O retorno do talk show de Jimmy Kimmel, na terça-feira (23), e a rejeição do processo bilionário movido por Donald Trump contra o New York Times, na semana passada, poderiam ser vistos como boas notícias para a liberdade de imprensa, afastando o risco de censura real ou autocensura por medo de represálias do Estado.
Mas quando se considera que são desdobramentos de tentativas de silenciar um jornal respeitado e um apresentador que criticou o presidente da República nos EUA — país historicamente associado à liberdade de imprensa e de expressão, onde poucos imaginavam que isso poderia acontecer —, o alívio se desfaz.
As pequenas vitórias são meras gotas d’água no oceano de ameaças que vão de ataques verbais sistemáticos, comprometendo ainda mais a confiança do público no jornalismo, a demissões, punições ou represálias regulatórias contra empresas jornalísticas.
E as últimas podem ser mais eficientes para silenciar vozes críticas do que gritos e provocações — a cartilha seguida por Trump em seu primeiro mandato, quando tuitou duas vezes e meia por dia contra a imprensa. O armamento ficou mais pesado.
Essa rota é tão absurda que até Ted Cruz, referência conservadora, comparou as ameaças de usar a mão pesada da FCC (Federal Communications Commission) para amedrontar a mídia a práticas da máfia, como no filme Goodfellas.
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Hollywood se ergue contra censura da era Trump
Kimmel voltou ao ar, mas só após um manifesto gigante de estrelas de Hollywood, que deve ter assustado a Disney, dona da ABC. Ainda assim, grupos que retransmitem a rede se recusaram a exibir o programa, demonstrando ser apenas uma vitória parcial.
Enquanto isso, o Pentágono passou a exigir que jornalistas credenciados assinem um termo que os impede de divulgar certas informações — mesmo que não sigilosas.
Isso aconteceu na mesma cidade onde denúncias da imprensa derrubaram um presidente, no caso Watergate, e ninguém foi cancelado. Ao contrário, os que denunciaram más práticas viraram heróis nacionais.
Olhando pelas lentes da história, três acadêmicos das universidades de Quensland e Sunshine Coast fizeram um diagnóstico preocupante em um artigo para o portal The Conversation.
Para eles, os EUA vivem um retorno do macarthismo, uma era marcada por perseguições, delações e cancelamentos. Mas agora é uma inquisição moderna, nas “praças digitais”, com alcance inimaginável na época do senador Joseph McCarthy. E resultados imprevisíveis.
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