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Jimmy Kimmel voltou ao ar, mas até quando talk shows de sátira política resistirão a pressões e guerras culturais?

Jimmy Kimmel apresentador de talk show no palco do programa

Jimmy Kimmel voltou ao ar na ABC / Disney depois de suspenso por comentários sobre morte de Charlie Kirk (reprodução YouTube)

A decisão da Disney de trazer de volta o talk show Jimmy Kimmel Live! à grade da ABC após protestos e ameaças de boicote foi um alívio para defensores da liberdade de expressão, mas esses programas se tornam cada vez mais problemáticos para as emissoras devido a riscos políticos em ambientes polarizados.

Defensores da liberdade de expressão respiraram aliviados quando a The Walt Disney Company trouxe o programa Jimmy Kimmel Live! de volta ar em sua emissora norte-americana ABC, no dia 23 de setembro.

A Disney afirmou ter tomado a decisão pelos “motivos certos” – mas também foi pressionada por relatos de que criadores e, talvez mais importante, consumidores abandonariam a empresa em massa se o apresentador não voltasse.

Como sempre, as considerações econômicas pesaram tanto quanto as políticas – se não mais.

No curto prazo, a mudança de posição da Disney foi recompensada. O retorno de Kimmel gerou um aumento de audiência de aproximadamente três vezes – apesar de 70 afiliadas da ABC, controladas pelos grupos Sinclair e Nexstar, terem inicialmente se recusado a exibir o programa.

Ainda que os números se refiram a uma edição do show impulsionada por grande cobertura da mídia, o resultado contrasta com a tendência de queda da sátira política noturna da TV aberta norte-americana.

Talk show de Stephen Colbert sairá do ar

O declínio da receita publicitária foi o motivo declarado pela CBS para não renovar o contrato de Stephen Colbert como apresentador do Late Show, que expira em junho de 2026.

Mas Colbert é crítico de longa data de Donald Trump.

E o cancelamento, anunciado em agosto, ocorreu simultaneamente  à conclusão da fusão entre a Paramount, dona da CBS, e a Skydance Media, que exigia aprovação da Comissão Federal de Comunicações (FCC) do governo Trump.

O futuro da sátira política na TV

Analisando os talk shows  sátira política no Reino Unido, argumentamos que o cancelamento de programas da BBC como Mock the Week, The Mash Report e Frankie Boyle’s New World Order foi motivado pelo desejo da emissora pública de neutralizar acusações de ser excessivamente progressista ou “woke” [politicamente correta, com sentido pejorativo] aos olhos da imprensa conservadora e do então governo conservador.

Embora essa pressão continue existindo, esses programas também se mostraram pouco adaptados a um ecossistema dominado pelo streaming, no qual o momento da transmissão perde rapidamente importância.

A conexão da sátira política com tempo e espaço específicos dificulta sua capacidade de se manter relevante para públicos acostumados a maratona programas e a consumo sob demanda.

Assim, embora o retorno de Jimmy Kimmel Live! à ABC seja uma boa notícia para quem teme a escalada autoritária nos EUA, outros fatores também pesaram nessa decisão.

Por que a Disney trouxe Kimmel de volta à ABC

Por ora, a Disney não pode se dar ao luxo de ofender a comunidade criativa que produz conteúdos valiosos para áreas mais lucrativas do negócio, de Walt Disney Studios e Marvel a Star Wars.

Tampouco pode alienar consumidores que assinam o Disney+ ou visitam seus parques temáticos todos os anos. Muitos integrantes desses grupos não são fãs de Donald Trump nem de seu movimento MAGA (Make America Great Again).

No médio e longo prazo, no entanto, a empresa pode questionar se vale a pena investir em apresentadores de programas noturnos de sátira política, caso isso prejudique setores mais estratégicos.

Por exemplo, dificilmente sacrificaria sua capacidade de obter aprovação da FCC para aquisições futuras – como os direitos de transmitir esportes ao vivo pela ESPN – em troca de críticas satíricas ao governo Trump.

A liberdade de expressão floresce online

Sintomaticamente, o monólogo de abertura de Kimmel em seu retorno bateu recordes no YouTube, com mais de 15 milhões de visualizações em apenas 16 horas.

Ainda existe um público expressivo para a sátira política, ainda que fora da TV linear tradicional. Independentemente das decisões futuras da Disney sobre Jimmy Kimmel Live! ou sobre a ABC (que não está à venda atualmente), essa tendência deve continuar.

Na era de polarização política e fragmentação cultural, a comédia política parece cada vez mais adequada ao ambiente digital.

Plataformas online ainda representam um espaço relativamente livre da supervisão da FCC de Trump, onde comentaristas e criadores podem “dizer o indizível” sem grandes restrições em redes sociais e no YouTube.

Apesar das alegações da direita, a liberdade de expressão continua viva – para o bem ou para o mal – no ambiente online.

Os algoritmos de recomendação ajudam a encontrar conteúdos de acordo com qualquer orientação política.

Disney longe de guerras culturais

A The Walt Disney Company não quer travar uma guerra cultural.

Nos primeiros meses do segundo mandato de Trump, a empresa buscou evitá-la – desde o acordo de US$15 milhões (R$84,1 milhões) para encerrar um processo de difamação contra o âncora George Stephanopoulos e a ABC, em dezembro de 2024, até remover temas queer e ambientalistas do filme da Pixar lançado em 2025, Elio.

Apesar de ter avançado em diversidade e inclusão nos últimos anos, a Disney respondeu à guinada conservadora nos EUA concluindo que política é ruim para os negócios.

Portanto, embora seja encorajador que a empresa tenha apoiado a liberdade de expressão e valores liberais contra o autoritarismo de direita neste caso, seria ingênuo imaginar que isso sinalize uma mudança profunda de postura.

Como escreveu o ex-CEO Michael Eisner em um memorando interno em 1981:

“Não temos obrigação de fazer história. Não temos obrigação de fazer arte. Não temos obrigação de emitir um posicionamento. Ganhar dinheiro é nosso único objetivo.”

O futuro da sátira política na TV aberta será definido por essa realidade dura e pragmática.

Ainda que Kimmel e seus fãs tenham vencido esta batalha, a guerra maior pode já estar perdida.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.

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