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Não é só tempo de tela: veja como horário e tipo de uso das redes podem afetar bem-estar emocional

por Daniel Joinson | Pós-graduando em engenharia e matemática, Universidade de Bristol

Mulher jovem deitada na cama sob cobertor usando smartphone

Foto: Annie Spratt/Unsplash



Mais do que o tempo de tela, o que realmente importa é o que fazemos — e quando fazemos. Um estudo da Universidade de Bristol revela que o uso das redes sociais durante a madrugada está associado a pior saúde mental e pode orientar novas políticas sobre o tema.


Será que os problemas causados pelas redes sociais decorrem apenas da quantidade de tempo em que passamos nelas, ou também são influenciados pela hora do dia em que fazemos isso?

Um novo estudo sugere que rolar o feed e postar durante a madrugada pode ser um sinal de alerta para efeitos  negativos das redes sobre o bem-estar mental — com efeitos tão significativos quanto o consumo excessivo de álcool.

Para o estudo, publicado na revista Scientific Reports, analisamos os hábitos no Twitter (agora X) de 310 adultos e descobrimos que aqueles que postavam regularmente entre 23h e 5h apresentavam níveis de bem-estar mental significativamente piores do que os usuários diurnos.

Tempo nas redes é alvo de políticas públicas no mundo

A conclusão coloca em pauta a obsessão atual das políticas públicas focadas em limites de tempo de tela,  e aponta para uma compreensão mais complexa de como as redes sociais afetam a saúde mental.

A Austrália aprovou uma lei proibindo o uso de redes sociais por menores de 16 anos, com 68% da população apoiando a medida.

Propostas semelhantes estão sendo debatidas em vários países do mundo ocidental, onde governos citam a preocupação crescente com a saúde mental dos jovens.

Mas será que a solução é tão simples? A ciência conta uma história mais complexa.

Estudos anteriores sobre o uso de redes sociais encontraram associações positivas e negativas sobre a saúde mental — e alguns mostram até mesmo que não houve mudança.

Uma ampla análise com mais de 350 mil pessoas mostrou que, embora mais tempo nas redes se associe a pior bem-estar, o efeito é mínimo.

O problema dessas pesquisas está na fixação com o tempo total gasto online.

Experiências diferentes online geram efeitos diferentes

Duas pessoas podem passar o mesmo número de horas nas redes, mas ter experiências totalmente diferentes — uma apenas rolando o feed, outra envolvida em discussões tensas de madrugada.

O comportamento faz diferença, e a plataforma também.

Banimentos completos eliminam os efeitos nocivos, mas também os benefícios potenciais. Muitos jovens dependem das redes para criar e manter amizades.

Para quem já enfrenta dificuldades emocionais, elas podem oferecer apoio, orientação e comunidade que de outra forma seriam inacessíveis.

Por outro lado, o uso noturno pode atrasar o horário de dormir, fragmentar o sono e prejudicar a saúde mental. O dano tende a ser maior em atividades altamente interativas — como postar ou trocar mensagens — do que em simples navegação passiva.

Compreender o que as pessoas fazem nas redes — e, sobretudo, quando fazem — é essencial para entender seus efeitos reais.

O turno da madrugada: o que a pesquisa descobriu

Nosso estudo analisou dados reais do Twitter de participantes do Avon Longitudinal Study of Parents and Children, cruzados com medidas detalhadas de saúde mental autorreferidas, incluindo a Warwick-Edinburgh Mental Wellbeing Scale — um questionário de 14 itens sobre como a pessoa se sente e se comporta.

Criamos modelos estatísticos para prever essas medidas com base no horário médio em que os participantes publicavam seus tweets.

Encontramos evidências sólidas de que o horário das postagens está associado ao bem-estar mental.

O tempo médio de postagem explicou cerca de 2% das diferenças de bem-estar entre participantes — um efeito semelhante ao observado para o consumo de álcool em outras pesquisas.

Usuários que postavam com frequência entre 23h e 5h relataram consistentemente mais efeitos negativos sobre o bem-estar do que aqueles que postavam principalmente durante o dia.

Depressão, ansiedade e o horário de uso de redes sociais

Também examinamos como o horário das postagens se relacionava a sintomas de depressão e ansiedade.

Enquanto o bem-estar mental reflete o lado positivo da saúde psicológica, depressão e ansiedade apontam problemas específicos que a comprometem.

As correlações entre horário de postagem e esses sintomas foram mais fracas, mas variaram conforme idade e gênero.

Por exemplo, a relação entre horário de postagem e ansiedade foi cerca do dobro entre os participantes mais velhos — explicando 1,3% das diferenças de ansiedade nesse grupo, em comparação com 0,6% entre os mais jovens.

Mas ainda há questões a serem respondidas: isso representa uma consequência do uso noturno ou pessoas com saúde mental mais comprometida tendem a usar as redes nesse período?

Esses padrões se repetem em outras plataformas ou faixas etárias, especialmente entre adolescentes e crianças?

Como resolver?

Se o uso noturno realmente prejudica a saúde mental, soluções direcionadas podem ser valiosas. O TikTok lançou recentemente o modo “wind down”, que substitui a tela inicial por música relaxante e exercícios de respiração após 22h para menores de 16 anos.

No Reino Unido, o governo avalia criar leis para restringir o acesso de jovens a várias plataformas nesse horário.

O uso noturno mostra como políticas e plataformas podem lidar com comportamentos potencialmente nocivos sem recorrer a proibições totais.

Representa uma mudança do foco em “tempo de tela” para considerar o que as pessoas fazem, quando e onde fazem, e quem elas são.

Essa abordagem nos leva além das medições simplistas — rumo a uma compreensão mais precisa de como nossas vidas digitais afetam nossa saúde mental.


Este artigo foi publicado originalmente no portal acadêmico The Conversation e é republicado aqui sob licença Creative Commons.


 

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