Enquanto a cidade de Nice, na França, recebe a 3ª Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (UNOC3) a partir desta segunda-feira (9), um dado inquietante chama atenção: apesar da relevância global do tema, a saúde do oceano não tem o espaço que poderia e deveria na cobertura jornalística.

Um estudo recente do Pulitzer Center, intitulado “Making Waves”, traz evidências dessa realidade, que muda quando há um grande evento como o encontro que está reunindo líderes globais na cidade francesa –  mas na maior parte do tempo as questões ligadas ao mar  ficam em segundo plano diante de outros assuntos. 

O relatório revela que, mesmo reconhecendo a importância vital do tema, a mídia ainda trata a saúde do oceano como um nicho ambiental, deixando de conectá-lo com outras grandes questões globais, além de enfrentar dificuldades para a cobertura que incluem orçamentos limitados e treinamento. 

Saúde do oceano: importância e urgência

Esse cenário de visibilidade limitada preocupa, já que a saúde do oceano está diretamente ligada ao clima, à economia e ao bem-estar humano.

Ela impacta a pesca, a segurança alimentar, o turismo e a biodiversidade — todos temas de interesse coletivo. Entretanto, segundo o Pulitzer Center, a cobertura jornalística não reflete toda essa complexidade e urgência, oferecendo ao público apenas vislumbres fragmentados do problema.

Relatório “Making Waves”: mergulho na cobertura jornalística

O estudo do Pulitzer Center buscou embasar estratégias para fortalecer a narrativa sobre a saúde do oceano na mídia.

Para isso, adotou uma metodologia mista. Na fase qualitativa foram realizadas 11 entrevistas em profundidade com especialistas de diversas áreas: biologia marinha, economia, conservação, comunicação e ONGs, todos com o oceano no centro de seus trabalhos para impulsionar mudanças.

Na etapa quantitativa, jornalistas de um banco de dados interno participaram de um questionário online de cinco minutos, disponível em inglês, espanhol, francês, português e bahasa indonésio.

No total, 78 jornalistas de 30 países responderam — 63% freelancers e 37% vinculados a organizações de mídia. A maioria (77%) já havia abordado temas como conservação, impactos das mudanças climáticas, predatória, saúde pública, pesquisa científica, disputas territoriais e crimes ambientais.

Mídia e saúde do oceano: análise de tendências digitais

Além das entrevistas e questionários, o estudo analisou o mapeamento de mídia usando ferramentas como Brand24, BuzzSumo e Media Cloud.

Foram monitoradas palavras-chave relacionadas a aquecimento global, poluição e perda de biodiversidade. Os dados revelaram que a cobertura é pontual, com pouca continuidade e dificuldade de conectar o tema à realidade das comunidades costeiras e ao cotidiano das pessoas.

O que o estudo constatou

A cobertura insuficiente de temas oceânicos deve-se a uma combinação de fatores, conforme destacado por jornalistas e especialistas:

  • Recursos e Investimento Limitados: Pressões orçamentárias nos meios de comunicação significam menos investimento em reportagens aprofundadas, tornando caro cobrir temas complexos ou enviar jornalistas a locais remotos. A assistência financeira é vista como a necessidade mais urgente pelos jornalistas.
  • Alfabetização Oceânica Insuficiente e Habilidades dos Jornalistas: Existe uma lacuna significativa no conhecimento dos jornalistas sobre temas oceânicos (“alfabetização oceânica”). Eles também reconhecem a necessidade de treinamento em áreas como biodiversidade, mudanças climáticas, e ferramentas técnicas como imagens de satélite e rastreamento de navios. Quase nove em cada 10 profissionais hesitam ou reconhecem a necessidade de melhoria.
  • Complexidade dos Tópicos: As questões oceânicas podem ser muito complexas, tornando-as desafiadoras tanto para serem reportadas de forma eficaz quanto para serem compreendidas pelo público. A reportagem é muitas vezes ou muito complexa ou muito superficial.
  • Falta de Audiências Interessadas/Demanda: Há uma percepção de que falta interesse do público e demanda por histórias sobre o oceano, especialmente entre aqueles não diretamente afetados pelas questões. Isso cria um ciclo vicioso.
  • Acesso Limitado a Fontes Diversas: Vozes relevantes, como pesquisadores, líderes comunitários e indígenas, e representantes de economias locais, muitas vezes não são consultadas, levando a histórias marginalizadas e oportunidades perdidas de humanizar as questões.
  • Inconsistência da Cobertura: A reportagem é frequentemente reativa, com picos em torno de eventos específicos, incluindo grandes encontros globais como o que está acontecendo esta semana em Nice, mas sem atenção sustentada ao longo do tempo.
  • Influência de Interesses: Interesses da indústria e potenciais influências governamentais podem afetar a forma como os temas são retratados, gerando receio de viés.

Esses fatores combinados resultam em uma cobertura que não consegue manter o interesse e a conscientização pública de forma consistente, segundo o estudo do Pulitzer, dificultando a identificação com as causas de conservação e a promoção de uma compreensão mais profunda sobre a importância do oceano.

Limitações e próximos passos

O relatório “Making Waves” oferece uma visão detalhada da cobertura da saúde do oceano e indica caminhos para ampliar a atenção da mídia ao tema — essencial para fortalecer o debate público e orientar políticas de conservação.

A saúde do oceano não é apenas uma pauta ambiental: é uma questão que envolve justiça social, economia e clima.

Segundo o Pulitzer Center, a falta de visibilidade na mídia prejudica a mobilização popular, o investimento em políticas públicas e a proteção efetiva do oceano — algo que deveria estar no centro do debate em eventos como a conferência de Nice e, principalmente, no dia a dia do jornalismo.