Londres – Contrariando as apostas em um esvaziamento após o êxodo de jornalistas, celebridades e empresas insatisfeitas com as transformações no X (antigo Twitter) sob Elon Musk, a plataforma não recuou em número de usuários e ainda elevou a quantidade dos que a acessam para se informar.

No entanto, o perfil ideológico mudou. Antes da aquisição por Musk, em 2022, os usuários do Twitter eram majoritariamente de perfil progressista, mas desde então a audiência de pessoas de direita aumentou em vários países, incluindo no Brasil.

Os dados são Digital News Report 2025 do Instituto Reuters para Estudos do Jornalismo, da Universidade de Oxford, divulgado nesta semana em Londres. 

Uma mudança ideológica no Twitter sob Elon Musk

O estudo anual investiga o comportamento no consumo de notícias em 48 países por meio de pesquisas locais sob rigorosa metodologia acadêmica.

Os dados mostram que o uso de X para notícias é estável ou crescente em muitos mercados, com as maiores elevações nos Estados Unidos (+8 pontos), Austrália (+6) e Polônia (+6).

“Desde que Elon Musk assumiu a plataforma em 2022, muito mais pessoas de direita, principalmente homens jovens, se reuniram na rede, enquanto uma parte do público de inclinação progressista saiu ou a está usando com menos frequência”, diz Nic Newman, autor principal do estudo. 

Redes rivais como Threads, Bluesky e Mastodon estão causando pouco impacto globalmente, com alcance de 2% ou menos para notícias.

A transformação do perfil dos usuários do Twitter foi analisada em 12 dos países pesquisados, e cresceu 50% em média.

 

Nos Estados Unidos, a proporção de usuários que se identificam com a direita triplicou, enquanto no Reino Unido quase dobrou.

Musk impulsiona influenciadores conservadores

De acordo com o relatório, essa mudança é, em parte, impulsionada pelo próprio Musk, que tem promovido ativamente influenciadores conservadores e de direita. 

Além disso, destacam os pesquisadores, ele tem usado sua vasta influência – conta com mais de 220 milhões de seguidores em sua conta – para impulsionar figuras como Donald Trump e defender a “liberdade de expressão”.

Na prática, ela se traduz em moderação reduzida e espaço para figuras controvertidas como o influenciador Andrew Tate, acusado de vários crimes sexuais. 

Estudos complementares sugerem que o algoritmo do X também pode estar contribuindo para essa amplificação de perspectivas de direita, aponta o Digital News Report.

Brasil acompanha tendência global de inclinação à direita

Embora o uso do X no Brasil de forma geral e particularmente para acessar notícias seja menor do que em outros países (9%, contra 23% nos EUA e na Turquia), a plataforma claramente se alinha a essa tendência global de audiência direitista, de acordo com o Reuters.

O documento cita como exemplo notório Gustavo Gayer, político de direita e influenciador digital, que é mencionado nas pesquisas como um dos criadores de notícias mais populares no país.

Com milhões de seguidores no X, Gayer utiliza a plataforma para “espalhar a verdade” e “prevenir que jovens ‘caiam na masmorra ideológica da Esquerda’”, ilustrando a forte inclinação ideológica do conteúdo consumido e propagado na rede social no cenário brasileiro, apontam os pesquisadores.

Reino Unido: direita cresce com apoio de Musk

Esse movimento ocorre em vários países. No Reino Unido, as audiências de direita quase dobraram desde a reformulação do X, e as audiências progressistas caíram pela metade.

Elon Musk usou sua própria conta para rotular a Grã-Bretanha de “estado policial” devido às suas medidas contra manifestantes envolvidos em confrontos violentos no ano passado.

Ele também defendeu a libertação de um ativista de extrema-direita preso, acusou o primeiro-ministro Keir Starmer de não agir contra gangues que exploravam sexualmente meninas e sinalizou interesse em fazer doações para ajudar a eleger o líder do partido Reform UK, Nigel Farage, como primeiro-ministro.

Desinformação e polarização: os riscos do Twitter sob Elon Musk

Apesar da resiliência em seu alcance, o Twitter sob Elon Musk é percebido como uma fonte significativa de informações falsas ou enganosas, especialmente em países como Alemanha, Irlanda e Reino Unido, onde as preocupações com a falta de moderação são elevadas.

Mais da metade dos entrevistados na pesquisa global expressa preocupação com a capacidade de distinguir o que é verdadeiro do que é falso online.

Jornalismo dividido entre resistência e presença estratégica

Diante desse cenário, organizações jornalísticas enfrentam um dilema. Algumas, como os belgas De Morgen e De Standaard, decidiram abandonar o X, argumentando que os valores de Elon Musk não se alinham aos seus ou aos de uma sociedade democrática.

Outros optaram por permanecer para “salvaguardar a diversidade de suas plataformas”, enquanto alguns desativaram os comentários em suas publicações.

Esse embate reflete a preocupação de que o jornalismo tradicional possa ceder terreno a criadores de conteúdo e influenciadores que disseminam opiniões sem base em evidências, salienta o relatório.

A batalha judicial e o impacto político do X no Brasil

O Digital News Report destacou ainda o que classificou como complexa situação política do X no Brasil, culminando em uma batalha judicial.

Em dezembro de 2024, a plataforma foi suspensa nacionalmente por ordem da Suprema Corte brasileira, após desafiar decisões judiciais relacionadas à remoção de contas envolvidas em desinformação.

O X ficou indisponível por mais de um mês, retomando os serviços em outubro após cumprir suas obrigações legais, incluindo o pagamento de multas e o bloqueio de usuários específicos.

Nesse período, o Bluesky registrou um aumento expressivo de usuários, mas não chegou a rivalizar com a popularidade do X.