• O que aconteceu: Os primeiros 6 meses de Donald Trump no poder como presidente dos EUA foram marcados por uma ofensiva coordenada contra a imprensa local, com atos de censura e repressão.
  • A postura repercute globalmente e inspira regimes autoritários: a Repórteres Sem Fronteiras alerta para o impacto transnacional do modelo americano.

Seis meses após o início do segundo mandato de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos (ele tomou posse em 20 de janeiro), a Repórteres Sem Fronteiras (RSF) afirma que a hostilidade da Casa Branca em relação à imprensa se intensificou, e os atos do governo americano reverberam além das fronteiras do país. 

6 meses de Trump no poder e a repressão global à imprensa

A organização alerta para o avanço de um movimento transnacional que compartilha táticas de repressão à imprensa e encontra em Trump um de seus principais expoentes nesses primeiros 6 meses do novo mandato. 

De acordo com a RSF, Donald Trump se tornou figura central em um movimento político global que tem contribuído para o declínio recente da liberdade de imprensa.

Táticas como assédio verbal a jornalistas e desmantelamento de veículos independentes são replicadas entre governos com baixa tolerância à mídia crítica.

“Donald Trump pode estar erguendo barreiras ao comércio internacional, mas quando se trata de atacar a imprensa, as ideias circulam livremente entre os países com péssimos históricos de liberdade de imprensa”, afirmou Clayton Weimers, diretor-executivo da RSF nos EUA.

Para Weimers, o impacto é global: 

“Desde que assumiu o cargo há seis meses, Trump acompanhou anos de ataques verbais a jornalistas com novas ações concretas para limitar a liberdade de imprensa. Muitas dessas táticas não são novas — é o mesmo ‘manual’ que temos visto predadores da liberdade de imprensa utilizarem em todo o mundo.

Mas está claro que Trump amplificou esse fenômeno, encorajando e inspirando outros líderes a reprimirrm suas próprias mídias nacionais. O resultado é um desastre para a liberdade de imprensa global.”

1. Assédio judicial e pressão econômica de Trump e aliados

Segundo a RSF, um dos instrumentos preferidos de Donald Trump para lidar com problemas é o processo judicial infundado, ferramenta central em sua guerra contra a imprensa.

A entidade afirma que ele processou repetidamente organizações de mídia por reportagens desfavoráveis.

A tática do “lawfare”, ou uso estratégico das leis para restringir a liberdade de imprensa, é comum entre líderes autocráticos.

A RSF cita como exemplo o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que desde 2022 submete jornalistas e veículos de notícias a processos onerosos e auditorias.

2. Mídia sob controle: aliados de Trump assumem veículos

A organização destaca que o processo movido por Trump contra a Paramount, dona da CBS, terminou em um acordo que abriu caminho para que David Ellison, CEO da Skydance e aliado de Trump, assumisse o controle da empresa.

Segundo a RSF, colocar aliados à frente de grandes organizações de mídia é uma tática comum para subjugar a imprensa.

O texto cita a Hungria, onde o presidente Viktor Orban se beneficiou de aquisições de mídia por “oligarcas” ligados ao governo, permitindo que seu partido dominasse cerca de 80% do mercado de informação política.

Em 2020, quase toda a equipe do maior site de notícias da Hungria, o Index.hu, renunciou após a demissão de seu editor-chefe sob pressão política.

3. Trump no poder e os ataques à mídia pública

A RSF relata que Trump atacou a mídia pública conseguindo revogar o financiamento aprovado pelo Congresso para as emissoras NPR (National Public Radio) e PBS (Public Broadcasting Service), além de ameaçar verba para estações locais independentes.

De acordo com a organização, ele também desmantelou a Agência dos EUA para Mídia Global (USAGM), encerrando o apoio a mídias independentes no exterior.

O documento da RSF aponta que regimes autoritários celebraram a decisão.

A mídia estatal russa classificou o fechamento da VOA (Voice of America) como uma “decisão excelente”.

Hu Xijin, ex-editor-chefe do Global Times, jornal estatal da China, afirmou que a paralisação das atividades da VOA e da RFA (Radio Free Asia) era “muito gratificante” e “esperançosamente irreversível”.

Um assessor de Viktor Orban declarou que “não poderia estar mais feliz” com os cortes na USAGM.

4. Violência contra jornalistas durante os protestos

A RSF acompanhou ao menos 60 atos de violência contra jornalistas durante protestos em Los Angeles contra as políticas migratórias de Trump. A organização afirma que essa agressividade é característica da política trumpista.

Casos semelhantes foram observados em países como Sérvia, Turquia e Geórgia.

Em março de 2025, quatro jornalistas foram presos em Istambul durante protestos antigoverno. Na Geórgia, mais de 70 jornalistas foram atacados durante manifestações em 2024.

5. Censura de vocabulário e linguagem sob Trump

No dia 11 de fevereiro, a Casa Branca proibiu o acesso da Associated Press (AP) à Casa Branca, à aeronave presidencial Air Force One e a vários eventos oficiais por discordar do uso da expressão “Golfo do México” para o corpo d’água que Trump rebatizou como “Golfo da América”.

Segundo a RSF, a equipe de imprensa da Casa Branca também se recusa a responder a e-mails de jornalistas que incluam pronomes nas assinaturas e promove uma campanha de exclusão de palavras consideradas “progressistas”.

A organização compara a estratégia aos métodos do Kremlin. Em 2022, poucos dias após a invasão da Ucrânia, o governo russo ordenou que a mídia evitasse os termos “agressão”, “invasão” ou “guerra”, substituindo-os por “operação militar especial”.

Informar sobre as Forças Armadas da Rússia de forma considerada falsa ou que as “desacredite” pode levar a 15 anos de prisão.

6. Acusações infundadas: mídia como inimiga

De acordo com a RSF, logo após Elon Musk e o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE) iniciarem a desmontagem da USAID (Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional) — que Musk chamou de “organização criminosa” apesar de ela financiar mídias independentes ao redor do mundo —, o governo da Sérvia invadiu o escritório do Centro para Pesquisa, Transparência e Responsabilidade (CRTA), ONG responsável pelo site de fact-checking Istinomer.rs.

O ministério público justificou a ação com base em acusações da administração Trump de que beneficiários de recursos da USAID poderiam ter “desviado verbas” e “lavado dinheiro”.

7. Trump, Milei e o assédio como arma política

Segundo a RSF, Trump se destaca por sua retórica hostil contra a imprensa e inspira outros líderes. 

Essa tendência também se manifesta na Argentina, com o presidente Javier Milei. Em abril de 2025, Milei passou a usar publicamente o slogan “não odiamos jornalistas o suficiente”.

Assim como Trump, ele promoveu campanhas de difamação e amplificou o assédio online contra jornalistas. Em maio, processou três profissionais por calúnia e difamação.

Trump no poder e a retroalimentação autoritária

A RSF conclui que a troca de ideias, táticas e discursos para atacar a imprensa criou um ciclo de retroalimentação autoritária.

Embora nem sempre seja claro quem inspira quem, o efeito é nítido: aumenta o risco para o jornalismo no mundo inteiro, aponta a entidade.