A essência dos discursos do papa Leão XIV em tecnologia tem sido os desafios éticos e os impactos da inteligência artificial na sociedade.

Em encontros com cardeais e audiências públicas, o papa sinalizou a necessidade de responsabilidade e discernimento no uso da tecnologia.

Leão XIV traçou a equivalência da IA como uma “nova revolução industrial” e foi direto ao qualificar a inteligência artificial como uma das “questões mais críticas que a humanidade enfrenta”. O fenômeno tecnológico levanta desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho, costuma pontuar o sumo pontífice.

O que o Vaticano sabe sobre Inteligência Artificial?

A Santa Sé sabe mais sobre inteligência artificial e está há bem mais tempo envolvida com o tema do que se pode imaginar.

Tudo começa em 2007, quando o papa Bento XVI alerta cientistas da Pontifícia Universidade Lateranense sobre o que chamou de experimentação que se esquece de que “toda ciência deve salvaguardar a humanidade e promover sua tendência à bondade autêntica”.

Este início é reportado pela America, The Jesuit Review, uma das principais revistas católicas liberais do mundo. Foi justamente o antepenúltimo, o papa a entrar nas redes sociais, com um tweet postado em 12 de dezembro de 2012.

O Vaticano intensificou gradativamente seu envolvimento com a inteligência artificial ao longo da década passada. A Pontifícia Academia de Ciências organizou workshops sobre big data e IA. Uma delas contou com a participação de de Demis Hassabis, do Google DeepMind.

Talvez invisível ao grande público, as transformações para o que hoje conhecemos como inteligência artificial generativa já aconteciam internamente nas big techs.

Em 2017, o Google lançou a arquitetura Transformer, que revolucionou a IA, especialmente na geração de texto. Isso levou aos modelos GPT e à base de sistemas como o ChatGPT.

Paolo Benanti e a ética em IA

Em paralelo aos avanços tecnológicos, o Vaticano entrou no coração da inovação nos últimos anos. Um exemplo foram as idas do tecnólogo e monge franciscano Padre Paolo Benanti como professor visitante à Universidade de Seattle, cidade onde fica a sede da Microsoft.

Em pouco tempo ele conheceria e ficaria amigo do presidente da gigante tecnológica, Brad Smith, que ano passado dedicou um post em seu LinkedIn ao tecnólogo.

“Paolo Benamti chega rapidamente ao cerne da questão Ética em Inteligência Artificial,  especificamente sobre o que significa ser humano e a importância de a tecnologia servir a toda a humanidade”, reproduzindo em seu perfil um artigo sobre o padre.

“O artigo compartilha muitos dos motivos pelos quais gosto tanto de trabalhar com ele”, concluiu o executivo da big tech.

Pragmatismo tecnológico 

As preocupações do Vaticano não representam resistência absoluta nem aversão à IA.

Justamente Microsoft, IBM e Cisco, por exemplo, são parcerias e assinaram o “Chamado de Roma para a Ética da IA”, um compromisso patrocinado pelo Vaticano para garantir que a inteligência artificial seja desenvolvida e usada de forma ética e para beneficiar o bem comum.

A articulação pragmática da igreja com o mundo da tecnologia e da política tem se intensificado. Desde maio de 2025, o Vaticano, sob a liderança de Leão XIV, vem reforçando pontes de diálogo e colaboração.

A Santa Sé utiliza um sofisticado mecanismo tecnológico de modelo digital 3D georreferenciado da Basílica de São Pedro, desenvolvido em parceria com a Microsoft, responsável em fornecer a tecnologia de inteligência artificial necessária para processar e analisar o volume de dados.

A basílica digital da Santa Sé

Em outras palavras, a Santa Sé criou uma moderna basílica digital que permite o acesso a tesouros renascentistas. Para registro, a basílica real terminou de ser construída em 1626 e a basílica virtual, em 2024 – uma diferença de quase 400 anos.

Uma plataforma web interativa integra os elementos de uma narrativa imersiva, com áudio e vídeo.

Além disso, posto de forma simples, o Vaticano demanda serviços prestados pelas big techs globais, um grupo perigosamente restrito, o que aliás a própria Santa Sé alerta como risco.

O Vaticano, na prática, consome aplicativos movidos à inteligência artificial, como redes sociais e outros, fornecidos, do outro lado do balcão, por empresas como a Google, Meta e Microsoft dentre outras. Quantificar ajuda a dimensionar a distância que a Santa Sé já correu na revolução tecnológica.

