Era uma rendição amplamente esperada. Durante meses, foram muitos os rumores de que a Paramount acabaria por fechar um acordo para encerrar um processo aparentemente sem fundamento, movido pelo presidente Donald Trump.
O caso girava em torno de decisões editoriais tomadas na produção de uma entrevista da CBS com a candidata democrata à presidência Kamala Harris em 2024.
Em 2 de julho de 2025, esses rumores se confirmaram: o acordo entre a Paramount e a equipe jurídica de Trump resultou na controladora da CBS concordando em pagar US$ 16 milhões à futura Biblioteca Donald Trump – os US$ 16 milhões incluíram as custas judiciais de Trump – em troca do encerramento do processo.
Atuação do governo influenciou acordo com CBS
Mesmo com a opinião de muitos juristas e advogados especializados em mídia, que consideravam não haver mérito no processo, Shari Redstone, a maior acionista da Paramount, cedeu a Trump.
Redstone vinha tentando vender a Paramount para a Skydance Media desde julho de 2024, mas a transação foi atrasada por questões que envolviam a aprovação governamental.
Quando a administração Trump assumiu o poder em janeiro de 2025, a nova Comissão Federal de Comunicações (FCC) não tinha qualquer obrigação legal de facilitar, sem análise aprofundada, a transferência das licenças de transmissão da rede CBS para suas próprias emissoras de TV para um novo proprietário.
Leia também | Trump leva US$ 16 milhões em indenização da Paramount para encerrar ação contra entrevista de Kamala à CBS
Aprovação da FCC virou peça-chave em processo
A FCC, sob a presidência do recém-nomeado republicano Brendan Carr, estava plenamente ciente dos problemas no conflito legal entre Trump e a CBS no momento em que a Paramount precisava da aprovação da FCC para as transferências de licença.
Sem um acordo, o negócio entre Paramount e Skydance permanecia em risco.
Até não estar mais.
Naquele momento, a Paramount se juntou à Disney se desculpando implicitamente pelo jornalismo produzido por seus departamentos de notícias de TV.
No início de 2025, a Disney havia fechado acordo sobre um outro processo de Trump contra a ABC News em troca de uma doação de US$ 15 milhões para a futura Biblioteca Trump.
Esse processo envolvia uma disputa sobre a redação das ações pelas quais Trump foi considerado responsável em uma ação civil movida pela jornalista E. Jean Carroll.
O candidato presidencial republicano Donald Trump disse que a entrevista da CBS com a candidata democrata Kamala Harris foi uma “interferência fraudulenta em uma eleição”.
Crise de confiança e risco de autocensura
Não se sabe ao certo o que os acordos da ABC e da CBS sinalizam, mas muitos preveem que eles produzirão um “efeito inibidor” nos departamentos de jornalismo das emissoras.
Tal resultado seria resultante do medo de novas ações judiciais e instalaria uma forma de autocensura interna que influenciaria os jornalistas das redes ao decidir se a busca por reportagens investigativas envolvendo a administração Trump valeria o risco.
Trump aparentemente conseguiu o que presidentes anteriores não conseguiram.
Leia também | Trump aprova no Senado corte de US$ 9 bi para mídia pública e ajuda humanitária: qual o impacto?
Carter e Nixon ameaçaram emissoras
De Jimmy Carter tentando fazer com que o âncora da CBS Walter Cronkite parasse de encerrar seus noticiários noturnos com o número de dias em que os reféns americanos estavam sendo mantidos no Irã à administração de Richard Nixon ameaçando as licenças de transmissão das emissoras de TV do jornal The Washington Post para enfraquecer as reportagens do caso Watergate, presidentes anteriores buscaram aplicar pressão editorial sobre jornalistas de televisão.
Mas nos casos de Carter e Nixon, não funcionou. O foco das redes de televisão tanto no caso Watergate quanto na crise dos reféns no Irã permaneceu inabalável.
Durante a crise dos reféns no Irã, o âncora do CBS News, Walter Cronkite, encerrava cada transmissão com o número de dias em que os reféns estavam sendo mantidos em cativeiro.
