A decisão do presidente Donald Trump de cortar drasticamente as funções e o financiamento de veículos de mídia financiados pelos EUA, como a Voz da América (VOA), Rádio Free Europe/Liberty, Radio Free Asia e Rádio Martí, que transmite notícias em espanhol para Cuba, provocou ondas de choque e protestos em todo o mundo.
Na última sexta-feira (16), pouco depois de o Congresso ter concluído a aprovação da lei orçamentária, Trump determinou a redução das atividades vários órgãos ao mínimo exigido por lei, incluindo a U.S. Global Media Agency (USAGM), à qual estão ligados os três veículos.
Steve Capus, diretor da RFE, afirmou em uma postagem no X: “O público nos vê como uma tábua de salvação para o mundo livre. Tentativas de retirar o financiamento são um presente enorme para os inimigos da América, muitos dos quais já devem estar comemorando”.
Na VOA, a equipe de 1,3 mil pessoas foi colocada desde sábado em licença administrativa, o que significa que os funcionários continuam recebendo salários, mas estão proibidos de acessar sistemas internos ou entrar nos escritórios.
Além disso, foi anunciado que os contratos desses funcionários não estatutários serão encerrados no final de março de 2025, marcando uma demissão em massa sem precedentes.
Em Cuba o desmonte começou domingo, com demissões na Rádio e TV Martí, conforme noticiado nas redes sociais pelo jornalista Roberto Céspedes, ex-colaborador da USAGM.
Em sua publicação, detalhou que todos os contratados do Escritório de Transmissão para Cuba receberam um e-mail notificando-os da cessação imediata de suas funções.
Investida de Trump sobre Voz da América gera protestos globais
A Voz da América (VOA) foi criada em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de fornecer informações precisas e imparciais para audiências fora dos Estados Unidos.
Desde então, tornou-se uma ferramenta essencial para a construção do soft power dos EUA, transmitindo em mais de 45 idiomas, incluindo português, e para países que vivem sob regimes autoritários ou com liberdade de imprensa limitada.
Já a Rádio Europa Livre/Liberdade (RFE/RL) foi fundada em 1950, no auge da Guerra Fria, com o propósito de transmitir notícias para países do bloco soviético, disseminando informações em regiões onde a censura era predominante.
Atualmente, ela continua a operar em áreas como Rússia, Ucrânia e Ásia Central, fornecendo uma alternativa independente às narrativas controladas por governos autoritários.
Em 2024, uma jornalista da RFE foi condenada na Rússia e libertada em uma troca de presos entre os EUA e o governo de Vladimir Putin.
Voz da América sob risco real de extinção
Embora Trump não tenha determinado a extinção das redes, os atos anunciados as colocam em uma situação extremamente precária, sobretudo a VOA.
Como é uma organização historicamente financiada pelo governo dos EUA, sua continuidade depende de uma reversão dessa política ou de novas fontes de financiamento externo.
No entanto, isso dependeria de aprovação do governo Trump, que várias vezes demonstrou insatisfação com a linha editorial da VOA.
Já a RFE/RL tem uma chance maior de sobreviver, pois há discussões em andamento na União Europeia sobre a possibilidade de financiar suas operações.
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Reações da União Europeia e ONGs
A medida gerou críticas de organizações internacionais. A Repórteres Sem Fronteiras condenou a decisão, afirmando que ela representa “um afastamento do papel histórico dos EUA como defensor da liberdade de informação”.
A entidade apelou ao Congresso dos EUA e à comunidade internacional para que tomem medidas contra o que chamou de “movimento sem precedentes”.
Associação de Radiodifusão Internacional, com sede no Reino Unido, disse em um comunicado.
“A reportagem desses veículos fornece um contrapeso essencial à desinformação e à propaganda em alguns dos ambientes de mídia mais restritivos do mundo.”
A União Europeia (UE) sinalizou que está explorando formas de financiar a Rádio Free Europe e outros veículos afetados pelo corte de ajuda americana ao jornalismo.
Kaja Kallas, Alta Representante da UE, afirmou que “esses meios de comunicação têm sido faróis de democracia” e que há interesse em encontrar soluções, embora o processo enfrente desafios devido à concorrência por recursos dentro do bloco.
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O Futuro da Informação em Regiões de Mídia Restrita
Kari Lake, aliada de Trump e conselheira sênior da Agência dos EUA para Mídia Global (USAGM), defendeu a decisão como parte de um esforço para “reduzir a burocracia federal”.
Em comunicado, ela afirmou que “estamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance para cancelar contratos desnecessários, poupar dinheiro e garantir que o dinheiro dos contribuintes não seja mal utilizado”.
Esses cortes e demissões levantam preocupações sobre o impacto na disseminação de informações em regiões como Rússia, China e Coreia do Norte, onde a mídia independente é frequentemente suprimida. Além disso, destacam as tensões contínuas entre Trump e a mídia, que remontam ao seu primeiro mandato.
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