Cinco jornalistas estavam entre as 22 pessoas mortas em 25 de agosto de 2025, em ataques israelenses ao Hospital Nasser, na Faixa de Gaza.
Após a condenação global, o gabinete do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu emitiu um comunicado dizendo que Israel “valoriza o trabalho dos jornalistas”. Mas os números contam uma história diferente.
Essas mortes elevam o número total de jornalistas mortos em Gaza em quase dois anos de guerra para 197.
O mais mortal esforço para calar jornalistas, diz Comitê
O Comitê para a Proteção dos Jornalistas, sediado nos EUA e responsável por coletar esses dados, acusa Israel de “se envolver no esforço mais mortal e deliberado para matar e silenciar jornalistas” que a organização já viu.
“Os jornalistas palestinos estão sendo ameaçados, diretamente visados e assassinados pelas forças israelenses, e são arbitrariamente detidos e torturados em retaliação por seu trabalho”, acrescentou o comitê.
Ataques a jornalistas palestinos remontam a 1967
Como estudiosa da história moderna da Palestina, vejo o atual assassinato de repórteres, fotógrafos e outros profissionais da mídia em Gaza como parte de uma história mais longa de tentativas israelenses de silenciar jornalistas palestinos.
Esta história remonta pelo menos a 1967, quando Israel, após a Guerra dos Seis Dias, ocupou militarmente os territórios palestinos da Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza.
Além das perdas humanas, as restrições israelenses à atuação direta da mídia estrangeira em Gaza agravam a situação.
Isso faz com que os jornalistas palestinos locais sejam os únicos profissionais de imprensa a testemunhar a morte e a destruição que estão ocorrendo – e relatar isso ao mundo.
Como resultado, quase todos os quase 200 jornalistas mortos desde 7 de outubro de 2023 são palestinos.
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Um processo de décadas em construção
Desde os primeiros dias da ocupação em 1967, Israel tentou manter um controle rígido sobre as reportagens da mídia, construindo uma arquitetura legal e militar que visava controlar e censurar o jornalismo palestino.
Em agosto de 1967, o exército emitiu a Ordem Militar 101, criminalizando as reuniões “políticas” e as publicações “propagandísticas” nos territórios ocupados.
No entanto, apesar de tais restrições, o jornalismo local persistiu e cresceu.
No início da década de 1980, os palestinos nos territórios ocupados estavam veiculando três diários, cinco publicações semanais e quatro revistas mensais. As publicações mais populares circulavam com até 15.000 cópias.
Mas todas as publicações palestinas estavam sujeitas à censura militar israelense.
Todas as noites, os editores eram forçados a enviar duas cópias de tudo o que planejavam imprimir aos censores israelenses. Isso incluía artigos, fotos, anúncios, boletins meteorológicos e até palavras cruzadas.
Qualquer coisa que o censor israelense considerasse “de importância política” tinha que ser removida antes da publicação.
Editores que violassem esses termos, ou que fossem acusados de pertencer a grupos políticos palestinos, poderiam ser detidos ou deportados.
Essas práticas ecoam até hoje, com Israel muitas vezes acusando os jornalistas assassinados por suas forças de segurança de serem agentes do Hamas.
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Regimes de censura
Opondo-se a essas e muitas outras restrições, os palestinos lançaram em dezembro de 1987 a primeira intifada, ou revolta, contra a ocupação israelense.
Durante o primeiro ano da revolta, as forças israelenses prenderam 47 jornalistas palestinos, baniram temporariamente oito jornais locais e regionais, revogaram permanentemente as licenças de duas revistas e fecharam quatro escritórios de serviço de imprensa.
Embora concebidas como uma demonstração de força, tais ações foram percebidas como evidência de que Israel tinha medo de que os palestinos relatassem suas próprias condições.
Muitas pessoas esperavam que os Acordos de Oslo – uma série de negociações entre Israel e a Organização de Libertação da Palestina, que foi lançada formalmente em 1993 – levassem a maiores liberdades de imprensa.
Mas não foi isso o que aconteceu. As autoridades israelenses continuaram a impor a censura militar sobre o que classificavam de “tópicos de segurança”.
Também revogaram as credenciais de imprensa de repórteres que não se alinhavam às suas determinações e agrediram e assediaram jornalistas que relatavam diretamente do local dos fatos.
Enquanto isso, a recém-criada Autoridade Palestina, estabelecida como parte do processo de Oslo para governar parcialmente os territórios palestinos por um período que se pretendia temporário, construiu um regime de censura próprio.
Ela também prendeu, suspendeu e fechou meios de comunicação que considerava muito críticos às suas ações.
Tiroteios e impunidade
Desde 2000, os ataques de Israel a jornalistas na Cisjordânia e na Faixa de Gaza se tornaram mais mortais.
As forças israelenses mataram o fotógrafo palestino Imad Abu Zahra em Jenin, na Cisjordânia, em 2002, o cineasta britânico James Miller, em Rafah, em 2003, e o cinegrafista da Reuters Fadel Shana, em Gaza, em 2008.
Desde 2008, à medida que as batalhas entre as forças israelenses e os grupos militantes palestinos se tornaram mais ferozes, os jornalistas trabalharam em condições ainda mais perigosas.