Johnson criticava cobertura do Vietnã
Tampouco Nixon e Carter foram os primeiros presidentes a tentar influenciar, e possivelmente controlar, as notícias das redes.
O presidente Lyndon Johnson, que possuía estações locais de TV e rádio em Austin, no Texas, reclamava constantemente com seu velho amigo Frank Stanton, então presidente da CBS, sobre o que considerava uma cobertura televisiva tendenciosa.
Johnson se demonstrava tão furioso com as reportagens da CBS e da NBC sobre o Vietnã que chegou a argumentar que seus noticiários pareciam “controlados pelos vietcongues“.
No entanto, nenhum desses presidentes anteriores ganhou milhões das corporações que veicularam reportagens éticas e de interesse público.
Leia também | Katharine Graham: filme retrata a líder do Washignton Post que bancou revelação do Watergate; veja o trailer
Como fiscalizar o poder após pagar milhões a ele?
Antes de Trump, esses conflitos ocorriam principalmente nos bastidores e de maneira informal, permitindo que as emissoras evitassem danos à credibilidade caso alguma capitulação às administrações da Casa Branca se tornasse pública.
Em um quadro “Reporter’s Notebook” no noticiário noturno da CBS na noite do acordo de Trump, o âncora John Dickerson resumiu o novo dilema de forma sucinta:
“Você consegue fiscalizar o poder quando pagou milhões a ele? O público pode confiar em você quando acha que você trocou essa confiança por algo?”
“O público decidirá isso”, continuou Dickerson, concluindo: “Nosso trabalho é comparecer para honrar o que testemunhamos em nome das pessoas para quem testemunhamos”.
Existe um ditado no jornalismo televisivo: “Você só é tão bom quanto seu último programa”.
CBS sob nova gestão: cedo para julgar o noticiário
Em breve, a Skydance Media assumirá o controle das propriedades da Paramount, e a nova CBS estará no ar.
Quando as licenças para a KCBS em Los Angeles, a WCBS em Nova York e as outras emissoras próprias da CBS forem transferidas, conheceremos o legado a longo prazo da capitulação corporativa.
Por ora, no entanto, ainda é muito cedo para julgar os noticiários de amanhã.
Como pesquisador e ex-jornalista de televisão, recomendo que programas como “60 Minutes” e “CBS Evening News” sejam avaliados pelo histórico que construirão nos próximos três anos – e o histórico que construíram nos últimos 50.
O mesmo vale para o “ABC World News Tonight” e outros programas da ABC News.
“60 Minutes” mantém tom crítico mesmo sob pressão
Um importante fator complicador para o acordo Paramount-Skydance foi o fato de que, nos últimos seis meses, o programa “60 Minutes” veiculou grandes furos de reportagem que constrangeram a administração Trump.
Isso levou a um escrutínio adicional por sua proprietária corporativa.
A julgar pelas reportagens realizadas no primeiro semestre de 2025, o “60 Minutes” manteve seu histórico de jornalismo crítico e independente em favor do interesse público.
Espectadores precisam ver para avaliar
Se os espectadores querem ver um jornalismo televisivo ético, independente e profissional que responsabilize o poder, eles precisam assistir ao que é feito.
A única maneira de saber as consequências desses acordos é vendo a programação futura, em vez de descartá-la de antemão.
Os jornalistas da ABC News e da CBS News entendem o legado de suas organizações e estão cientes de como seus proprietários lançaram suspeitas sobre o profissionalismo e a credibilidade dos departamentos de notícias.
Como Dickerson afirmou, eles planejam “comparecer” independentemente da mancha, e eu apostaria que estão mais motivados a redimir suas reputações do que imaginamos.
Não acredito que repórteres, editores e produtores planejem deixar Donald Trump se tornar seu editor-chefe nos próximos três anos. Mas só saberemos assistindo.
Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.
Leia também | Trump lança streaming Truth+ com rede Newsmax para atrair público MAGA, conservador e cristão