Uma lei garantindo liberdade de expressão no ensino superior aprovada em 2023 entrou em vigor em toda a Inglaterra nesta sexta-feira (1), tendo sido criada para impedir que as universidades censurem ideias controversas ou impopulares.
A lei dá ao órgão regulador Students Office For Student a responsabilidade de garantir que as instituições a cumpram.
Com ela, muitas universidades terão que mudar a maneira como abordam a liberdade de expressão.
Como as universidades tratavam a liberdade de expressão antes da lei
Antes da lei, os estabelecimentos educacionais da Inglaterra sempre tiveram três opções para tratar a liberdade de expressão em suas dependências.
Uma delas era seguir a lei geral, permitindo expressão de todas as ideias que a lei permitisse e proibindo qualquer mensagem que a lei proibisse.
A legislação do Reino Unido proíbe, por exemplo, certas expressões básicas de racismo, ódio anti-LGBTQ+, islamofobia, antissemitismo ou glorificação do terrorismo. Seria uma opção “legalista”.
Outra abordagem era permitir mais liberdade de expressão do que previsto em lei. Dessa forma, palestrantes convidados poderiam defender a supremacia branca ou a crença de que apenas relacionamentos e comportamentos heterossexuais são normais.
Era uma opção “libertária”, tratando a liberdade de expressão nas universidades como sacrossanta.
Mas essa opção dificilmente era adotada. Poucas instituições acolheriam a torrente de reclamações, publicidade na mídia, cancelamento de doações, investigações policiais ou litígios completos que se seguiriam.
Uma terceira opção era restringir ainda mais o discurso em relação ao que a lei geral já estabelecia.
Isso significava, por exemplo, proibir o discurso sexista, que ainda é permitido pela lei do Reino Unido.
Essa forma poderia ser chamada de opção “comunitária”. Ela considerava as instituições educacionais como mais do que apenas lugares para trocar ideias: elas também deveriam promover valores cívicos, com o objetivo de construir uma sociedade mais tolerante.
Quem decidia o que fazer
No passado, as universidades britânicas podiam escolher a opção três, cancelando ou evitando eventos com mensagens que, embora legais, representassem o risco de alimentar divisões no campus.
Algumas instituições suspenderam palestrantes controversos por decisão de suas próprias lideranças.
Por exemplo, em 2013, a UCL proibiu um grupo que defendia a segregação sexual.
Em outras ocasiões, movimentos para cancelar atividades foram liderados por alunos ou funcionários. Em 2015, a Universidade de York cancelou eventos para o Dia Internacional do Homem após reclamações desses dois grupos.
Como vai funcionar agora a liberdade de expressão nas universidades
O efeito da Lei de Ensino Superior (Liberdade de Expressão) será o de mudar as universidades do modelo comunitário para o legalista.
Os membros do campus que desejem organizar eventos ainda terão que cumprir as diretrizes de rotina sobre a reserva de locais do campus, ingressos para participantes, garantia de controles de segurança e afins.
No entanto, sob a lei, as universidades não podem mais impedir a comunicação de mensagens legais apenas com base em seu conteúdo provocativo.
Para os defensores da liberdade de expressão total, esse ato ainda pode não ir longe o suficiente, pois mantém uma saída.
A administração ainda pode cancelar eventos controversos se a instituição não tiver os meios para garantir segurança adequada, e tais reivindicações geralmente são difíceis de verificar.
No entanto, para outros, a regulamentação vai longe demais. Alguns argumentariam que a lei existente na Grã-Bretanha não protege adequadamente os grupos vulneráveis e que as universidades devem manter o ideal comunitário, criando um refúgio que a lei muitas vezes não fornece.
Essas ansiedades se tornam cada vez maiores na era da internet, quando a desinformação pode proliferar.
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Universidades podem virar ‘velho oeste’ da liberdade de expressão?
Há o temor de que abandonar o ethos comunitário transforme o campus em um ‘velho oeste selvagem’ de liberdade de expressão, afetando desproporcionalmente seus membros mais vulneráveis.
No entanto, as comunicações on-line também provaram ser ferramentas de mobilização poderosas para funcionários e alunos reagirem a isso.
É importante observar também que a nova lei não aboliu a obrigatoriedade de garantir o bem-estar na comunidade estudantil.
Atos de bullying, ameaças, perseguição e assédio direcionados individualmente permanecerão sob a égide da supervisão do campus, bem como seguem regulados pelas leis gerais do Reino Unido.
Funcionários ou estudantes que exibirem conduta racista, sexista, homofóbica ou transfóbica continuarão sujeitos a sanções disciplinares e até mesmo a demissões ou expulsões.
Finalmente, vale a pena ter em mente que os ingredientes mais destacados na nova lei são processuais, colocando encargos consideráveis sobre as universidades para facilitar a liberdade de expressão e lidar de forma transparente com as acusações de censura.
No entanto, só o tempo dirá se a nova lei provocará uma explosão de reclamações. E se a troca de ideias no campus realmente será tão diferente daquela que já existe hoje.
Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Converstion e é republicado aqui sob licença Creative Commons