Londres – Em clima de tensão eleitoral e cortes de pessoal em grandes redações, o jornalismo dos EUA vive uma crise de burnout, traduzida em números em uma pesquisa do Reynolds Journalism Institute (RJI), da Universidade de Missouri (EUA), com base em entrevistas feitas pela empresa de pesquisas SmithGeiger para avaliar o estado de saúde mental dos profissionais do setor. 

Foram ouvidos 1 mil futuros, atuais e ex-profissionais de imprensa de 50 estados.

” The Burnout Crisis in Journalism” examina as razões que levaram ao esgotamento generalizado na indústria de notícias e aponta medidas – algumas simples e sem envolver investimentos – para reverter a situação, sob a perspectiva dos mais afetados.

As entrevistas foram feitas em outubro e novembro de 2023, com uma amostra concentrada em profissionais ativos em redações (60%) e entre 18 e 44 anos (56%).

Mas a pesquisa incluiu também gente que já deixou a atividade, um ângulo que não pode ser desprezado na busca de soluções, já que muitos desistiram justamente devido ao burnout.

Saúde mental de jornalistas e a qualidade do jornalismo 

O RJI salienta que o esgotamento não é apenas um problema pessoal, mas também profissional e social, com potencial de prejudicar a qualidade e a credibilidade do jornalismo e seu papel na democracia.

O trabalho do instituto reconhece que o burnout sempre existiu na atividade, mas salienta que ele se tornou mais agudo e complexo nos últimos anos, destacando três fatores:

  • Produção de mais conteúdo em mais plataformas, com menos recursos e menos segurança no emprego
  • Pressões e ameaças crescentes por parte do público
  • Dilemas éticos e morais na cobertura de questões sensíveis e traumáticas

O relatório afirma que o esgotamento atingiu “um estágio crítico e urgente”. E traduz a crise em números:

  • 80% dos entrevistados acham o burnout um problema sério
  • 84% dos jornalistas em atividade e 88% dos que deixaram a profissão admitiram terem sido atingidos pessoalmente, enquanto mais de 9 em cada 10 relataram ter visto um colega com esgotamento
  • 64% dos ex-jornalistas e 43% dos atuais consideram que a crise de saúde mental afeta significativamente o jornalismo de forma generalizada, devido a problemas como afastamento de profissionais qualificados e desânimo com o trabalho
  • 2 em cada 3 que deixaram a profissão afirmam que o esgotamento contribuiu para a decisão

Velhos e novos motivos para o burnout

O estudo do Reynolds Journalism Institute detalha as percepções dos profissionais sobre a atividade e como elas estão relacionadas à crise de burnout. O enxugamento das redações foi apontado como o maior vilão.

Ao serem perguntados sobre o que mais contribui para a erosão do sentimento de confiança no trabalho, para o compromisso de produzir jornalismo e para o risco de burnout, a obrigação de “fazer mais com menos” foi a causa principal, com 87%, seguida de perto por “corte de budget”, com 85%.

Mais da metade dos entrevistados (53%) se disse pessimista com o jornalismo. Os bem jovens (incluindo os estudantes) estão mais positivos. Na faixa entre 18 e 24 anos, apenas 36% expressaram pessimismo.

Erra quem pensa que os mais desanimados com a profissão são os veteranos. Excetuando-se os que já deixaram a atividade, os mais pessimistas (63%) são os jornalistas em meio de carreira, de 25 a 34 anos. Entre os que têm 35 a 54 anos, a taxa é de 55%.

gráfico de pesquisa sobre saúde mental de jornalistas

Sentimentos dos jornalistas sobre a profissão 

Os jornalistas revelaram a extensão do esgotamento quando apontaram quantas vezes experimentaram sensações geralmente associadas a problemas de saúde mental, em qualquer momento da carreira.

gráfico de pesquisa sobre saúde mental mostra opiniões de jornalistas sobre a profissão

Estressado, mentalmente exausto, cansado, exaurido e sobrecarregado aparecem no topo da lista de sentimentos negativos, com taxas acima de 80%.

Um percentual significativo disse duvidar de sua própria capacidade de fazer bom jornalismo, o que pode explicar outra constatação do estudo: a de que dois em cada três ex-profissionais afirmaram que o esgotamento contribuiu para o abandono da profissão.

Enquanto paixão (76%) e realização (72%) aparecerem no topo da lista de sentimentos positivos, refletindo o senso de missão dos profissionais de imprensa, “valorizado” e “satisfeito” figuram empatados em último lugar (56%) quando a pergunta refere-se a todo o tempo de carreira.

Quando a pergunta mudou para os últimos 90 dias, o sentimento menos experimentado é “satisfação”.

O que fazer para reverter a crise? 

O Reynolds Journalism Institute aponta um conjunto de soluções para o burnout na imprensa, com base na opinião dos jornalistas entrevistados.

Os pesquisadores analisaram também ações para administrar o esgotamento de jornalistas já em curso em diversas redações e também práticas adotadas em outros setores que enfrentam desafios semelhantes, como socorro a emergências e medicina intensiva

“Falar sobre o problema de burnout nas redações já ajuda, mas tentamos encontrar soluções viáveis que possam começar a mover a engrenagem e mitigar o problema”, disse Randy Picht, diretor do Reynolds Journalism Institute.

Randy Picht Reynolds-Journalism Institute pesquisa saúde mental jornalistas
Randy-Picht (foto: divulgação)

Eles fecharam então uma lista com dez soluções, e cada respondente da pesquisa pôde escolher duas delas para discorrer de forma mais aprofundada.

O estudo destaca que a intenção não foi “repetir o óbvio” que muitas respostas abertas apontavam (contratar mais funcionários, pagar melhor), mas sim identificar medidas que os líderes podem implementar nas redações de forma mais imediata, sem necessariamente envolver investimentos. 

As cinco áreas mais votadas estão relacionadas à flexibilidade na escala de trabalho, mudanças na cultura da redação, práticas de gestão – incluindo responsabilidades e tempo dedicado a coberturas -, tempo livre, férias e benefícios.

O Instituto observa que não existe solução única para todas as redações ou jornalistas, mas salienta que o estudo serve como ponto de partida baseado em vivências reais para ser considerado pelos tomadores de decisão nas empresas ou em suas equipes.

O relatório completo pode ser visto aqui.

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Reportagem Especial MediaTalks – Comunicação, Imprensa, Redes Sociais e a crise da Saúde Mental