A repressão à imprensa iraniana atingiu um novo patamar de gravidade nos últimos dias, justamente no momento em que um cessar-fogo entre Irã e Israel poderia sugerir para os jornalistas locais.
Segundo a Repórteres Sem Fronteiras (RSF), os bombardeios israelenses, longe de reduzirem a violência, serviram como catalisador para uma nova onda de censura, detenções e ataques à liberdade jornalística no Irã — um dos cinco países mais repressivos do mundo para profissionais da imprensa.
“Os recentes ataques deixaram os repórteres do país em um estado mais frágil do que nunca”, adverte a organização.
Bombardeios e intimidação
No dia 16 de junho, foguetes israelenses atingiram a televisão estatal iraniana, matando dois funcionários e interrompendo transmissões.
https://youtu.be/pyNtoCKvPC8
Embora vista como instrumento de propaganda pelo regime, a emissora também emprega jornalistas civis, que se tornaram vítimas diretas da escalada militar, aponta a organização de liberdade de imprensa.
Sete dias depois, outro ataque aéreo teve como alvo a entrada da prisão de Evin, símbolo da repressão política no país. Ali, estão detidos diversos jornalistas.
A RSF destaca que, apesar das intenções declaradas por Israel de atingir estruturas do regime, as ações só reforçaram a narrativa oficial de perseguição interna:
“Em vez de libertar jornalistas, os ataques de Israel reforçaram a narrativa do regime iraniano de que repórteres críticos das autoridades são inimigos.”
Repressão à imprensa iraniana dentro dos muros
Após os ataques, as condições dos jornalistas presos se deterioraram drasticamente.
Homens foram levados à superlotada prisão de Fashafoyeh, muitos sem medicamentos essenciais.
Mulheres foram transferidas à notória prisão de Garchak, onde a falta de cuidados médicos é crônica.
A RSF afirma que jornalistas estão agora “forçados a trabalhar sob a ameaça de ataques aéreos israelenses enquanto enfrentam a brutal repressão da República Islâmica”.
Entre as táticas do regime para sufocar a imprensa, estão detenções arbitrárias, apagões digitais, intimidações e diretrizes diretas de censura, além de ameaças a jornalistas exilados.
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Novas ordens e apagão digital
Em 17 de junho, autoridades iranianas enviaram uma diretiva de seis pontos às redações, alertando para “linhas vermelhas” que não deveriam ser ultrapassadas.
Isso inclui a proibição de divulgar notícias sobre evacuações, previsões de ataques ou qualquer informação que gere “ansiedade pública”.
Logo após, o Irã impôs o maior bloqueio de internet desde 2019, segundo o grupo NetBlocks.
Mais de 90 milhões de iranianos perderam o acesso à rede em um cenário onde já há pouca ou nenhuma mídia independente.
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Prisões como rotina na escalada de repressão à imprensa iraniana
A repressão à imprensa iraniana também se manifesta na criminalização do trabalho jornalístico. Em 16 de junho, o repórter Ali Pakzad, do Shargh Daily, foi preso enquanto cobria os ataques.
No dia 21, a fotógrafa Majid Saeeidi, da Getty Images, foi detida por um dia na prisão de Evin. Um jornalista, sob anonimato, relatou à RSF:
“Nosso acesso à informação é restrito e a pressão está aumentando.”
Do cessar-fogo à criminalização digital
No mesmo dia em que o cessar-fogo foi anunciado, o governo iraniano endureceu ainda mais suas medidas.
Jornalistas e usuários de redes sociais foram advertidos de que interações com conteúdo considerado “pró-Israel” — como curtidas, comentários ou seguir páginas — poderiam ser criminalizadas.
RSF exige ação internacional
Em um comunicado, a RSF apelou à comunidade internacional para que intervenha.
“A repressão à imprensa iraniana precisa terminar. Exigimos a libertação imediata de todos os jornalistas detidos e o fim da censura.”
A organização também lembra que atingir jornalistas ou infraestrutura de mídia constitui crime de guerra, citando o histórico de ações militares israelenses que resultaram na morte de quase 200 jornalistas em Gaza, Cisjordânia e Líbano.
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