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Jornalista premiado da Al Jazeera é morto em Gaza com equipe; Israel justifica afirmando que ele era do Hamas

Anas Al-Sharif, jornalista da Al Jaqzeera morto em Gaza

Anas Al-Sharif foi assassinado em um ataque em 10 de agosto (Foto: CPJ)

  • O que aconteceu: Repórter da TV Al Jazeera é morto em Gaza junto com quatro outros jornalistas e caso gera indignação internacional
  • Israel acusa Anas Al-Sharif de ligação com o Hamas; emissora e entidades negam

Entidades internacionais reagiram com indignação ao ataque que matou neste domingo (10) Anas Al-Sharif, um dos jornalistas mais conhecidos de Gaza, e que Israel admitiu ter realizado, alegando que ele era membro do Hamas — acusação rejeitada pela Al Jazeera e por organizações como a ONU. 

Jornalista da Al Jazeera morto em ataque aéreo

O jornalista palestino Anas Al-Sharidf, 28 anos, estava em uma tenda de imprensa montada do lado de fora do portão principal do Hospital Al-Shifa, acompanhado de outros colegas da Al Jazeera, rede que pertence ao governo do Catar.

No ataque ocorrido domingo morreram também o correspondente Mohammed Qreiqeh e os cinegrafistas Ibrahim Zaher, Mohammed Noufal e Moamen Aliwa.

A emissora classificou o ataque como deliberado e direcionado, afirmando que foi uma tentativa de silenciar jornalistas palestinos que continuam sendo as únicas vozes presentes em Gaza, já que Israel proíbe a entrada de repórteres internacionais no território desde o início da guerra.

Em julho, a relatora do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR), Irene Khan afirmou em uma nota oficial estar preocupada com “repetidas ameaças e acusações do exército israelense contra Anas Al-Sharif, o último jornalista sobrevivente da Al Jazeera no norte de Gaza.”. 

Ela classificou as acusações como uma tentativa deliberada de silenciar o trabalho jornalístico e alertou que Israel estaria conduzindo uma campanha sistemática para obstruir a documentação de crimes internacionais. 

Carreira e trajetória de Anas Al-Sharif

Anas Al-Sharif e nasceu no campo de refugiados de Jabalia, na Faixa de Gaza. Formado em Comunicação de Massas pela Universidade Al-Aqsa, com especialização em rádio e televisão, tornou-se um dos rostos mais conhecidos da Al Jazeera na cobertura da guerra entre Israel e Hamas.

Desde outubro de 2023, atuava na linha de frente, principalmente no norte de Gaza, documentando bombardeios, mortes e o sofrimento da população.

Em 2018, foi reconhecido com o prêmio de Melhor Jovem Jornalista da Palestina e, em 2024, sua equipe recebeu o Prêmio Pulitzer pela cobertura da guerra.

Casado e pai de dois filhos, havia perdido o pai em um ataque aéreo israelense em dezembro de 2023, fato que o motivou ainda mais a continuar reportando sobre o conflito.

Últimos registros antes do ataque

Poucas horas antes de sua morte, Al-Sharif publicou um vídeo nas redes sociais mostrando o bombardeio israelense e alertando para uma possível invasão em larga escala.

Em abril, escreveu uma carta para ser divulgada caso fosse morto, na qual afirmou:

“Vivi a dor em todos os seus detalhes, experimentei o sofrimento e a perda muitas vezes, mas nunca hesitei em transmitir a verdade como ela é, sem distorção ou falsificação.”

No texto, lamentava não poder ver seus filhos crescerem e pedia que sua mensagem fosse compartilhada para que o mundo não permanecesse em silêncio diante do massacre.

A carta foi publicada em um post no X. 

 

 

Israel acusa; Al Jazeera e entidades contestam

Após o ataque, as Forças de Defesa de Israel (IDF) divulgaram comunicado afirmando que Al-Sharif não era um jornalista legítimo, mas um “terrorista disfarçado” que liderava uma célula do Hamas responsável por ataques com foguetes contra civis e tropas israelenses.

Segundo o exército, documentos encontrados em Gaza comprovariam sua ligação com o grupo, incluindo listas de pessoal, registros de treinamento, contatos telefônicos e comprovantes de salário.

A IDF declarou que “uma credencial de imprensa não é um escudo para o terrorismo”.

A Al Jazeera rejeitou categoricamente as acusações, acusando Israel de promover uma campanha sistemática de incitação contra seus jornalistas.

Organizações internacionais como o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e Repórteres Sem Fronteiras (RSF) também condenaram o ataque, afirmando que Israel não apresentou provas e que rotular jornalistas como militantes é uma prática perigosa que ameaça a liberdade de imprensa.

Pronunciamentos e repercussão internacional

Em meio à repercussão, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu anunciou, em coletiva em Jerusalém no mesmo dia do ataque, um plano para permitir que jornalistas estrangeiros entrem em Gaza acompanhados pelo exército israelense.

“Decidimos, e eu ordenei, que os militares tragam mais jornalistas estrangeiros. Há um problema de segurança, mas acredito que isso pode ser feito de forma responsável e cuidadosa”, declarou.

A proposta foi recebida com ceticismo por entidades de imprensa, que apontam que Israel continua impedindo o acesso da maioria da mídia internacional à Faixa de Gaza.

Ameaças anteriores e contexto da guerra

O CPJ afirmou estar “consternado” com a morte de Al-Sharif e lembrou que Israel tem um padrão de acusar jornalistas de serem militantes sem apresentar provas credíveis.

Sara Qudah, diretora regional do CPJ, declarou: “Jornalistas são civis e nunca devem ser alvo. Os responsáveis por essas mortes devem ser responsabilizados.”

Al-Sharif já havia sido acusado publicamente por Israel de ser membro do Hamas, sem que evidências fossem apresentadas. Em 24 de julho, Avichay Adraee, porta-voz da IDF, disse que o jornalista integrava o braço militar do grupo desde 2013 e que trabalhava “para o canal mais criminoso e ofensivo”.

Ao CPJ, Al-Sharif respondeu:

“A campanha de Adraee não é apenas uma ameaça midiática ou de destruição de imagem; é uma ameaça real à minha vida. Tudo isso acontece porque minha cobertura dos crimes da ocupação israelense em Gaza prejudica a imagem deles no mundo.  Sou acusado de ser terrorista porque a ocupação quer me assassinar moralmente.”

Número crescente de jornalistas mortos

Desde o início da guerra em 7 de outubro de 2023, pelo menos 186 jornalistas foram mortos, dos quais 178 eram palestinos mortos por Israel, segundo dados do CPJ.

A Repórteres Sem Fronteiras fez denúncias de crimes de guerra contra a imprensa ao Tribunal de Haia, mas os casos não avançaram. 

Enquanto isso, cresce a pressão para autorizar a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza. 

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