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Como Tilly Norwood, uma ‘atriz’ criada por IA, alarmou Hollywood nesta semana: será o futuro da indústria criativa?

Tilly Norwood atriz feita com IA

Tilly Norwood atriz feita com IA (foto: divulgação)

Criação digital Tilly Norwood provoca debate no mundo do cinema sobre o papel da inteligência artificial e a essência humana na atuação.

Tilly Norwood é a atriz mais badalada de Hollywood no momento. Sua carreira já foi destacada por publicações como a Variety, a BBC e a Forbes, entre outras.

É o tipo de exposição que qualquer jovem atriz em início de carreira sonharia ter. Mas Tilly não sonha — e nem atua, no sentido estrito da palavra.

Isso porque Tilly é uma atriz criada por inteligência artificial, desenvolvida pela Particle6 Studios, uma produtora britânica especializada em filmes com tecnologia de IA.

Atores digitais não são novidade

Houve, é claro, outros “atores” de IA antes dela. Carrie Fisher foi ressuscitada digitalmente em Star Wars: The Rise of Skywalker, em 2019.

James Cameron usou figurantes digitais para compor o cenário de Titanic, em 1997. Mas até agora nenhuma criação havia alcançado a repercussão midiática de Tilly.

Parte desse sucesso se deve à sua criadora, Eline Van Der Velden, e à equipe da Particle6, que lançaram Tilly como uma persona — uma figura programada para interpretar e emocionar.

Arte ou engenharia?

Como explicou Van Der Velden ao site Screen Daily:

“[Tilly é] um ato de imaginação e de artesanato, não muito diferente de desenhar um personagem, escrever um papel ou moldar uma performance.”

Há, sem dúvida, técnica envolvida em sua criação.

Mas também existe uma zona cinzenta — onde o código se apoia em vozes, traços e talentos de pessoas reais, fundidos digitalmente e embalados em uma estética de comédia leve o bastante para atenuar críticas.

Reação do mundo real

Trabalho com atores sempre foi uma das experiências mais gratificantes da minha carreira.

Na Guildford School of Acting, onde leciono, acreditamos que a arte da interpretação nasce da combinação entre técnica, empatia, colaboração e, acima de tudo, uma busca genuína por compreender o que significa ser humano.

A história de Tilly despertou reações intensas entre meus alunos: horror, medo e — talvez o mais inquietante — resignação. Uma sensação de que esse pode ser realmente o caminho que a indústria criativa está trilhando.

As estrelas consagradas reagiram de imediato. Ao saber que agentes já estavam tentando representar a “atriz”, Emily Blunt desabafou:

“Meu Deus, estamos perdidos. Isso é realmente assustador. Vamos lá, agências, não façam isso. Por favor, parem de tirar de nós a conexão humana.”

O que faz de um ator um ser humano

Essa conexão humana é o ponto central. O teatrólogo russo Konstantin Stanislavski, que sempre defendeu que o ator deve buscar a verdade interior e a humanidade em cada papel, resumiu bem a questão.

Em seu livro An Actor Prepares (1936), escreveu:

“Quebrar a regra de usar seus próprios sentimentos equivale a matar a pessoa que você está retratando, porque você a priva de uma alma humana viva e palpitante — a verdadeira fonte de vida de um personagem.”

Imagem usada para divulgar Tilly Norwood. (Foto: Particle6 Production)

O perigo da perfeição programada

Em uma entrevista recente ao podcast de Jay Shetty, a atriz Emma Watson refletiu sobre como a “estrela de cinema” que ela mesma criou se tornou quase um avatar mental.

Ela falou sobre sua trajetória desde os filmes de Harry Potter, a hipersexualização a que foi submetida e o escrutínio constante sobre suas palavras e atitudes.

Para produtores, diretores e estúdios, uma figura dócil e totalmente controlável como Tilly é um sonho: uma atriz que dispensa coordenadores de intimidade, não se desvia do roteiro nas redes sociais — ou talvez, mais perturbador ainda, possa fazê-lo sob comando.

Embora o feito tecnológico seja notável, a escolha de criar uma “atriz” jovem, magra e de aparência etérea levanta questionamentos importantes.

Atores reais, dilemas reais

Em um mundo em que as relações de poder e os abusos estão finalmente sendo denunciados pelo movimento #MeToo, não surpreende que surja Tilly Norwood — uma “atriz” codificada, moldada e controlável.

Ela se parece com uma pessoa, mas em sua essência falta muito para isso, e sempre faltará.

Porque o que faz de um ator um verdadeiro intérprete é algo que nenhuma máquina pode reproduzir: a humanidade.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.

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