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Jornalismo

Quase 8 em cada 10 pessoas definem o que é notícia com base em crenças pessoais, revela estudo

Estátua homem lendo jornal

Foto: Eberhard Grossgasteiger / Unsplash




Uma pesquisa do Pew Research Center revelou que para 78% dos entrevistados, a percepção sobre o que é notícia passa atualmente por seus filtros subjetivos como posições políticas, crenças pessoais e valores individuais, confirmando a influência da polarização.

O estudo ouviu tanto o público quanto jornalistas e editores, e revela como o comportamento da audiência tem influenciado não apenas o consumo, mas também a forma como as redações decidem o que publicar e como apresentar as notícias.

O levantamento, intitulado “Americans See What Makes a News Story as Subjective, Politically Framed”, foi baseado na percepção de entrevistados nos Estados Unidos, mas suas conclusões ajudam a compreender fenômenos que também afetam países como o Brasil, marcados por polarização, desconfiança na imprensa e disputas em torno da ciência, da política e do meio ambiente.

O relatório foi publicado pelo Pew Research Center em maio de 2025 e usou três abordagens: pesquisa com 9.482 adultos, grupos focais com 57 pessoas e entrevistas com 13 jornalistas e editores de veículos com diferentes linhas editoriais

Notícias, polarização e bolhas de filtro

Um dos participantes da fase de discussão em grupos focais disse:

“Se for algo que não se alinha com meus valores, eu vou pensar: isso não é notícia. Isso é propaganda.”

A frase revela como a informação é cada vez mais filtrada por convicções pessoais, favorecendo a formação de bolhas informativas.

Isso leva as pessoas a priorizarem  conteúdos que confirmam o que já acreditam — e se tornam menos abertas a visões divergentes, essenciais para um julgamento mais amplo da realidade.

Critérios clássicos: o que sempre definiu uma notícia

Em geral, o jornalismo profissional define como notícia aquilo que é recente, tem impacto social, envolve figuras públicas, está geograficamente ou culturalmente próximo do público, apresenta algum tipo de conflito, é inédito ou curioso, ou ainda desperta empatia — o que se convencionou chamar de “interesse humano”. E

sses parâmetros vêm sendo discutidos desde os anos 1960, com contribuições como as dos acadêmicos Galtung e Ruge, e seguem como referência em redações e escolas de jornalismo até hoje.

Mudança na percepção sobre o que é notícia

A pesquisa sobre notícias e polarização mostra que essa definição tradicional já não é consensual entre o público. Para 78% dos entrevistados, o que é notícia depende do ponto de vista pessoal. Apenas 21% acreditam que deveria haver um padrão mais objetivo.

Essa percepção subjetiva afeta a relação com a imprensa e também com os temas abordados. Ela se manifesta tanto em tópicos políticos quanto em conteúdos sobre ciência, saúde e meio ambiente. O recorte partidário é marcante: apenas 13% dos republicanos entrevistados defendem uma definição objetiva de notícia, contra 30% entre os democratas.

Afinidade ideológica influencia o consumo de informação

A pesquisa também revelou que 55% dos entrevistados consideram importante que suas fontes de informação compartilhem suas opiniões políticas. Essa afinidade ideológica molda a confiança e a escolha dos veículos de mídia.

O resultado é uma segmentação crescente do consumo informativo: diferentes grupos sociais e políticos não apenas interpretam as notícias de formas distintas, mas partem de definições diferentes sobre o que merece ser noticiado. Como disse um participante dos grupos focais: “Eu costumo confiar em fontes que compartilham dos meus valores. Isso me faz sentir mais seguro sobre o que estou lendo.”

Palavras e formatos que dividem o público

Nos grupos focais conduzidos pelo Pew, participantes relataram incômodo com termos como “negacionismo climático” ou “teoria da conspiração”. Segundo eles, esse tipo de linguagem seria indício de parcialidade, mesmo quando os fatos são checados. “Muitas vezes você já sabe o que a notícia vai dizer só de ver o título”, comentou um dos entrevistados.

Jornalistas relatam pressão para adaptar a linguagem editorial

Além de ouvir o público, a pesquisa também entrevistou 13 jornalistas e editores de veículos com diferentes linhas editoriais. Muitos relataram que precisam adaptar a forma como apresentam as notícias para não afastar parte da audiência. Isso inclui desde a escolha de manchetes até o vocabulário empregado em temas sensíveis.

“Estamos constantemente revisando o vocabulário para não perder parte do público”, disse um editor ouvido no estudo. Outro jornalista relatou que “as pessoas interpretam nossa cobertura como política, mesmo quando tratamos de ciência, porque esses temas se tornaram politizados”.

Esses relatos reforçam que o comportamento do público — hoje mais segmentado, desconfiado e sensível à linguagem — já influencia as decisões editoriais dentro das redações.

A tentativa de preservar a credibilidade diante de um ambiente polarizado leva muitos profissionais a reavaliar como, o que e quando publicar.

Gráfico: como o público vê a definição de notícia

A seguir, uma ilustração visual do dado central da pesquisa sobre notícias e polarização:

Gráfico vertical em tom vinho: A maioria dos americanos acredita que a definição de notícia depende do ponto de vista.
Fonte: Pew Research Center, 2025. Tradução e adaptação editorial.

Trump, confiança e a crise da objetividade

Embora o relatório evite nomes próprios, o contexto político recente nos Estados Unidos é inevitável. Donald Trump, que atacou sistematicamente a imprensa durante seus mandatos, popularizou a ideia de que “notícia verdadeira” é aquela que favorece sua narrativa.

Essa visão, absorvida por parte da população, contribuiu para a desconfiança nas redações e o reforço de bolhas ideológicas — um comportamento também observado em outras democracias.

Um fenômeno global

Apesar de os dados serem americanos, a pesquisa sobre notícias e polarização revela padrões que se repetem em países como o Brasil: crescente desconfiança na mídia, radicalização política e consumo de informação filtrado por crenças e valores pessoais.

A transformação na forma como o público define o que é notícia desafia o jornalismo profissional — que, por sua natureza, se baseia na seleção de fatos socialmente relevantes, e não em afinidade ideológica.00

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