Em resumo
- Elon Musk usou sua conta no X para fazer quase três ataques à imprensa por dia em apenas um ano
- Levantamento da Repórteres Sem Fronteiras mostra que retórica contra a mídia tradicional e jornalistas é parte de um projeto ideológico e de negócios
O bilionário Elon Musk, que há três anos comprou o Twitter e tem 227 milhões de seguidores na plataforma que rebatizou de X, fez 1.017 ataques contra a imprensa em sua conta entre setembro de 2024 e setembro de 2025 – uma média de quase três por dia.
A contagem foi feita pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) em uma análise sobre as narrativas de Musk para desacreditar o jornalismo, alinhadas ao discurso do presidente dos EUA, Donald Trump.
Segundo a RSF, seja em suas próprias postagens, comentários, reportagens ou republicação de citações de terceiros, Elon Musk acusa repetidamente a imprensa de propagar “desinformação”, ou de ser vítima de um “vírus woke”, ou ainda de ser “a ala de propaganda do Partido Democrata”.
Mais de um terço das postagens analisadas pela RSF sugerem que a mídia desinforma o público. Em resposta, o empresário apresenta X, sua própria rede social, como um “antídoto”, salienta a RSF.
Ataques de Musk contra a imprensa
O levantamento da RSF destaca exemplos da retórica de Elon Musk, como “O New York Times é pura propaganda”, ou “a sigla AP (da agência de notícias Associated Press) quer dizer ‘Propaganda Associada'”.
A palavra “propaganda” nesse contexto em inglês tem o sentido de conteúdo ideológico, e não de propaganda comercial.
“Os ataques de Elon Musk muitas vezes assumem a forma de slogans que facilmente ficam na mente das pessoas, viralizam e equivalem a campanhas de difamação, aponta a organização:
“Esses bordões curtos, constantemente repetidos e apresentados como verdades universais, servem como lemas, reforçando a ideia de que a mídia tradicional é fundamentalmente desonesta ou atende a interesses.”
Segundo o levantamento, a taxa de ataques de Elon Musk contra a imprensa atingiu o pico no período que antecedeu a eleição presidencial dos EUA, em novembro de 2024.
Em uma semana, o então ardente apoiador do candidato Trump postou ou repostou 58 ataques.
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Musk ataca a mídia também fora dos EUA
Os ataques não se limitaram aos EUA.
Em janeiro de 2025, como parte de uma campanha online contra o governo do primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, Musk acusou a mídia de encobrir estupros em massa cometidos por “gangues de migrantes”, uma história falsa e sem qualquer comprovação.
Nascido na África do Sul durante o apartheid, um país onde as desigualdades raciais permanecem agudas, Elon Musk censura os meios de comunicação sul-africanos por não cobrir o que ele chama de “genocídio branco”, referindo-se a agricultores que teriam sido mortos por negros, apontou a Repórteres Sem Fronteiras.
Segundo a organização, essa afirmação, que também foi repetida por Donald Trump, é inverídica e nunca foi confirmada em investigações ou em decisões judiciais.
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Liberdade de expressão, a tese de Elon Musk
“Em nome da ‘liberdade de expressão’, Elon Musk está travando uma ofensiva implacável contra a mídia, alimentando a desconfiança e o ódio em relação a eles. Sua estratégia se baseia em um processo simples: enfraquecer a confiança na imprensa, radicalizar o debate público e posicionar sua própria plataforma de mídia social, X, como uma fonte vital de informação”, diz Vincent Berthier, chefe de Tecnologia e Jornalismo da RSF.
Ele afirma que essa lógica transformou profundamente uma das redes sociais mais importantes do mundo para notícias e política.
E que continua influente mesmo após a saída de pessoas e instituições insatisfeitas com o aumento de discurso de ódio e conteúdo nocivo.
Berthier cobra ação governamental:
“As democracias têm um magnata da tecnologia que polariza deliberadamente o debate público sobre a mídia para fins ideológicos e comerciais, bem debaixo de seus narizes.
Eles devem responder com urgência: as leis devem garantir que as plataformas online estejam alinhadas com o interesse público, principalmente exigindo que promovam conteúdo jornalístico confiável.”
Um projeto ideológico e comercial
Para a RSF, a campanha ideológica de Elon Musk “anda de mãos dadas” com seu projeto de negócios: construir uma plataforma de notícias baseada na distribuição de conteúdo produzido por contas influentes no X, muitas delas lideradas por personalidades conhecidas e até condenadas por desinformação, como o teórico da conspiração Alex Jones.
Esse tipo de projeto é impossível sem financiamento substancial, e muitos anunciantes fugiram da rede após a aquisição de 2022, relembra a organização.
Mas em 2025, o X entrou com uma ação contra as principais organizações internacionais de publicidade, acusando-as de organizar um “boicote”.
Agora, pela primeira vez desde que Musk se tornou proprietário, as receitas de publicidade da rede social voltaram a crescer, sugerindo que “seu projeto pode ser duradouro”, aponta a Repórteres Sem Fronteiras.