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Leis contra danos psicológicos online estão sendo adotadas pelo mundo – mas como definir ‘dano’?

por Magda Osman | professora de Políticas Públicas, Universidade de Leeds (Reino Unido)

Jovem com telefone ceular

Foto: Giorgio Pulsart / Unsplash



Várias leis contra danos online estão entrando em vigor este ano em todo o mundo, como a Lei de Segurança Online do Reino Unido e a Lei de Segurança Online da Austrália.

Há também novos padrões, regulamentos, atos e leis relacionados a produtos digitais (incluindo dispositivos inteligentes, como assistentes de voz, fones de ouvido virtuais) e serviços como plataformas de mídia social.

Dos muitos danos que essas leis são concebidas para abordar, “dano psicológico”, “distúrbios mentais” ou termos semelhantes são comumente incluídos. Entretanto, quando se fala de danos psicológicos e afins, normalmente não há uma definição exata sobre o que esses danos exatamente são.

Embora possamos ter uma compreensão intuitiva do que é o dano psicológico, necessitamos de precisão sobre o que isso significa na leis. Isso significa classificar o que é dano, ter um consenso sobre como medi-lo e definir os melhores métodos para enfrentá-lo.

Origem da definição sobre danos psicológicos online

Como fazemos isso? Um lugar óbvio para procurar é a ciência psicológica.

A primeira referência a danos psicológicos foi feita na década de 1940. Naquela época, o termo aplicava-se ao impacto desestabilizador da propaganda de guerra e o uso da psicologia para subverter a compreensão da realidade das pessoas.

‘Dano psicológico’ era um termo amplo, que também se aplicava àqueles que testemunhavam os horrores da guerra nas frentes de batalha.

Nas décadas de 1950 e 1960, os danos psicológicos estavam mais associados a táticas de publicidade que exploravam agressivamente as emoções e inseguranças das pessoas.

Avançando rápido para o início dos anos 2000: surgiram ferramentas para avaliar danos psicológicos online, ao lado de avaliações clínicas de transtornos de saúde mental.

Por exemplo, pesquisas sobre abusos experimentados online, como cyberbullying e cyberstalking, documentaram vários impactos psicológicos.

Eles incluíam afastamento voluntário de grupos sociais, insegurança e autoestima levando a transtornos de saúde mental, como depressão, ansiedade e TEPT.

Novos termos entraram em léxicos clínicos e forenses, como “aflição psicológica”, “dano psicológico” e “lesão psicológica”. Todos eles dizem respeito a alguma forma de experiência mental adversa que pode acontecer imediatamente ou como uma reação tardia a eventos traumáticos.

A posição atual sobre o que são os danos psicológicos online

Ao analisar 80 anos de trabalho em psicologia clínica, forense e cognitiva, aqui estão as principais questões atuais relativas a danos psicológicos online.

Não há acordo sobre onde traçar a linha entre danos psicológicos online ou conceitos relacionados e transtornos mentais descritos no manual de diagnóstico chamado DSM-5-TR (como depressão, ansiedade ou transtornos de personalidade).

Também não há uma medida padronizada de dano psicológico ou sofrimento psicológico ou dano.

Por exemplo, se usarmos apenas as mídias sociais, existem diferentes métricas que variam até mesmo em como elas medem experiências mentais negativas no Tiktok, Instagram e Threads, Facebook, Youtube e Weibo.

Por que isso importa? Um exemplo é o cyberbullying. Existem 17 ferramentas para medir o dano psicológico. E como nem todas as ferramentas se alinham, não temos uma imagem precisa das taxas de danos psicológicos.

Algumas ferramentas são muito limitadas no escopo – elas não incluem casos graves que requerem tratamento psiquiátrico. E outras avaliações são muito amplas – deixando de excluir aquelas que são malignas.

Além do mais, a forma como percebemos e experimentamos eventos adversos, que podem ser muito graves e debilitantes, varia – e elas são de natureza subjetiva.

A pesquisa em psicologia clínica e forense reconhece isso. Essas disciplinas passaram tempo estabelecendo padrões de avaliação ao apoiar decisões legais para garantir medidas punitivas apropriadas quando enfrentamos situações terríveis.

Três sugestões práticas para leis contra danos psicológicos online

Para que a legislação faça o trabalho de proteger contra danos psicológicos de sérias experiências adversas online e por meio de tecnologias digitais, a psicologia forense oferece um caminho a seguir.

A primeira coisa é ter um consenso sobre a definição  Por exemplo, em 2025, a psicóloga Amanda Heath propôs uma definição viável de uso geral como “uma queda sustentada no funcionamento estável, impactando negativamente o bem-estar”.

Isso funciona da mesma forma que os requisitos legais para definir danos físicos, que precisam de uma linha de base de funcionamento para mostrar como um evento prejudicial causa uma mudança nele.

A gravidade do dano varia, com base, por exemplo, na duração da recuperação (como uma semana, um mês, um ano, nunca).

Da mesma forma, a duração da recuperação da exposição a conteúdo ilegal online indicaria a gravidade do dano psicológico experimentado.

Em segundo lugar, deve haver um processo para demonstrar causalidade entre um evento adverso específico online e o próprio dano. Até agora, não parece haver nenhum critério definido estabelecido em atos de segurança ou danos online para estabelecer causalidade.

Leis de proteção contra danos online precisam estabelecer causa e efeito

Também nesse aspecto os legisladores poderiam se inspirar na pesquisa forense, que descreve dois níveis em casos de lesões psicológicas que estabelecem causalidade – psicológica e legalmente.

Psicólogos forenses avaliam a evidência da proporção relativa de fatores pré-existentes e de eventos ou pós-eventos para determinar a causalidade usando algo chamado análise contrafactual.

Por exemplo, às vezes as pessoas têm lesões, vulnerabilidades ou psicopatologias pré-existentes. Portanto, em tais casos, precisa haver uma linha de base, onde as evidências mostram como as condições de um indivíduo foram exacerbadas pela experiência de um impacto prejudicial.

Se aplicássemos essa análise a danos psicológicos experimentados online, funcionaria assim: os psicólogos forenses ponderariam as evidências para determinar que, na ausência de ver o conteúdo ilegal, um indivíduo não teria experimentado o TEPT na mesma medida em que está experimentando atualmente.

Finalmente, é necessário que haja padrões para as evidências usadas para mostrar a causalidade entre um evento adverso específico online e o dano em si, que ainda não vemos nos atuaia leis de proteção e segurança contra danos psicológicos online.

Na psicologia forense, por outro lado, os padrões legais de evidência são altos, exigindo corroboração independente dos impactos psicológicos.

É aqui que as ferramentas de avaliação psiquiátrica de TEPT, depressão e ansiedade são usadas, juntamente com outras fontes de evidência. Resultados físicos (como danos neurológicos) e resultados comportamentais (como abuso de substâncias, automutilação) também são necessários.

Para servir ao público, a lei precisa melhorar. Isso não pode ser alcançado sem uma definição elaborada de dano psicológico online, ferramentas de avaliação e uma estrutura que traça um caminho causal desde o conteúdo prejudicial até o dano considerado causado.

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Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.