma crônica de migração e deslocamento global, desafiou os espectadores a tomarem consciência do custo humano da agitação política e econômica.

Refugiados no Kuwait, foto de Sebastião Salgado, homenageado com prêmio em Londres
Copyright: Ethiopia, 1984. © Sebastião Salgado / Outstanding Contribution to Photography_2024

“A globalização é apresentada a nós como uma realidade, mas não como uma solução”, escreveu ele. “Temos que criar um novo regime de coexistência.”

Em seus últimos anos, Salgado defendeu o papel da fotografia na educação e na mudança social. Ele se tornou o tema de O Sal da Terra (2014), um documentário indicado ao Oscar co-dirigido por Wim Wenders e seu filho, Juliano Ribeiro Salgado.

O filme ofereceu um retrato comovente de um homem que via sua fotografia não apenas como arte, mas como testemunho.

Apesar da aclamação internacional, Salgado permaneceu discreto. Ele consistentemente deslocou a atenção de si mesmo e para aqueles que fotografou.

“Espero que a pessoa que olha para minhas fotografias veja mais do que apenas uma foto”, disse ele uma vez.

“Eles vão ver a história. Eles vão sentir a vida.”

A morte de Sebastião Salgado é uma grande perda, mas suas imagens permanecem. Em um mundo inundado de referências visuais, ele nos mostrou que a fotografia ainda pode ser uma força para compreensão, conexão e mudança.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.