A volta de Jimmy Kimmel ao palco do talk show “Jimmy Kimmel Live!”na noite de terça-feira (23) após uma suspensão de seis dias imposta pela rede ABC, foi marcada por um monólogo comovente, críticas à censura e uma defesa enfática da liberdade de expressão nos Estados Unidos.
Recebido com aplausos da platéia de pé, Kimmel abriu o programa visivelmente emocionado.
Com a voz embargada, ele agradeceu aos outros apresentadores de talk show que se manifestaram a favor dele, e abordou diretamente a polêmica que levou à suspensão — seus comentários sobre o assassinato do ativista conservador Charlie Kirk.
“Não tenho ilusões de mudar a opinião de ninguém, mas quero deixar algo claro, porque é importante para mim como ser humano: nunca foi minha intenção fazer pouco caso do assassinato de um jovem. Não acho que haja nada de engraçado nisso.”
O vídeo mostra o monólogo completo, com direito a uma participação especial do ator Robert De Niro representando Brendon Carr, o poderoso diretor da FCC (Comissão Federal de Comunicações), órgão regulador cujas ameaças veladas teriam levado a Disney, dona da ABC, a suspender o programa.
View this post on Instagram
Kimmel também negou ter culpado qualquer grupo político pelo crime, afirmando:
“Nem foi minha intenção culpar um grupo específico pelas ações de um indivíduo que, obviamente, estava profundamente perturbado. Isso era o oposto do que eu estava tentando dizer.”
Kimmel reconheceu que suas palavras podem ter sido mal interpretadas:
“Compreendo que, para alguns, isso tenha sido inoportuno ou pouco claro — ou talvez as duas coisas.”
Além de se explicar, o apresentador fez duras críticas à tentativa de censura por parte de autoridades e afiliadas da emissora, muitas se recusando a exibir o talk show de novo.
“Isso não é legal. Isso não é americano. É antiamericano.”
Ele agradeceu o apoio recebido de colegas e até de opositores políticos, como o senador republicano Ted Cruz:
“Acima de tudo, quero agradecer às pessoas que não apoiam o meu programa ou aquilo em que acredito, mas que apoiam o meu direito de partilhar essas crenças de qualquer forma.”
O apresentador exibiu ainda trechos de Donald Trump falando sobre liberdade de expressão e comentou sobre as pressões recentes contra a mídia, como restrições impostas pelo Pentágono para reportagens sobre temas não autorizados pelo órgão.
Ele se emocionou novamente ao falar sobre o perdão da viúva de Charlie Kirk, Erika, ressaltando que este é o exemplo cristão a ser seguido.
Mas lamentou que o programa não estava sendo exibido em vários locais, incluindo a capital americana, Washington, já que retransmissoras da ABC se recusaram a retomar o show.
Robert De Niro em performance sobre censura
A seguir, o talk show continuou dedicado à controvérsia, de forma bem-humorada. Jimmy Kimmel chamou uma entrevista com o diretor da FCC, Brendan Carr.
Mas quem apareceu na tela dividida foi o ator Robert De Niro, em uma performance hilária, em que chega a falar palavras em italiano em alusão ao comentário sobre máfia feito pelo senador Ted Cruz sobre a censura ao programa.
Ele se apresenta como o novo diretor do órgão, nomeado por “Sir Trump”, mas se recusa a dizer seu nome.
Assumindo o papel de um suposto novo presidente da FCC, seu personagem com pose de durão ficou ofendido quando Kimmel sugeriu que ele estava usando “táticas da máfia” para suprimir a liberdade de expressão. O segmento foi reproduzido em redes sociais e pela imprensa.
Neste trecho, ele diz que o discurso não é mais livre, tem um preço, mas se for para falar bem do presidente Trump, é de graça.
Kimmel talks to new FCC chairman Robert De Niro: “Speech… it ain’t free no more… If you wanna say something nice about the president’s thick, yellow hair, or that he can do his makeup better than any broad? That’s free. But if you wanna do a joke like, he’s so fat he needs… pic.twitter.com/V6L6SS3Srj
— Marlow Stern (@MarlowNYC) September 24, 2025
“Que * você acabou de me dizer?”, disse ele, lembrando seu papel como gângster em Os Bons Companheiros. Quando Kimmel sugeriu que ele poderia ser multado pela FCC, De Niro respondeu: “Eu sou a FCC”, ao que a platéia explodiu em gargalhadas.
O esquete continuou com De Niro apresentando um novo e sinistro lema para a FCC: “Paus e pedras podem quebrar seus ossos”.
Quando Kimmel tentou terminar o provérbio com “…mas palavras nunca podem te machucar”, De Niro o corrigiu:
“Bem, agora elas podem te machucar. Vamos nos certificar de que você escolha as palavras certas. Capisce?”
O “novo diretor” do órgão se despede após um suposto telefonema de Donald Trump, e ameaça: “estarei te assistindo”.
Pressão de Hollywood pela volta de Kimmel
Uma carta aberta assinada por mais de 400 estrelas e profissionais de Hollywood, incluindo nomes como Ben Affleck, Jennifer Aniston, Robert De Niro, Tom Hanks, Ben Stiller e Meryl Streep, pode ter sido a gota d’água para a Disney revogar a suspensão do talk show Jimmy Kimmel Live!.
