A notícia não surpreende em um país onde a monarquia resiste firme, mas é preocupante para a sociedade e para o jornalismo: a nova edição da pesquisa anual Elitist Britain (Grã-Bretanha Elitista) traça um perfil dos jornalistas mais influentes do país, mostrando que esse grupo permanece “altamente não representativo” da população geral.
Feito pela ONG de mobilidade social The Sutton Trust, o estudo analisa o perfil educacional de profissionais que atuam em atividades diversas como política, funcionalismo público, corporações, esportes e entretenimento.
O levantamento mostrou que metade dos colunistas da imprensa (sobre todos os assuntos) e 47% dos colunistas políticos receberam educação básica particular, e 20% deles se formaram em “Oxbridge” (Oxford ou Cambridge), taxas mais altas do que a média da população.
Podcasters: ‘tão elite quanto os demais’
Os podcasters, adicionados pela primeira vez, espelharam a mídia tradicional – lembrando que muitos são também colunistas e jornalistas da grande mídia.
Foram analisados os 100 podcasts mais populares do Reino Unido, cobrindo gêneros como esporte e atualidades.
Quase metade (45%) dos apresentadores vieram da escola particular, uma taxa seis vezes superior à da média do país.
“O tipo de conteúdo que esses profissionais de mídia produzem pode ser diferente e indiscutivelmente com mais alcance do que o de outros setores da mídia, mas ao considerar sua educação, eles são tão elite quanto os demais”, diz o documento.
Quase 7 em cada 10 podcasters britânicos (67%) têm ensino superior.
Influenciadores: mais diversidade social
No entanto, a situação muda no grupo de influenciadores e criadores de conteúdo, também analisados pela primeira vez. Apenas 18% deles frequentaram escolas particulares, enquanto pouco mais da metade tem nível universitário.
E somente 4% vieram de Oxford ou Cambridge, uma das taxas mais baixas de todo o estudo, considerando todas as atividades analisadas em 2025.
A pesquisa se baseou em influenciadores mais populares de acordo com o instituto YouGov, bem como vencedores de prêmios nacionais, a fim de capturar as figuras mais famosas em muitos gêneros, incluindo resenhas de notícias e humor, e plataformas como YouTube e TikTok.
Mais do que o fato de atuarem em plataformas digitais – coisa que colunistas tradicionais hoje também fazem – a identidade maior do público com os criadores pode explicar por que se tornaram tão relevantes, dividindo cada vez mais o espaço com o jornalismo em confiança e em audiência.
Os dados do Digital News Report 2025, do Instituto Reuters, apontam que a confiança no noticiário (categoria que engloba principalmente os grandes veículos) caiu de 51% para 35% em 10 anos, o que tem se refletido em redução do alcance.
Como o estudo determina o que é ‘elite’
O levantamento utiliza dois critérios para definir o que é um integrante da elite britânica, um conceito que acaba sendo universal.
1. Funções de maior prestígio e riqueza, que estão entre os mais cobiçadas da sociedade.
2. Funções com poder e influência substanciais sobre a vida das pessoas, tomando decisões que
afetam o cotidiano de todos, ou de muita gente.
Segundo o The Sutton Trust, a formação das pessoas nessas funções é importante, porque se elas forem preenchidas desproporcionalmente por pessoas de formação semelhante e com uma gama limitada de experiências de vida, muitas vezes elas não representam as perspectivas da população em geral.
O relatório revelou que, em uma variedade de setores, as pessoas mais poderosas e influentes do Reino Unido ainda têm cinco vezes mais chances de ter frequentado escolas particulares do que a população em geral.
E na mídia, essas disparidades fazem uma grande diferença, como diz o estudo:
As origens dos jornalistas podem influenciar as pautas a serem cobertas e a as análises feitas por comentaristas. Mesmo com as melhores intenções, preconceitos podem passar despercebidos.
O perfil dos jornalistas britânicos
O levantamento aponta que de forma geral, 33% de 100 profissionais de jornalismo selecionados pelos pesquisadores, incluindo funções diversas como editores e apresentadores, frequentaram escolas particulares. É um número alto, considerando a boa qualidade das escolas públicas do país.
Em termos de ensino superior, a grande maioria (91%) frequentou a universidade. Desse total, 59% estudaram em uma faculdade do Russell Group, que tem algumas das melhores escolas de ensino superior britânicas.
Houve uma queda nessa taxa, que era de 74% em 2014. E o número de jornalistas formado em Oxford ou Cambridge caiu 13 pontos percentuais no mesmo período.
O estudo examinou também o perfil de uma amostra mais diversificada de funções em diversas redações importantes do país, a partir de matérias assinadas durante um dia de cobertura, e encontrou 30% deles com formação em escolas particulares.
Isso reflete uma diversidade maior no conjunto das redações, o que é visível na TV e nas rádios. Mas não é tudo, pois o topo da pirâmide da elite do jornalismo é reservado a editores, colunistas e comentaristas. E entre eles a situação muda.
Metade dos colunistas dos grandes jornais analisados, como Daily Mail, Guardian, Sun, Daily Telegraph ou The Times, estudaram em escola particular. A taxa aumentou desde 2014, quando era de 43%, e é a mais alta entre o grupo de mídia analisado no estudo.
Esse grupo inclui não apenas comentaristas ou colunistas de política e economia, mas também de temas como esportes, educação e assuntos cotidianos.
“Esses indivíduos têm um grande impacto no debate político, bem como nos ‘tópicos quentes’ de assuntos atuais e talvez possam ‘exagerar suas opiniões para ganhar popularidade'”, diz o relatório.
Entre os colunistas políticos, 47% frequentaram o ensino público, o percentual mais alto depois dos colunistas de vários assuntos.
A grande maioria deles tem nível universitário, o que na prática não é uma obrigação por lei, já que os espaços de opinião podem ser ocupados por pessoas que tenham algo a dizer e não necessariamente um jornalista formado.
O perfil de elite desses colunistas é evidenciado pela parcela deles que se formou nas universidades do topo, Oxford e Cambridge: 41%, uma das mais altas do estudo.
O perfil dos executivos editoriais da BBC
Emissora financiada com recursos públicos, a BBC virou nos últimos anos alvo de críticas de todos os lados do espectro político, acusada de não ser imparcial e de não representar as visões do conjunto da sociedade britânica.
São críticas discutíveis pois é difícil definir imparcialidade ou que seriam as visões do conjunto de uma sociedade multifacetada e cada vez mais polarizada após o Brexit.
Mas o fato é que de acordo com o relatório do The Sutton Trust, Mais de um terço (38%) dos executivos da BBC frequentaram escolas privadas, o que representa um aumento de 10 pontos percentuais desde 2019, colocando-os como integrantes da elite do país.
O documento é categórico:
“A formação acadêmica de figuras importantes em muitos setores da mídia não é representativa da população a que atendem.
A lacuna é particularmente acentuada entre colunistas, podcasters, comentaristas políticos e executivos da BBC, que têm uma formação em escola privada desproporcionalmente mais alta do que a da população em geral.”
A íntegra do relatório, que também analisa outras profissões, pode ser vista aqui.