Eventos climáticos extremos como as inundações em Porto Alegre e em Valencia (Espanha), cuja severidade é associada por cientistas às mudanças climáticas, são evidências de que é preciso dinheiro para o financiamento de sistemas de prevenção e ajuda a populações afetadas – e quem paga a conta é o tema principal da COP29, que ganhou o apelido de “COP das finanças”. 

Duas semanas antes da abertura da cúpula da ONU, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) publicou seu Relatório da Lacuna de Adaptação 2024, intitulado “Venham o inferno e as inundações”, referindo-se às ondas de calor e enchentes que afetaram o mundo em 2024. 

O documento insta as a nações a “aumentarem drasticamente os esforços de adaptação climática, começando com o compromisso de agir em termos de financiamento na COP29”. Essa é a principal pauta da imprensa cobrindo a COP29 e dos negociadores presentes no Azerbaijão entre 11 e 22 de novembro. 

Uma análise feita no primeiro dia da COP29 pelo Instituto Climainfo, de autoria das jornalistas Cínthia Leone e Pamela Gouveia, tenta responder à pergunta: cadê o dinheiro? As fontes potenciais seriam: 

● US$ 250 bilhões por ano – proposta de imposto sobre a riqueza do G20 feita pelo economista Gabriel Zucman
● US$ 2 bilhões por ano – por meio de mercados voluntários de carbono, conforme proposto por Mark Carney
● US$ 480 bilhões na próxima década – capacidade adicional de empréstimo dos bancos de desenvolvimento
● US$ 80 bilhões por ano – imposto global sobre emissões de transporte marítimo em discussão na OMI
● US$ 100 bilhões em 3 anos – doações/financiamento concessional do fundo IDA do Banco Mundial
● US$ 650 bilhões dos Direitos Especiais de Saque do FMI (além da liberação de fundos em 2021)
● US$ 121 bilhões por ano – valor que uma “taxa de voo frequente” de US$ 9 por voo poderia arrecadar, proposto pelo ICCT US$ 720 bilhões até 2030 – imposto sobre danos climáticos para as grandes empresas petrolíferas, apoiado pelo Greenpeace
● US$ 777 bilhões em 10 anos – quanto um imposto sobre transações financeiras (FTT) poderia arrecadar somente nos EUA ?
● US$ 1 bilhão de imposto sobre combustíveis fósseis, conforme proposto pelo Azerbaijão em maio.

Dinheiro parece existir, no momento em que o aumento da temperatura média global está se aproximando de 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, e as últimas estimativas do Relatório de Lacuna de Emissões do PNUMA colocam o mundo no caminho para um aumento catastrófico de 2,6-3,1°C se neste século se não acontecerem “cortes imediatos e importantes nas emissões de gases de efeito estufa”.

Divulgado pouco antes das negociações climáticas da COP29, o relatório conclui que há uma necessidade urgente de aumentar significativamente a adaptação nesta década para lidar com os impactos crescentes.

Mas isso está sendo dificultado pela enorme lacuna que existe entre as necessidades de financiamento para a adaptação e os atuais fluxos de financiamento público internacional, admite o órgão da ONU. 

“A catástrofe climática está destruindo a saúde, aumentando as desigualdades, prejudicando o desenvolvimento sustentável e abalando os alicerces da paz”, disse o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

“Os vulneráveis ​​são os mais atingidos. E os contribuintes estão pagando a conta, enquanto os responsáveis por toda esta destruição — particularmente a indústria dos combustíveis fósseis — colhem enormes lucros e vantagens.”

“Precisamos que os países desenvolvidos dobrem o financiamento da adaptação para pelo menos US$ 40 bilhões por ano até 2025 – um passo importante para fechar a lacuna financeira. Precisamos liberar uma nova meta de financiamento climático na COP29”, acrescentou.

Financiamento aumentou, mas desafio da COP29 é aumentar ainda mais 

De acordo com o PNUMA, os fluxos internacionais de financiamento público para adaptação aos países em desenvolvimento aumentaram de US$ 22 bilhões em 2021 para US$ 28 bilhões em 2022. Foi o maior aumento absoluto e relativo ano a ano desde o Acordo de Paris.

Isso reflete o progresso em direção ao Pacto Climático da COP26 em Glasgow, que instou as nações desenvolvidas a pelo menos dobrar o financiamento para adaptação aos países em desenvolvimento em cerca de US$ 19 bilhões entre 2019 e 2025.

No entanto, mesmo atingir a meta do Pacto Climático de Glasgow apenas reduziria em 5% a necessidade de financiamento para adaptação, estimada em US$ 187-359 bilhões por ano, de acordo com a ONU.

“A mudança climática já está devastando comunidades em todo o mundo, particularmente as mais pobres e vulneráveis. Tempestades violentas estão destruindo casas, incêndios estão destruindo florestas, e a degradação da terra e a seca estão degradando paisagens”, disse Inger Andersen, Diretora Executiva do PNUMA.

“Pessoas, seus meios de subsistência e a natureza da qual dependem estão em perigo real devido às consequências da mudança climática. Sem ação, esta é uma prévia do que o nosso futuro reserva e simplesmente não há desculpa para o mundo não levar a sério a adaptação”

O relatório pede que as nações intensifiquem suas ambições, adotando uma nova meta coletiva quantificada forte sobre financiamento climático na COP29 e incluindo componentes de adaptação mais fortes em sua próxima rodada de compromissos climáticos, ou contribuições nacionalmente determinadas, previstas para o início do próximo ano antes da COP30 em Belém, no Brasil.

Lento no planejamento e na implementação

As ações de adaptação estão em uma tendência geral ascendente, mas não são proporcionais ao desafio, afirma o PNUMA.

Dada a escala do desafio, preencher a necessidade de financiamento da adaptação também exigirá inovação para mobilizar recursos financeiros adicionais.

Fatores de habilitação mais fortes, novas abordagens e instrumentos financeiros são essenciais para impulsionar o financiamento da adaptação, nos setores público e privado.

Além do financiamento, é necessário fortalecer a capacitação e a transferência de tecnologia para melhorar a eficácia das ações de adaptação – o que está alinhado com o foco nos meios de implementação na COP29.

No entanto, nem todos estão otimistas sobre a possibilidade de que as negociações em Baku atinjam esses objetivos.

Uma análise de especialistas da Universidade de Bristol, no Reino Unido, com base na conferência SB60 que aconteceu em junho, mostra que as chances são reduzidas. 


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