A decisão encerra uma suspensão controversa, motivada por comentários do apresentador sobre o assassinato do ativista Charlie Kirk e a reação de Donald Trump e dos conservadores – mas as tensões continuaram.
Os grupos Sinclair Broadcast e Nexstar Media, que controlam dezenas de emissoras locais afiliadas à ABC nos EUA, decidiram desafiar a Disney e preencheram o horário com jornalismo local, o que foi abordado pelo apresentador em sua volta.
Mas o motivo pode não ser só ideológico. Os dois grupos dependem da FCC (Comissão Federal de Comunicações) para concretizar negócios em curso que envolvem expansão de operações digitais, aquisição de novas licenças de transmissão, fusões e aquisições.
Quem não gostou da volta foi Donald Trump, que havia comemorado a suspensão do programa.
Em um post em sua rede Truth Social, ele escreveu:
“Não acredito que a ABC Fake News tenha devolvido o emprego a Jimmy Kimmel. Por que eles iriam querer de volta alguém que se porta tão mal, que não sabe fazer piada e que coloca a rede em risco ao apresentar 99% de lixo democrata como positivo?”
Ele ainda insinuou que o programa poderia configurar uma “contribuição ilegal de campanha” ao Partido Democrata.
Por que a Disney suspendeu o talk show
Na edição do dia 15 de setembro do Jimmy Kimmel Live!, um dos mais populares talk shows políticos do país, Kimmel criticou a reação da direita ao assassinato do ativista conservador ligado ao movimento MAGA (Make America Great Again), liderado pelo presidente Trump, que a seu ver tentou capitalizar a morte politicamente.
Ele criticou ainda a forma como Trump lamentou a morte de Kirk, sugerindo que não foi a reação de uma adulto perdendo um amigo.
Supostamente por pressão dos grupos de emissoras afiliadas, a Disney anunciou dois dias depois a suspensão do programa por tempo indeterminado, o que foi comemorado por Donald Trump em uma postagem na rede Truth Social.
“Parabéns à ABC por ter finalmente a coragem de fazer o que tinha de ser feito.”
Reações de estrelas de Hollywood e de colegas de Kimmel
As reações negativas foram imediatas. No dia seguinte, os principais apresentadores de talk-shows, incluindo Stephen Colbert, cujo programa foi cancelado e sairá do ar para sempre em fevereiro, abordaram a censura a Kimmel com ironia e indignação.
A onda de inconformismo foi crescendo, até entre expoentes do partido Conservador, como o senador Ted Cruz. Ele disse que a ameaça de Carr contra a rede ABC era ‘perigosa’ e sugeriu ser um ato semelhante ao de um grupo mafioso.
Mas o fator decisivo para a Disney parece ter sido a carta das estrelas de Hollywood.
A carta, organizada pela União Americana de Liberdades Civis, afirma que a suspensão do programa de Kimmel na ABC marca “um momento sombrio para a liberdade de expressão em nossa nação”.
O texto acusa a empresa de “ceder à intimidação política” e alerta para o risco de censura corporativa.
“Em uma tentativa de silenciar seus críticos, nosso governo decidiu ameaçar os meios de subsistência de jornalistas, apresentadores de talk shows, artistas, criativos e artistas.
Isso vai contra os valores sobre os quais nossa nação foi construída e nossas garantias da Constituição.”
Sindicatos como SAG-AFTRA e WGA também se posicionaram, exigindo a volta imediata do programa.
Donald Trump não respondeu a perguntas de jornalistas sobre o retorno de Kimmel, nem comentou a decisão da Disney em sua rede social, onde costuma se manifestar sobre questões públicas.
Antes de Kimmel, talk show de Colbert também foi cancelado
Kimmel é o segundo apresentador de talk-show “cancelado” nos EUA nos últimos dois meses.
Em julho, o The Late Show with Stephen Colbert, na CBS também saiu do ar, só que para sempre, após críticas do apresentador ao acordo firmado pela Paramount Global, empresa-mãe da CBS, com Donald Trump para encerrar uma ação judicial bilionária.
A rede pagou US$ 16 milhões ao presidente e dessa forma colocou fim ao processo acusando a CBS de ter editado uma entrevista com Kamala Harris para favorecer a então candidata democrata.
Colbert, conhecido por suas críticas mordazes a Trump, chamou o acordo de “suborno”. Três dias depois, a CBS anunciou o fim do programa, alegando “reestruturação financeira”.
A temperatura subiu ainda mais após o assassinato de Charlie Kirk, que desencadeou uma “caça às bruxas” para silenciar ou punir opiniões sobre caso que desafiem a narrativa de Donald Trump e do movimento MAGA, colocando-o como vítima de uma suposta violência da esquerda.
Acadêmicos compararam este momento ao do macarthismo, uma era sombria da história de liberdade de expressão dos EUA. Na década de 50, sob a liderança do senador Joseph McCarthy, celebridades e artistas foram perseguidos por serem apontados como simpatizantes do comunismo e adversários do governo.
Leia também | ‘Caça às bruxas’, listas negras e mais: como Trump está ressuscitando o macarthismo nos EUA