Em resumo
- Marilù Mastrogiovanni é acusada de calúnia por um ex-prefeito por conta de uma série de reportagens sobre a máfia.
- Organizações de imprensa criticam perseguição judicial à jornalista investigativa
As matérias que levaram a processo de calúnia contra a jornalista na Itália expuseram ligações de um chefe da máfia na região da Puglia e o poder público, garantindo prestígio social e facilitando contratos de serviços como coleta de lixo.
A jornalista investigativa italiana Marilù Mastrogiovanni pode ser condenada por calúnia devido a reportagens denunciando a infiltração da Máfia em contratos públicos na região da Puglia e ligações de chefes do crime organizado com setores da administração municipal.
A última audiência dos dois processos a que ela responde, um deles movido pelo então prefeito de Salento, foi realizada essa semana na corte de justiça de Lecce, e o resultado será anunciado em 5 de novembro.
O caso é considerado por organizações de liberdade de imprensa como perseguição política ao trabalho da jornalista usando processos judiciais para ameaçar e intimidar. Mas ela não se dobrou e ganhou fama dentro e fora do país como uma das mulheres lutando contra o poder da máfia.
Em um post no Facebook no dia do julgamento, ela disse:
“Estou aqui não só para defender o meu trabalho, mas pelos meus direitos de liberdade de imprensa, de expressão e de acesso à informação. Recuar nunca. Porque quando um avança, todos avançam.”
Jornalista italiana escreveu sobre a máfia
Marilù é fundadora e editora do jornal ‘Il Tacco d’Italia’, e investigou as ligações entre o crime organizado, a política e empresas privadas que prestam serviços ao poder público na região.
O caso que deu início aos processos aconteceu em 2016, quando ela publicou uma série de reportagens sobre o assassinato de um chefão da máfia, Augustino Potenza.
A jornalista refez a trajetória de Potenza, expondo demonstrando o amplo consenso social e político de que ele desfrutava.
Segundo a Federação Nacional de Imprensa Italiana (FNSI, na sigla original), após as matérias o então prefeito de Salento, Gianni Stefàno (do partido Fratelli Italia, mesmo da primeira-ministra Giorgia Meloni) iniciou uma campanha feroz contra a jornalista em redes sociais, na mídia e até mesmo com cartazes nas ruas.
Na sequência, ele a processou por suposta difamação, com o apoio da Câmara Municipal.
Por conta de seu trabalho e da incitação do político, a jornalista recebe ameaças frequentes. Para proteger sua família, ela teve que mudar de cidade e vive sob proteção policial desde 2017.
Segundo a FNSI, Marilù precisa provar que os procedimentos de proteção foram de fato ativados, o que a entidade classificou como “paradoxo”.
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Organizações criticaram ação e denunciaram SLAPP
Organizações de imprensa expressaram apoio à jornalista. A Federação afirmou estar “confiante que ela vai conseguir demonstrar a qualidade do seu trabalho e sua boa-fé”.
A federação também denunciou a perseguição a jornalistas. Eles enquadraram este caso como um SLAPP, que na sigla em inglês significa ação judicial estratégica contra a participação pública (strategic lawsuit against public participation).
SLAPP acontece quando figuras de autoridade usam seu poder de influência e seu dinheiro para intimidar quem os critica por meio de processos judiciais.
Nestes casos, especialistas dizem que o sistema de justiça é usado como arma contra a democracia.
“É hora de conter o fenômeno dos SLAPPs porque, como relatado por todos os observadores internacionais e pela UE, eles representam uma ameaça genuína à democracia e à participação democrática.”
O secretário geral da Federação Internacional de Jornalistas (IFJ), Anthony Bellanger, condenou firmemente as tentativas de interferir no trabalho investigativo de jornalistas.
“Esta é uma tentativa clara de intimidar profissionais da mídia e dissuadi-los de documentar realidades incômodas. Apoiamos totalmente Marilù Mastrogiovanni.”
Documentário destacou luta da jornalista contra a máfia
O movimento contra a jornalista não serviu para silenciá-la.
Em maio deste ano, ela foi uma das mulheres destacadas em um documentário da rede pública francesa France24 sobre mulheres de região sul da Puglia que assumiram riscos para denunciar atos do grupo criminoso conhecido como Sacra Corona Unita, ou “quarta máfia”.
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