- O que aconteceu: Repórter da TV Al Jazeera é morto em Gaza junto com quatro outros jornalistas e caso gera indignação internacional
- Israel acusa Anas Al-Sharif de ligação com o Hamas; emissora e entidades negam
Entidades internacionais reagiram com indignação ao ataque que matou neste domingo (10) Anas Al-Sharif, um dos jornalistas mais conhecidos de Gaza, e que Israel admitiu ter realizado, alegando que ele era membro do Hamas — acusação rejeitada pela Al Jazeera e por organizações como a ONU.
Jornalista da Al Jazeera morto em ataque aéreo
O jornalista palestino Anas Al-Sharidf, 28 anos, estava em uma tenda de imprensa montada do lado de fora do portão principal do Hospital Al-Shifa, acompanhado de outros colegas da Al Jazeera, rede que pertence ao governo do Catar.
No ataque ocorrido domingo morreram também o correspondente Mohammed Qreiqeh e os cinegrafistas Ibrahim Zaher, Mohammed Noufal e Moamen Aliwa.
A emissora classificou o ataque como deliberado e direcionado, afirmando que foi uma tentativa de silenciar jornalistas palestinos que continuam sendo as únicas vozes presentes em Gaza, já que Israel proíbe a entrada de repórteres internacionais no território desde o início da guerra.
Em julho, a relatora do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR), Irene Khan afirmou em uma nota oficial estar preocupada com “repetidas ameaças e acusações do exército israelense contra Anas Al-Sharif, o último jornalista sobrevivente da Al Jazeera no norte de Gaza.”.
Ela classificou as acusações como uma tentativa deliberada de silenciar o trabalho jornalístico e alertou que Israel estaria conduzindo uma campanha sistemática para obstruir a documentação de crimes internacionais.
Carreira e trajetória de Anas Al-Sharif
Anas Al-Sharif e nasceu no campo de refugiados de Jabalia, na Faixa de Gaza. Formado em Comunicação de Massas pela Universidade Al-Aqsa, com especialização em rádio e televisão, tornou-se um dos rostos mais conhecidos da Al Jazeera na cobertura da guerra entre Israel e Hamas.
Desde outubro de 2023, atuava na linha de frente, principalmente no norte de Gaza, documentando bombardeios, mortes e o sofrimento da população.
Em 2018, foi reconhecido com o prêmio de Melhor Jovem Jornalista da Palestina e, em 2024, sua equipe recebeu o Prêmio Pulitzer pela cobertura da guerra.
Casado e pai de dois filhos, havia perdido o pai em um ataque aéreo israelense em dezembro de 2023, fato que o motivou ainda mais a continuar reportando sobre o conflito.
Últimos registros antes do ataque
Poucas horas antes de sua morte, Al-Sharif publicou um vídeo nas redes sociais mostrando o bombardeio israelense e alertando para uma possível invasão em larga escala.
Em abril, escreveu uma carta para ser divulgada caso fosse morto, na qual afirmou:
“Vivi a dor em todos os seus detalhes, experimentei o sofrimento e a perda muitas vezes, mas nunca hesitei em transmitir a verdade como ela é, sem distorção ou falsificação.”
No texto, lamentava não poder ver seus filhos crescerem e pedia que sua mensagem fosse compartilhada para que o mundo não permanecesse em silêncio diante do massacre.
A carta foi publicada em um post no X.
This is my will and my final message. If these words reach you, know that Israel has succeeded in killing me and silencing my voice. First, peace be upon you and Allah’s mercy and blessings.
Allah knows I gave every effort and all my strength to be a support and a voice for my…
— أنس الشريف Anas Al-Sharif (@AnasAlSharif0) August 10, 2025
Israel acusa; Al Jazeera e entidades contestam
Após o ataque, as Forças de Defesa de Israel (IDF) divulgaram comunicado afirmando que Al-Sharif não era um jornalista legítimo, mas um “terrorista disfarçado” que liderava uma célula do Hamas responsável por ataques com foguetes contra civis e tropas israelenses.
Segundo o exército, documentos encontrados em Gaza comprovariam sua ligação com o grupo, incluindo listas de pessoal, registros de treinamento, contatos telefônicos e comprovantes de salário.
A IDF declarou que “uma credencial de imprensa não é um escudo para o terrorismo”.
A Al Jazeera rejeitou categoricamente as acusações, acusando Israel de promover uma campanha sistemática de incitação contra seus jornalistas.
Organizações internacionais como o Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) e Repórteres Sem Fronteiras (RSF) também condenaram o ataque, afirmando que Israel não apresentou provas e que rotular jornalistas como militantes é uma prática perigosa que ameaça a liberdade de imprensa.
Pronunciamentos e repercussão internacional
Em meio à repercussão, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu anunciou, em coletiva em Jerusalém no mesmo dia do ataque, um plano para permitir que jornalistas estrangeiros entrem em Gaza acompanhados pelo exército israelense.
“Decidimos, e eu ordenei, que os militares tragam mais jornalistas estrangeiros. Há um problema de segurança, mas acredito que isso pode ser feito de forma responsável e cuidadosa”, declarou.
A proposta foi recebida com ceticismo por entidades de imprensa, que apontam que Israel continua impedindo o acesso da maioria da mídia internacional à Faixa de Gaza.
Ameaças anteriores e contexto da guerra
O CPJ afirmou estar “consternado” com a morte de Al-Sharif e lembrou que Israel tem um padrão de acusar jornalistas de serem militantes sem apresentar provas credíveis.
Sara Qudah, diretora regional do CPJ, declarou: “Jornalistas são civis e nunca devem ser alvo. Os responsáveis por essas mortes devem ser responsabilizados.”
Al-Sharif já havia sido acusado publicamente por Israel de ser membro do Hamas, sem que evidências fossem apresentadas. Em 24 de julho, Avichay Adraee, porta-voz da IDF, disse que o jornalista integrava o braço militar do grupo desde 2013 e que trabalhava “para o canal mais criminoso e ofensivo”.
Ao CPJ, Al-Sharif respondeu:
“A campanha de Adraee não é apenas uma ameaça midiática ou de destruição de imagem; é uma ameaça real à minha vida. Tudo isso acontece porque minha cobertura dos crimes da ocupação israelense em Gaza prejudica a imagem deles no mundo. Sou acusado de ser terrorista porque a ocupação quer me assassinar moralmente.”
Número crescente de jornalistas mortos
Desde o início da guerra em 7 de outubro de 2023, pelo menos 186 jornalistas foram mortos, dos quais 178 eram palestinos mortos por Israel, segundo dados do CPJ.
A Repórteres Sem Fronteiras fez denúncias de crimes de guerra contra a imprensa ao Tribunal de Haia, mas os casos não avançaram.
Enquanto isso, cresce a pressão para autorizar a entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza.
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