No entanto, mesmo durante manifestações desarmadas, os jornalistas enfrentaram a força mortal de Israel.
Em 2018, durante os protestos em massa desarmados em Gaza, conhecidos como a Grande Marcha do Retorno, as forças israelenses atiraram e mataram os jornalistas palestinos Yaser Murtaja e Ahmed Abu Hussein.
Ambos estavam usando coletes “PRESS” quando foram baleados. Além disso, pelo menos 115 jornalistas ficaram feridos enquanto cobriam os protestos, que duraram seis meses.
A força mortal não se limitou aos palestinos em Gaza. Em maio de 2022, a jornalista palestina-americana Shireen Abu Akleh foi morta no campo de refugiados de Jenin.
Uma das jornalistas mais famosas da época, sua morte atraiu centenas de milhares de enlutados. Durante o serviço fúnebre, a polícia israelense espancou os que carregavam seu caixão.
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Alvos militares legítimos?
O direito internacional humanitário deixa claro que os jornalistas são civis e, portanto, não podem ser alvos durante o combate.
A norma inclui os correspondentes de guerra, que cobrem os conflitos enquanto estão sob a proteção de um grupo armado.
Por sua vez, as autoridades israelenses argumentam que não têm como alvo jornalistas.
Dizem que seus ataques visam objetivos militares legítimos, muitas vezes afirmando que o Hamas se esconde em edifícios civis ou que alguns dos jornalistas mortos seriam militantes.
Mas tais alegações são frequentemente feitas sem evidências verificáveis de forma independente.
Israel alegou que Yaser Murtaja, o jornalista morto em Gaza em 2018, seria um militante do Hamas, mas não forneceu provas.
No caso de Shireen Abu Akleh, as autoridades israelenses inicialmente alegaram que ela teria sido morta por militantes palestinos.
No final, o governo israelense admitiu que havia uma “alta possibilidade” de que suas forças tivessem matado Abu Akleh. Mas alegou que o assassinato teria sido acidental e, portanto, não instauraria procedimentos para apontar os culpados.
Um documentário recente refuta essa alegação e identifica o soldado israelense que supostamente matou Abu Akleh intencionalmente.
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Cultura de impunidade
Mesmo antes dos ataques mortais a Israel liderados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, a imagem emergente era a da impunidade das forças israelenses que mataram jornalistas – por acidente ou deliberadamente.
Um relatório de maio de 2023 do Comitê de Proteção dos Jornalistas concluiu que Israel adotou um “padrão mortal” de força letal contra jornalistas, sem responsabilização dos perpetradores.
Desde outubro de 2023, os jornalistas em Gaza enfrentam condições ainda mais mortais.
Israel continua proibindo as agências internacionais de notícias de atuar dentro da Faixa de Gaza. Como resultado, os jornalistas palestinos locais são muitas vezes os únicos no terreno.
Além das condições mortais, eles enfrentam difamações israelenses contra seu trabalho e ameaças contra suas famílias.
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A ameaça dos ataques de repetição
Jornalistas palestinos muitas vezes correm para os locais dos bombardeios, quando outros fogem.
Como resultado, eles às vezes são mortos em ataques de repetição (double-tap strikes, no jargão militar), quando bombardeios e drones israelenses retornam a áreas recém-atingidas, matando os socorristas e os jornalistas que os acompanhavam para fazer a cobertura.
Tudo isso levou a um custo pessoal insuportável para aqueles que continuam a reportar o que acontece dentro de Gaza.
Em 25 de outubro de 2023, o chefe do escritório da Al Jazeera em Gaza, Wael al-Dahdouh, estava reportando ao vivo quando soube, durante a transmissão, que um ataque aéreo israelense havia matado sua esposa, dois filhos e o neto. Ele voltou ao ar no dia seguinte.
Mas as mortes não diminuíram.
O que fará a comunidade internacional sobre a morte dos jornalistas?
Em 10 de agosto de 2025, as forças israelenses mataram, na cidade de Gaza, Anas al-Sharif, outro correspondente proeminente da Al Jazeera que permanecera trabalhando em campo durante meses de bombardeio. Cinco de seus colegas jornalistas também foram mortos no mesmo ataque aéreo.
O ataque de 25 de agosto ao Hospital Nasser, mencionado no início deste texto, é apenas o mais recente neste padrão mortal.
Entre os cinco jornalistas mortos naquele ataque estavam freelancers locais que trabalhavam para a Reuters e a Associated Press – dois meios de comunicação internacionais impedidos por Israel de enviar diretamente seus jornalistas para documentar a guerra.
Apesar do perigo, as redações globais pediram repetidamente que Israel abrisse Gaza para a mídia independente internacional.
Uma coalizão de 27 países recentemente pressionou pelo acesso direto a Gaza. Israel continua a recusar esses pedidos.
O resultado é que os jornalistas palestinos continuam sendo as principais testemunhas do ataque implacável de Israel a Gaza.
E eles são mortos cada vez em maior número à medida que tentam cumprir essa tarefa.
A questão que permanece é se a comunidade internacional responsabilizará Israel por isso.
Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.
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