Organizações de defesa dos direitos humanos e da liberdade de imprensa tentam evitar a aprovação de um projeto de lei divulgado na semana passada na Turquia visto como grave ameaça à população LGBTQ+. O texto criminaliza quem “se envolver publicamente” ou promover “comportamentos contrários ao sexo biológico’.
O projeto inicial foi apresentado no Parlamento no dia 19 de abril, e na semana passada uma cópia atualizada do texto vazou. A previsão é de que seja enviado para votação em breve.
A lei afeta também o exercício do jornalismo. ONGs de liberdade de imprensa chamaram atenção para o trecho que fala em “promoção”, e que restringiria e criminalizaria a cobertura da mídia sobre a comunidade LGBTQ+.
O texto é do partido radical islamista HÜDA-PAR (partido Causa Livre) e traz uma pacote de medidas para alterar vários códigos já existentes, incluindo o Códio Penal e a lei sobre serviços de radiodifusão e televisão.
Riscos à liberdade de expressão e de imprensa
A diretora-adjunta da Anistia Internacional para a Europa, Dinushika Dissanayake, afirmou que “estas propostas representam uma grave ameaça aos direitos das pessoas LGBTI e daqueles que defendem os direitos LGBTI”.
“Essas medidas ameaçariam a própria estrutura da sociedade turca. Representariam um enorme retrocesso e devem ser veementemente combatidas e categoricamente rejeitadas.”
Uma carta assinada por 15 entidades, incluindo a Pen International e a Federação Internacional de Jornalistas (IFJ) ressalta que “a inclusão da disposição proposta no 11º Pacote Judiciário agravaria ainda mais as violações de direitos e criminalizaria a já difícil tarefa de noticiar questões LGBTQ+”.
“Além disso, termos vagos como ‘contrário ao sexo biológico’ ou ‘contrário à moral pública’ permitiriam interferências arbitrárias na imprensa e na sociedade civil.”
O documento alerta para os riscos decorrentes da falta de acesso a informação de qualidade:
“Se for promulgada, esta regulamentação restringirá o direito das pessoas LGBTQ+ de acessar e compartilhar informações essenciais para suas vidas.
Jornalistas que cobrem questões LGBTQ+, como violações de direitos humanos, saúde sexual, paradas do orgulho LGBTQ+, etc., correm o risco de serem processados criminalmente sob a alegação de ‘promoção’ da homossexualidade.”
O que diz o projeto de lei
O projeto tem 66 páginas que vieram a público por meio de um vazamento na semana passada. O documento se chama “Projeto de lei que propõe alterações ao Código Penal turco e a algumas outras leis.”
Ele propõe emendas ao Código Penal, ao Código Civil e a algumas outras leis, incluindo a que estabelece os serviços de radiodifusão e televisão.
Entre as mudanças sugeridas estão o aumento de pena para “qualquer pessoa que se envolva publicamente em relações sexuais ou exibicionismo” para até três anos de prisão.
Neste mesmo trecho, fala-se especificamente sobre a população LGBTQ+:
“Qualquer pessoa que manifeste uma atitude ou comportamento contrário ao sexo biológico de nascimento e à moral pública, ou que incentive, elogie ou promova publicamente tal comportamento, será punida com pena de prisão de um a três anos.”
Pessoas que realizarem cerimônias simbólicas de casamento homoafetivo – a união entre pessoas do mesmo sexo não é permitida na Turquia – podem ser presas por até quatro anos.
Também estão previstas barreiras para procedimentos de afirmação de gênero e penas de prisão para profissionais que realizarem tais procedimentos.
Um artigo desta lei trata especificamente do que vem sendo chamado de “promoção ou encorajamento de atos indecentes”:
“Qualquer pessoa que pratique ou incentive, elogie ou promova publicamente comportamentos que contradigam o sexo biológico inato e a moral pública será punida com pena de prisão de um a três anos.”
Contexto
Só este ano, este já é o tercerio projeto apresentado na Turquia que tem a população LGBTQ+ como alvo. Os outros dois não foram discutidos na Comissão de Justiça, como determinam os procedimentos do Parlamento.
2025 foi declarado o “Ano da Família” na Turquia. Desde então, entidades apontam que numerosas violações contra o jornalismo LGBTQ+ foram registradas.
Já em fevereiro, Yıldız Tar, defensor de direitos LGBTQ+ e editor-chefe da KAOS GL, a maior e mais antiga plataforma de notícias LGBTQ+ do país, foi preso. Em junho, o site e as redes sociais da KAOS GL foram bloqueados.
Can Öztürk, jornalista do T24, foi interrogado pela promotoria de Justiça por publicar uma matéria com alegações de assédio sexual contra um acadêmico que afirmava oferecer “terapia de conversão” para crianças LGBTQ+.
Além disso, o Conselho Supremo de Rádio e Televisão (RTÜK) multou plataformas de streaming, incluindo a Netflix, por exibirem conteúdo LGBTQ+.
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