- O que aconteceu: Spotify cogita sair da Turquia após investigação sobre playlists consideradas ofensivas envolvendo religião e figuras públicas.
- Conselho de Concorrência apura denúncias feitas por apoiadores do presidente Erdogan.
A investigação contra o Spotify na Turquia, motivada por playlists acusadas de ofender valores religiosos e morais, levanta temores sobre censura digital e liberdade de expressão no governo Erdoğan.
Spotify é investigado após denúncias de conteúdo ofensivo
A revelação de que o Spotify estaria considerando suspender suas operações na Turquia, de forma temporária ou definitiva, foi feita pelo jornal britânico The Times uma semana após a abertura de uma investigação pelo Conselho de Concorrência do país, em 5 de julho.
A apuração foi motivada por denúncias relacionadas a playlists criadas por usuários da plataforma de streaming de áudio.
Entre as listas estão duas que zombam da primeira-dama do país, intituladas “Músicas que Emine Erdogan ouviu quando sua torneira dourada quebrou” e “Lista de reprodução Hotgirl de Emine Erdogan”.
Outras satirizam a religião, como “A playlist que o Profeta Maomé ouviu enquanto fugia dos muçulmanos”.
A controvérsia ganhou destaque após publicações nas redes sociais, amplificadas por apoiadores do governo.
Usuários identificados como “AK trolls”, referência ao partido AKP do presidente Recep Tayyip Erdoğan, divulgaram capturas de tela com os títulos das playlists.
Leia também | Prisão de cartunistas de revista satírica na Turquia por charge sobre Gaza gera reação global
Autoridades se manifestaram publicamente nas redes sociais
O vice-ministro da Cultura e Turismo turco, Batuhan Mumcu, foi um dos mais ativos na denúncia. Em postagens na rede X, ele acusou o Spotify de “abrigar conteúdos que insultam as crenças da nossa sociedade”.
Mumcu afirmou que a plataforma “não agiu de forma compatível com os valores culturais e morais da nação”.
Ele também declarou que vai acompanhar pessoalmente o processo e exigiu que as instituições competentes tomem providências legais.
Leia também | Jornalista da BBC que cobria protestos na Turquia é preso e deportado: ‘ameaça à ordem pública’
Spotify diz cumprir leis da Turquia e colaborar com autoridades na investigação
Em nota oficial logo após a abertura da investigação, no dia 5 de julho, o Spotify afirmou em um post na rede social X (antigo Twitter) que cumpre rigorosamente as leis turcas e estava cooperando com as autoridades na investigação em curso.
“Estamos cientes da investigação iniciada pela Autoridade de Concorrência da Turquia. Estamos cooperando dentro do processo e trabalhando para uma resolução rápida e construtiva”, disse a empresa em um post no X.
Embora todas as nossas operações estejam em conformidade com os requisitos legais, não podemos comentar mais devido à falta de detalhes sobre o escopo ou o foco da inspeção.”
A empresa também reiterou sua contribuição à indústria musical turca, com mais de 2 bilhões de liras pagas em royalties em 2024.
E afirmou que 90% das músicas mais ouvidas no país por meio da plataforma são de artistas locais.
No entanto, uma semana depois a situação mudou, segundo o jornal The Times.
Representantes da companhia, sediada na Suécia, disseram ao jornal que estavam em contato com as autoridades para buscar uma solução, mas admitiram que estavam avaliando todos os cenários, inclusive sair da Turquia.
Leia também | Jornalista sueco é libertado após 51 dias preso por ‘insultar’ presidente da Turquia e retorna à Suécia
Denúncias em apuração incluem supostas práticas anticompetitivas
Não é a primeira vez que o Spotify enfrenta obstáculos na Turquia. Em 2021, a empresa precisou se adaptar às regras de licenciamento da Autoridade de Rádio e Televisão (RTÜK) para continuar oferecendo serviços no país.
A imprensa turca também destacou que o Spotify está sendo investigado por práticas anticompetitivas, como favorecimento de certos artistas e distribuição desigual de royalties.
Leia também | Jornalista curda é condenada a seis anos de prisão na Turquia por ‘afiliação terrorista’
Cenário da liberdade de expressão na Turquia é desafiador
A situação do Spotify na Turquia não é um caso isolado no contexto mais amplo de desafios à liberdade de expressão no país.
O caso mais recente é o da prisão de quatro profissionais da revista satírica LeMan, no dia 2 de julho. Eles estão sendo processados por uma charge sobre a guerra em Gaza, apontada como ofensiva aos valores religiosos.
A prisão provocou reação internacional, por ser mais uma investida do governo Erdogan contra a liberdade de imprensa e de expressão.
Leia também | Prisão de cartunistas de revista satírica na Turquia por charge sobre Gaza gera reação global
As perseguições do governo turco são dirigidas a jornalistas locais e estrangeiros.
Em janeiro, a jornalista curda Safiye Alagas foi condenada a seis anos e três meses de cadeia sob acusação de ser membro do Partido dos Trabalhadores do Curdistão, que a Turquia designou como organização terrorista.
A situação se agravou após o início dos protestos contra a prisão do prefeito de Istambul, em março, em que vários foram agredidos e presos.
Um jornalista da BBC que estava no país para cobrir as manifestações foi deportado, e um sueco passou 51 dias preso, sendo libertado após negociações diplomáticas.
Leia também | Governo da Turquia reage a protestos com censura na TV, prisão de jornalistas e bloqueio de contas em redes sociais