- O que aconteceu: O governo de Vladimir Putin impôs novas restrições ao uso dos aplicativos de mensagens WhatsApp e Telegram na Rússia.
- Chamadas de voz e vídeo passaram a ser bloqueadas parcialmente, segundo o regulador estatal Roskomnadzor.
A decisão de limitar o acesso ao WhatsApp e Telegram em nome da segurança nacional e impor o uso de um app estatal na Rússia é parte da campanha para consolidar a soberania digital adotada pelo governo Putin, em um momento crucial para as negociações sobre o fim da guerra na Ucrânia.
Governo russo endurece controle sobre WhatsApp e Telegram
O WhatsApp tem cerca de 97 milhões de usuários na Rússia, e o Telegram conta com 89 milhões, de acordo com o serviço de monitoramento de mídia Mediascope.
Ambos avançaram no país depois da guerra com a Ucrânia, por permitirem comunicações sigilosas (criptografadas de ponta a ponta) e assim garantirem segurança para jornalistas, políticos de oposição, ativistas e cidadãos russos sujeitos às rigorosas medidas de censura impostas desde então.
O anúncio oficial do limite ao uso dos dois aplicativos foi feito na quarta-feira (13/8), por meio de um comunicado do Roskomnadzor, agência reguladora de comunicações da Rússia.
A justificativa apresentada foi a proteção contra crimes como extorsão, fraudes e recrutamento para ações de sabotagem e terrorismo.
Segundo a agência, os dois aplicativos — de propriedade estrangeira — teriam ignorado pedidos para colaborar com investigações e fornecer acesso a dados de usuários.
A cooperação, segundo o governo, será essencial para o restabelecimento dos serviços de chamadas, que continuam parcialmente restritos.
Para voltarem ao funcionamento completo, WhatsApp e Telegram teriam que cumprir integralmente as exigências da legislação russa, incluindo a abertura de escritórios locais e o atendimento a solicitações de autoridades de segurança.
Soberania digital e controle sobre aplicativos estrangeiros
O possível banimento do WhatsApp na Rússia é parte de uma estratégia ampla que começou oficialmente em 1º de novembro de 2019, quando entrou em vigor no país a chamada “lei da internet soberana”, que concede ao governo poderes para desconectar o país da rede global, mesmo sem a declaração formal de emergência.
Desde a guerra com a Ucrânia, as medidas alinhadas à estratégia se intesificaram.
Nesse período, o governo russo endureceu o controle sobre a internet, bloqueando redes sociais como Facebook, Instagram e X (antigo Twitter). A Meta, dona do WhatsApp, foi classificada pela Rússia como organização extremista.
Ao mesmo tempo, a Rússia vem trabalhando para substituir as plataformas estrangeiras por soluções desenvolvidas no país, com maior controle por parte do Estado.
Aplicativo estatal Max é promovido como alternativa
Como parte dessa estratégia, o governo russo lançou o Max, um aplicativo estatal criado pela empresa VK, com supervisão do Ministério do Desenvolvimento Digital do governo Putin.
A VK Company também controla a principal rede social russa, a VKontakte.
Apresentado como uma alternativa nacional aos serviços de mensagens, o app já conta com mais de 2 milhões de usuários registrados desde seu lançamento, em junho de 2025. Celebridades alinhadas ao Kremlin têm promovido seu uso.
O Max concentra funções como mensagens, chamadas, pagamentos, acesso a serviços públicos e navegação por mapas — um “hub digital” com integração total às plataformas estatais.
De acordo com veículos de imprensa independentes russos e ucranianos, e publicações especializadas em tecnologia, o Max permitirá acesso irrestrito a microfone, câmera, localização, contatos e arquivos dos usuários.
O aplicativo usa privilégios avançados (conhecidos como “root”) para coletar e enviar dados automaticamente aos servidores do governo.
Instalação obrigatória e vigilância ampliada
Uma nova lei sancionada pelo presidente Vladimir Putin determina a instalação obrigatória do Max em todos os smartphones vendidos na Rússia a partir de setembro de 2025.
O aplicativo terá configuração de sistema que dificultará sua exclusão, além de poder compartilhar dados com autoridades mediante solicitação, conforme os termos de uso.
Grupos de direitos digitais têm expressado preocupação com a medida, que enxergam como uma forma de vigilância em massa, similar ao modelo adotado pelo governo chinês com o app WeChat.
Pressão para saída do WhatsApp e Telegram
Apesar de o governo não ter anunciado um bloqueio total, autoridades russas indicaram que o WhatsApp pode ser forçado a deixar o país caso não se adapte às novas exigências.
O deputado Anton Gorelkin declarou publicamente que o aplicativo “deve se preparar para sair do mercado russo”.
Com isso, o Kremlin avança na construção da RuNet — uma infraestrutura digital própria, projetada para funcionar de forma autônoma e blindada contra influências externas, com reflexos nocivos sobre a liberdade de imprensa e o jornalismo independente.
Desde que Vladimir Putin chegou ao poder, a liberdade de imprensa na Rússia tem sido sistematicamente reduzida por meio de leis restritivas, perseguição judicial e controle estatal dos principais veículos de comunicação.
O país está em 177º lugar entre 180 nações no Global Press Freedom Index da organização Repórteres Sem Fronteiras, que mede a liberdade de imprensa no mundo.
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