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MasterChef, Gaza, perda de assinantes: novas crises da BBC ameaçam o futuro da rede britânica

Sede da BBC em Londres

Londres – Denúncias de má conduta, demissões, falhas editoriais, protestos políticos e queda de arrecadação: esta foi uma das semanas mais difíceis nos mais de 100 anos de história da BBC, lidando com crises envolvendo o programa MasterChef, a cobertura de Gaza e abalos em suas finanças. 

Em um curto intervalo de tempo, a emissora pública britânica enfrentou uma sucessão escândalos que geraram protestos contra decisões editoriais e críticas severas de autoridades do governo. 

Relatórios divulgados na segunda-feira (14) escancararam fragilidades internas da rede, aprofundando um desgaste que ameaça sua credibilidade e levanta dúvidas sobre seu futuro no atual modelo de financiamento público, refletidos no Relatório Anual publicado na mesma data. 

Documentário sobre Gaza e vínculo com o Hamas

O documentário Gaza: How to Survive a Warzone, exibido pela BBC em fevereiro e posteriormente retirado do ar, foi narrado por Abdullah al-Yazouri, de 13 anos.

Tela do iPlayer da BBC exibindo documentário How To Survive a War Zone, que virou crise para a emissora

O jovem é filho de Ayman Alyazouri, alto funcionário do Hamas — uma informação conhecida pela produtora independente Hoyo Films, mas que não foi revelada à emissora.

Após investigação interna, concluída nesta semana, a BBC admitiu ter cometido uma grave falha editorial ao não identificar o vínculo familiar antes da exibição.

A emissora anunciou medidas corretivas, incluindo uma revisão de processos internos e a criação de um cargo específico para supervisão de documentários jornalísticos.

O caso levou o órgão regulador Ofcom a abrir investigação sobre possível engano ao público.

Mais crises relacionadas à guerra em Gaza

O desgaste foi ampliado por outras decisões controversas da BBC envolvendo a cobertura do conflito. Temendo novas críticas, a emissora optou por não exibir o documentário Doctors Under Attack, que trata de ataques a profissionais da saúde em Gaza.

A decisão gerou forte reação pública: mais de 600 figuras influentes, entre elas Susan Sarandon, Mike Leigh e Gary Lineker, acusaram a BBC de suprimir vozes palestinas. O filme acabou sendo veiculado pelo Channel 4.

Outro episódio polêmico ocorreu durante a transmissão ao vivo do festival de Glastonbury em 28 de junho.

O vocalista da dupla Bob Vylan liderou um coro com frases como “Free Palestine” e “Death to the IDF” (morte ao IDF, a força militar de Israel).

A BBC transmitiu a cena sem cortes e posteriormente expressou arrependimento por não ter interrompido o streaming. O caso gerou condenações do primeiro-ministro Keir Starmer e da Secretária da Cultura Lisa Nandy.

Crise no MasterChef: abusos e demissões de estrelas da BBC 

No mesmo dia da conclusão do caso Gaza, veio à tona um relatório independente encomendado pela produtora Banijay com 83 denúncias contra Gregg Wallace, apresentador do MasterChef, que tinha sido afastado em dezembro de 2024. 

Das acusações, 45 foram confirmadas, abrangendo um período de quase 20 anos, entre 2005 e 2024.

O relatório descreve comentários sexualmente explícitos, piadas e insinuações inapropriadas, declarações racistas ou culturalmente insensíveis, bullying e até aparições nu no ambiente de trabalho.

Há também registro de ao menos um caso de contato físico indesejado.

Wallace alegou ter sido inocentado das acusações mais graves e revelou ter sido diagnosticado com autismo, mas afirmou que não usaria isso como desculpa. A BBC reconheceu que falhou ao não agir diante de denúncias anteriores e anunciou que não pretende mais trabalhar com ele.

O escândalo se expandiu quando outro apresentador do programa, John Torode, foi desligado após vir à tona o uso de linguagem racista em uma conversa de mais de cinco anos atrás, citada no mesmo relatório.

A produtora Banijay admitiu que seus protocolos internos foram insuficientes para lidar com os abusos.

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Impacto institucional das crises para a BBC e perda de apoio público

O Relatório Anual da BBC, publicado na mesma segunda-feira (14), trouxe más notícias adicionais.

Segundo o documento, 300 mil residências deixaram de pagar a taxa obrigatória de licença em um ano, resultando em uma perda financeira de £50 milhões.

Embora o número pareça significativo, o impacto institucional — no modelo de financiamento — é ainda mais preocupante.

A BBC tem enfrentado crescentes questionamentos sobre sua imparcialidade, independência editorial e capacidade de manter padrões de conduta.

A pressão se intensificou desde o governo de Boris Johnson, quando surgiram propostas de reformulação da taxa de licença, inclusive para quem consome conteúdo apenas pela internet.

Casos anteriores e desgaste contínuo da BBC 

Os episódios desta semana não são isolados e servem de munição para os críticos. Em 2023, a emissora já havia enfrentado o afastamento do jornalista Huw Edwards, um dos maiores nomes do telejornalismo britânico, por má conduta sexual envolvendo menores de idade.

Mais recentemente, o ex-capitão da seleção inglesa e apresentador Gary Lineker se envolveu em nova polêmica: uma postagem considerada antissemita levou à sua saída antecipada da bancada do programa esportivo Match of The Day.

As sucessivas crises provocaram apelos de parlamentares pelo fim da taxa de licença obrigatória e levaram organizações como a Campaign Against Antisemitism a exigir a demissão do diretor-geral da BBC, Tim Davie.

Respostas estratégicas e questionamentos sobre o futuro

Pressionada por todos os lados, a BBC tem buscado se reinventar em meio a crises como as do documentário de Gaza e os problemas no MasterChef.

Entre as estratégias adotadas estão cortes de pessoal, criação de conteúdos sob paywall nos Estados Unidos, terceirização de produções em parceria com big techs, uso de inteligência artificial e investimentos em streaming.

No entanto, a sucessão de escândalos apenas agrava o desgaste da marca.

Em um ambiente político polarizado, a emissora é criticada tanto por agir quanto por se omitir, enfrentando o desafio de manter sua credibilidade como rede pública diante de um público cada vez mais exigente e adversários – incluindo jornais e outras emissoras de TV inclinadas para a direita – atentos a qualquer deslize. 

 
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