Em resumo
- Entidades de imprensa, juristas e parlamentares criticam decisão da Justiça argentina que proíbe divulgação de novos áudios atribuídos a Karina Milei.
- Governo alega que gravações resultam de espionagem ilegal, enquanto opositores acusam tentativa de silenciar denúncias de corrupção.
A proibição imposta pelo Judiciário argentino à veiculação de novos conteúdos gravados na Casa Rosada ampliou a tensão entre o governo Javier Milei e setores críticos em torno dos áudios vazados, que veem na medida um ataque à liberdade jornalística.
Entidades jornalísticas, juristas e setores da oposição reagiram com preocupação à medida cautelar emitida pela Justiça Federal argentina, que proíbe a divulgação de novos áudios vazados atribuídos a Karina Milei, irmã do presidente Javier Milei e atual secretária-geral da Presidência.
A decisão foi assinada no dia 1º de setembro pelo juiz federal Alejandro Patricio Maraniello, em resposta a uma solicitação do Ministério da Segurança, que alegou que os áudios foram obtidos por meio de uma “operação ilegal de espionagem” contra o governo.
Os arquivos teriam sido gravados sem autorização durante reuniões internas na Casa Rosada, e começaram a circular por meio do canal de streaming Carnaval, gerando forte repercussão política.
Canal independente provocou reação judicial
O Canal Carnaval — plataforma de mídia independente argentina — ganhou notoriedade por divulgar os áudios que envolvem figuras do governo.
Com forte presença em redes sociais e estilo informal, o canal é conhecido por sua linha editorial crítica ao governo Milei e por produzir conteúdo investigativo voltado à política e aos direitos humanos.
A divulgação dos áudios por Carnaval foi o gatilho direto para a medida judicial, que agora proíbe a publicação de qualquer novo material relacionado ao caso.
Áudios vazados revelam supostas irregularidades na ANDIS envolvendo Karina Milei
Nos áudios já vazados, Karina Milei e outros interlocutores discutem temas relacionados à Agência Nacional de Discapacidade (ANDIS), incluindo supostas negociações irregulares para aquisição de medicamentos e benefícios sociais.
Um dos nomes mencionados é o de Eduardo “Lule” Menem, primo do presidente da Câmara dos Deputados, Martín Menem, e figura próxima ao núcleo duro do governo.
Decisão judicial proíbe novos vazamentos
A medida judicial determina que nenhum novo conteúdo relacionado aos áudios pode ser publicado ou retransmitido, sob pena de sanções legais.
O governo solicitou ao Poder Judiciário atacou os jornalistas Ivy Cángaro, Mauro Federico e Jorge Rial, segundo a Federação Argentina de Trabalhadores da Imprensa (Fatpren), solicitando que seus locais de trabalho e suas casas particulares fossem invadidos.
O argumento é que a ação visa proteger a segurança institucional e impedir a disseminação de material obtido de forma ilícita.
Entidades denunciam censura e violação de direitos
No entanto, a decisão provocou forte reação de entidades como a ADEPA (Associação de Entidades Jornalísticas da Argentina), que classificou a medida como censura prévia, alertando para o risco de violação da liberdade de imprensa e do direito ao sigilo das fontes jornalísticas.
Em comunicado, a Fatren disse:
“Expressamos nosso enérgico repúdio ao pedido feito pela Ministra da Segurança, Patricia Bullrich, ao Poder Judiciário para invadir as casas dos jornalistas Mauro Federico e Jorge Rial, bem como a medida cautelar que proíbe a difusão de áudios envolvendo funcionários do governo, o que constitui um profundo ataque à liberdade de imprensa e ao direito à informação dos cidadãos”
Essas ações repressivas contra jornalistas, que se somam à repressão contra fotojornalistas e setoristas que cobrem o Congresso e aos ataques digitais contra comunicadores com o claro objetivo de ‘disciplinar’ a imprensa, nos levam a exigir o respeito às leis que protegem a atividade jornalística e garantem que os cidadãos permaneçam informados”.
O constitucionalista Daniel Sabsay afirmou na mídia argentina que a decisão “fere frontalmente o artigo 14 da Constituição Argentina e tratados internacionais de direitos humanos”.
Já o jurista Cristián Cao alertou que se trata de um “precedente gravíssimo” e que a medida ignora princípios básicos do direito à informação.
Oposição acusa governo de tentar blindar Karina Milei
Setores da oposição também se manifestaram. Deputados da Unión por la Patria e da Coalición Cívica acusaram o governo de tentar blindar Karina Milei e silenciar denúncias públicas.
Parlamentares exigem que o conteúdo dos áudios seja investigado pelo Ministério Público, e não encoberto por decisões judiciais.
Figura-chave do governo permanece em silêncio
Karina Milei, conhecida por sua atuação estratégica e influência direta sobre o presidente, não se pronunciou publicamente sobre o conteúdo dos áudios nem sobre a medida judicial.
Ela tem sido uma das figuras mais próximas de Javier Milei desde a campanha presidencial, e é responsável por coordenar articulações políticas e decisões administrativas de alto nível.
Liberdade de expressão em xeque na Argentina
A controvérsia reacende o debate sobre os limites entre segurança institucional e liberdade de expressão, em um momento em que o governo enfrenta críticas por outras ações consideradas restritivas à imprensa, como o fechamento da agência estatal Télam, a suspensão de contas da Televisión Pública e o desmonte da Defensoría del Público.
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