O poder digital da Igreja Católica sob Leão XIV na era da Inteligência Artificial

São hoje perto de 70 milhões de usuários de redes sociais e digitais, com base na soma das contas e versões em idiomas, a maior parte incrementada nos últimos dez anos. Em 2024, foi a vez de conteúdo papal ganhar destaque no TikTok.

O papa Francisco, antecessor de Leão XIV, não foi apenas um entusiasta dos meios digitais. Ele tinha a exata noção do poder de comunicar das novas tecnologias, empreendendo a maior reforma do setor de comunicação do Vaticano em 2015.

Com toda sua tradição secular, o Vaticano tomou a decisão de, no lugar de correr atrás da disrupção tecnológica, se torna protagonista do debate em nível global, mergulhou nas redes sociais, cercou-se dos big players e segue, independente, a cruzada civilizatória da IA.

“A inovação produzida pela inteligência artificial não é uma bênção absoluta. Ela também possui muitos aspectos neutros e até sinistros que, se não forem aproveitados e direcionados para o bem de toda a humanidade, podem evoluir para seu profundo prejuízo”, disse Benanti em conferência.

Luz e Sombra: a regulação para a inteligência artificial lançada antes de Leão XIV

O Vaticano também não relutou em em rotular a parte que avalia negativa da IA como uma sombra a ser evitada. Fez isso na regulação para a IA lançada em janeiro de 2025 para o Estado da Cidade do Vaticano.

Os principais riscos a evitar, na visão da Santa Sé, são basicamente: a criação de desigualdades sociais, a violação da dignidade humana e o uso de técnicas que causem dano físico ou psicológico.

O documento também orienta os usuários, na buscando de maior consciência na utilização das tecnologias de IA e se baseando em princípios como: transparência, inclusão, responsabilidade, imparcialidade, confiabilidade, segurança e privacidade.

O avanço das Magnificent Seven 

Enquanto isso, o grupo restrito das maiores companhias de tecnologia não para de prosperar. Juntas, as Magnificent Seven – Microsoft, Apple, Alphabet (Google), Amazon, Meta (Facebook), Nvidia e Tesla – valem ao redor de US$ 15 trilhões.

O valor equivale à soma do Produto Interno Bruto (PIB) da Alemanha, Reino Unido, França, Canadá e Brasil.

Imagine o poder econômico-financeiro encadeado deste grupo de companhias, em nível global. Seus investimentos somados chegam a cada da centena de bilhões de dólares. Esse poder de fogo, que também cultural, de uma forma ou de outra, também está na mira dos estudiosos e ideólogos do Vaticano.

“O Vale do Silício adora a linguagem da ruptura, de quebrar em pedaços para reinventar. Mas aqui, quando falamos sobre a natureza do que é um ser humano, é muito importante que reflitamos criticamente sobre isso sem ignorar a questão do significado final da vida. E aqui eu acho que as questões que emergem com força são sobre o risco de aumento da desigualdade com a IA”, prega Dom Paul Tighe, secretário do Dicastério para a Cultura e a Educação, em recente pronunciamento.

Isso, contudo, também não coloca a Igreja na defensiva.

Justamente Microsoft, IBM e Cisco, por exemplo, são parcerias e assinaram o “Chamado de Roma para a Ética da IA”, um compromisso patrocinado pelo Vaticano para garantir que a inteligência artificial seja desenvolvida e usada de forma ética e para beneficiar o bem comum.

A articulação pragmática da igreja com o mundo da tecnologia e da política tem se intensificado notavelmente. Desde maio de 2025, o Vaticano, sob a liderança de Leão XIV, tem reforçado pontes de diálogo e colaboração.

Articulação global em Inteligência Artificial 

O “Chamado de Roma para a Ética da IA”, uma iniciativa chave da Pontifícia Academia para a Vida, continua a expandir sua base de signatários, congregando não apenas gigantes da tecnologia, mas também líderes de diversas tradições religiosas – como encontros com representantes judeus e muçulmanos – e instituições acadêmicas de renome mundial.

O esforço concentrado visa estabelecer uma “algor-ética” global, tema os mais caros ao guru da inteligência artificial Paolo Benanti, que vinha sendo o consultor direto do Papa Francisco e, ao que tudo indica, permanecerá voz influente e de referência no Vaticano sobre o assunto.