Muitos jornalistas forçados ao exílio para escapar de perseguições em seus países correm grave perigo devido ao aumento alarmante da violência e repressão transnacional por parte do seus governos e à proteção inadequada nos países que os acolhem, afirmou Irene Khan, Relatora Especial da ONU para a liberdade de opinião e expressão.
Ao apresentar um novo relatório sobre o problema ao Conselho dos Direitos Humanos da organização, Khan disse que a tendência de jornalistas recorrerem ao exílio e os ataques contra eles acompanham o aumento do autoritarismo e a supressão da liberdade de imprensa em várias partes do mundo.
Mesmo no exterior eles enfrentam ameaças físicas, digitais e legais por parte dos governos de seus países de origem, incluindo assassinatos, agressões, raptos, condenações à revelia em processos judiciais baseados em acusações forjadas e retaliação contra familiares que ficaram para trás.
Violência contra jornalistas no exílio apoiada por países anfitriões
Provando que não é exagero, menos de uma semana depois da apresentação do relatório o jornalista cazaque Aydos Sadykov morreu em Kiev, onde vivia há 10 anos e mantinha um blog de oposição com mais de 1 milhão de assinantes, após ser baleado por homens de seu país natal.
Um dos países citados no relatório como perseguidor contumaz de jornalistas no exterior é o Irã.
Profissionais exilados e meios de comunicação que operam de fora do país, bem como jornalistas iranianos trabalhando para o serviço de língua persa da BBC, têm sido sistematicamente atacados.
Os registros incluem violência, ameaças, assédio, violência online baseada no gênero, campanhas difamatórias e vigilância, bem como investigações criminais e ações judiciais destinadas a confiscar propriedades e ativos na República Islâmica do Irã.
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Irene Khan destaca ainda que a segurança e a proteção estão duplamente em perigo quando as autoridades do país anfitrião se tornam facilitadoras da repressão transnacional, com atos como ajudar a sequestrar profissionais de imprensa exilados.
Segundo o relatório, o Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados ou Involuntários concluiu que o governo da Turquia envolveu-se em raptos extraterritoriais e regressos forçados de pelo menos 100 cidadãos turcos, incluindo jornalistas, sob o pretexto de combater o terrorismo.
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Violência física e digital contra os que fogem de seus países
O documento da relatora especial da ONU diz disse ainda que a violência online, as ameaças, o hackeamento e a vigilância digital direcionada a jornalistas exilados aumentaram na última década.
Entre os casos recentes está o de Galina Timchenko, diretora do Meduza, site de notícias online em russo com sede na Letônia.
Seu telefone foi infectado com spyware Pegasus logo após o site ter sido designado pela Federação Russa como uma organização “indesejável”, em setembro.
E em outubro de 2023, Le Trung Khoa, editor-chefe do site de notícias vietnamita Thoibao.de, com sede em Berlim, foi alvo do spyware Predator através da plataforma de mídia social X / Twitter.
O site está bloqueado no Vietnã, e suas páginas no Facebook e no YouTube são frequentemente alvo de hackers.
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Violência contra jornalistas mulheres no exílio
As mulheres jornalistas no exílio são particularmente afetadas por violência sexual e de gênero, online e offline, especialmente quando não têm direito de permanência no país escolhido para o asilo.
“Ter como alvo jornalistas em solo estrangeiro viola o direito internacional e deve ser condenado forte e inequivocamente pelas Nações Unidas”, cobrou a Relatora Especial.
“Muitas vezes, os Estados não estão dispostos, por razões políticas ou por falta de capacidade ou de recursos, de proteger e apoiar os jornalistas no exílio.
Os jornalistas não devem ser tratados como instrumentos políticos, mas como seres humanos em perigo que, com grande custo para si próprios, contribuem para a realização do nosso direito humano à informação.”
Obrigações à luz dos direitos humanos
Irene Khan instou os países que fazem parte da ONU a adotarem uma abordagem baseada nos direitos e centrada no ser humano, e apelou para que respeitem as suas obrigações em matéria de direitos humanos.
“Os jornalistas no exílio precisam de uma proteção mais eficaz contra ataques físicos e digitais; de vistos de emergência e de residência; de autorização para trabalhar nos locais onde se asilaram e de apoio coordenado e de longo prazo dos financiadores e da sociedade civil.”
A Relatora Especial também apelou às empresas digitais para que façam mais para proteger os jornalistas no exílio e garantam que as tecnologias essenciais para a prática do jornalismo não sejam utilizadas como armas contra eles.
Em resposta ao relatório, dezenas de países de todas as regiões divulgaram uma declaração conjunta para condenar a repressão transnacional e comprometerem-se a tomar medidas coordenadas para apoiar os visados e responsabilizar os autores de abusos.
Resta saber se vai sair do papel. E como fazer com que governos autoritários que ignoram a ONU levem em consideração qualquer um desses pedidos.
O documento completo pode ser visto aqui.
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