A campanha de Donald Trump contra a mídia que ele chama pejorativamente de “fake news” continua em grande parte sem controle, agravada por uma decisão que deve reduzir a cobertura e resultar no fechamento de emissoras de notícias comunitárias nos EUA, como rádios e TVs. 

A Câmara dos Representantes concordou com o Senado em 18 de julho e autorizou o corte de US$ 1,1 bilhão de financiamento para a Corporação de Radiodifusão Pública (CPB).

A CPB administra os recursos destinados à rádio pública NPR, à TV pública PBS e suas emissoras afiliadas. Os cortes afetarão os próximos dois anos de operação das redes.

Decisão do Congresso ameaça cobertura de emergências

Há temores de que algumas estações comunitárias e de áreas rurais sejam forçadas a demitir funcionários e até mesmo fechar, caso não tenham acumulado reservas de caixa significativas ou não recebam outros financiamentos.

Don Dunlap, presidente da KEDT-TV/FM no Texas, disse em entrevista: “Existem dez estações públicas no Texas, e acreditamos que provavelmente seis delas fecharão em até um ano”.

Falta de notícias em emergências é risco à segurança pública

Especialistas alertam para o fato de que, em emergências nacionais como incêndios florestais e inundações, os veículos de notícias locais são “serviços absolutamente essenciais” – e que podem não ser capazes de ajudar a manter os cidadãos bem informados no futuro.

“Quase três em cada quatro americanos dizem que dependem de suas estações de rádio públicas para receber alertas e notícias sobre segurança pública”, disse Katherine Maher, CEO da NPR.

Trump intensifica ofensiva contra rádios e TVs públicas

Trump tem esses veículos na mira há algum tempo, alegando que representam um desperdício do dinheiro dos contribuintes e ideologicamente parciais contra os republicanos. A NPR e a PBS negam as alegações.

As emissoras de radiodifusão públicas enviam regularmente alertas relacionados a condições climáticas extremas e notícias sobre emergências.

Isso é particularmente importante após episódios como as recentes inundações no Texas, que deixaram 135 mortos.

Kate Riley, CEO da America’s Public Television Stations, disse que os veículos de notícias comunitários fornecem diariamente “serviços essenciais de segurança pública que salvam vidas, comprovados serviços educacionais e conexões locais gratuitamente”.

A senadora republicana do Alasca Lisa Murkowski observou que recentemente recebeu da sua estação de rádio local um aviso de tsunami após um terremoto .

Ela tentou introduzir uma emenda legislativa para reduzir os cortes de verbas nas estações comunitárias. 

Estações comunitárias preveem fechamento em massa

As mais de mil emissoras da NPR nos EUA são vulneráveis justamente porque uma parte significativa do financiamento delas vem de fontes federais.

Conforme dados do site Politico, “aproximadamente 19% das estações afiliadas da NPR contam com o financiamento da CPB para pelo menos 30% de sua receita”.

Ed Ulman, presidente e CEO da Alaska Public Media, disse ao Politico que mais de um terço das estações de mídia pública em seu estado fecharão “dentro de três a seis meses”.

Recentemente, ele deu início a uma campanha de financiamento público nas redes sociais.

Pequenas estações de rádio rurais dos EUA enfrentam sérios cortes orçamentários

Mesmo em estações de TV sem problemas de financiamento, como a PBS do Arizona, de propriedade da Arizona State University e que conta com funcionários da Escola de Jornalismo e Comunicação Walter Cronkite, há planos de redução de gastos em andamento.

A emissora oferece programação diária para a região e serviu de escola para gerações de estudantes de jornalismo que seguiram carreiras em TV e rádio. Após o anúncio desses cortes federais, conversei com Scott Woelfel, gerente geral da estação, que disse:

“A Arizona PBS perderá cerca de US$ 2,3 milhões por ano nos próximos dois anos. Isso representa cerca de 13% do nosso orçamento total. Embora seja um percentual importante, essa perda não nos impedirá de operar.

Na verdade, preparamos um orçamento reduzido para a possibilidade bem concreta de os cortes ocorrerem e temos operado de acordo com ele desde 1º de julho.”

Após esses cortes federais, o custeio financiamento da emissora será 60% proveniente de doações, 16% de apoio corporativo e outros 24% de subsídios estaduais para serviços educacionais.

Woelfel não planeja fazer cortes de pessoal, mas admitiu que algumas vagas abertas não serão preenchidas. Ele também relatou que a estação vai “adiar grandes novas iniciativas até que um novo financiamento seja encontrado”.

Estados mais afetados podem ter falta de notícias em emergências

De modo geral, esses cortes provavelmente criarão mais “desertos de notícias” – regiões dos EUA sem acesso a notícias e informações comunitárias importantes.

Quando o presidente Lyndon B. Johnson sancionou a Lei de Radiodifusão Pública de 1967 para fornecer fundos à radiodifusão pública, ele disse:

“Enquanto trabalhamos todos os dias para produzir novos bens e criar nova riqueza, o que mais queremos é enriquecer o espírito do homem. Esse é o propósito desta lei.”

No entanto, esse sentimentos agora parecem antiquado na era das ruidosas guerras midiáticas de Trump.

Reportagens críticas elevam tensão entre Trump e imprensa

Na semana passada, o presidente americano também anunciou que processaria “para valer” Rupert Murdoch, fundador da News Corp, e o Wall Street Journal, que pertence ao conglomerado de mídia. 

Isso ocorreu após a publicação de uma reportagem no Wall Street Journal sobre um cartão de aniversário de 2003 com o desenho de uma mulher nua que Trump supostamente enviou ao agressor sexual Jeffrey Epstein.

Trump alega que o cartão era falso. O processo de US$ 10 bilhões também inclui a rede proprietária do jornal, Dow Jones, e dois de seus repórteres.

Enquanto Trump avança com mudanças significativas no cenário da mídia, ele sem dúvida espera que emissoras de televisão parceiras como a Fox News (também parte do império de Murdoch), assim como seus seguidores influenciadores, permaneçam leais à sua marca.

Seus seguidores do movimento MAGA (Make America Great Again) certamente apoiarão os cortes orçamentários e as declarações anti-PBS e NPR de Trump.

Porém, quando se trata de reportagens de inundações ou incêndios, os influenciadores tendem a não estar no local fornecendo aos moradores locais informações atualizadas.

Os eleitores podem achar esses serviços importantes, e às vezes capazes de salvar vidas e difíceis de substituir.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.