Londres – Um juiz da Califórnia deu sinal verde para Fiona Harvey, a advogada escocesa de 58 anos que inspirou a personagem Martha na série Bebê Rena (Baby Reindeer), a processar a Netflix por ter apresentado a série como história verdadeira.
Criada pelo roteirista Richard Gadd, a produção derivada de uma peça de teatro também escrita por ele retrata Martha como uma stalker que tornou sua vida um inferno na vida real. Ele interpreta o personagem inspirado em sua própria história.
Embora Fiona não tenha sido identificada, ela acabou sendo descoberta e deu entrevistas contestando vários fatos apresentados como verdadeiros na série da Netflix, incluindo duas condenações e uma sentença de cinco anos de prisão por perseguir Gadd.
Inicialmente ela havia pedido uma indenização de US$ 170 milhões por difamação, violação do direito de publicidade, negligência e imposição intencional de sofrimento emocional.
O juiz rejeitou as três primeiras alegações, mas autorizou o prosseguimento da ação judicial por imposição de sofrimento, citando “declarações falsas, extremas e ultrajantes” e salientando que a frase “esta é uma história verdadeira” que aparece na tela no início do primeiro episódio induz o público a acreditar em tudo.
Processo contra Bebê Rena da Netflix: ‘mentiras brutais’
No programa, que bateu recordes de audiência e recebeu quatro prêmios Emmy, Richard Gadd vive o personagem Donny Dunn lidando com a stalker Martha Scott desde que ele serviu a ela um chá grátis no pub em que trabalhava.
Em julho, após a abertura do processo, a Netflix reagiu dizendo que pretendia defender sua produção “vigorosamente” e o direito de Richard Gadd de contar a sua história, entrando com um pedido de arquivamento.
No despacho publicado na sexta-feira (27), o juiz distrital Gary Klausner admitiu que os atos atribuídos a Fiona Harvey são condenáveis, mas entendeu que eles foram apresentados na série de forma pior do que na realidade.
E que a Netflix tinha elementos para concluir que nem tudo era verdade, já que a própria peça teatral em que o roteiro foi baseado é apresentada como “inspirada” em fatos reais, e não como um registro fiel dos acontecmentos.
“Enquanto as supostas ações da autora são repreensíveis, as declarações dos réus são de um grau pior e podem produzir um efeito diferente na mente de um espectador.”
O magistrado cita como exemplo a diferença entre “perseguir” e ser “condenada por perseguição”.
Fiona Harvey recebeu notificações de assédio após denúncias de Gadd à polícia, mas não foi processada criminalmente ou enviada para a prisão.
Embora o autor tenha sido responsável pelo roteiro, e esteja arrolado como réu, o foco da ação judicial é a Netflix.
O juiz refere-se no desspacho a uma declaração que Richard Gadd deu ao jornal britânico The Times, sugerindo que a decisão de incluir a expressão “história verdadeira” não foi dele, e sim da empresa de streaming.
O texto aponta essa declaração como um sinal de poissível “malícia real” por parte da Netflix. O magistrado afirma que a Netflix não fez esforços para investigar a precisão dos fatos, nem adotou medidas para esconder a identidade de Fiona Harvey.
E que isso causou a ela uma onda de assédio e perturbação emocional, levando-a sentir vergonha, apresentar sinais de depressão, ter ataques de pânico e ficar com medo de sair de casa.
A personagem Martha em Bebê Rena
Quando os rumores sobre a identidade da stalker começaram, depois do lançamento de Bebê Rena, em abril, o próprio Gadd pediu que as pessoas parassem de tentar descobrir quem era a personagem, e salientou que a série não era um documentário – embora fosse apresentada como história real.
A seu favor, a Netflix tinha o fato de que Fiona Harvey não foi identificada na série. Mas o juiz não levou em conta esse argumento para atender o pedido de arquivamento da causa.
No despacho, ele salienta as “diversas similaridades” entre Martha e a autora, como o fato de ela ser uma advogada escocesa moradora de Londres 20 anos mais velha do que Richard Gadd e a caracterização da personagem, inclusive o sotaque e forma de falar.
Fiona Harvey diz que foi forçada a se manifestar depois de ter recebido ameaças de morte online, feitas por pessoas revoltadas com a perseguição que supostamente teria feito a Richard Gadd.
As “pistas” do roteiro permitiram que se chegasse a ela, que deu uma entrevista ao jornalista Piers Morgan, uma das principais personalidades da mídia britânica, assumindo que era a pessoa da série.
As audiências do processo começarão no dia 6 de maio de 2025 e o julgamento deve durar levar duas semanas.