- O que aconteceu: A tragédia no Texas, onde uma inundação na última sexta-feira (4) deixou mais de 60 mortos, reacende o debate sobre o papel da percepção na mobilização por ações climáticas.
- Novo estudo mostra que a ligação direta entre eventos extremos e a crise climática (a chamada atribuição) é essencial para gerar apoio a políticas públicas.
O estudo internacional, publicado na revista Nature Climate Change, revela que o Brasil é um dos países de maior consciência sobre a relação entre eventos extremos e o aquecimento global.
Conexão entre tragédia climática no Texas e apoio à ação climática
Um novo estudo internacional. publicado na revista Nature Climate Change, constatou que o que realmente impulsiona o apoio público a políticas climáticas não é meramente a exposição a eventos climáticos extremos como as enchentes devastadoras do Texas, mas sim a crença de que esses eventos estão diretamente ligados às alterações climáticas.
Esta conclusão, baseada em pesquisas em 68 países (incluindo o Brasil) com mais de 71 mil participantes, sugere que a chamada “atribuição pessoal” de eventos extremos à crise climática é o fator crucial para angariar suporte a ações de mitigação por parte do poder público e de empresas, assim como para impulsionar mudanças de hábito.
O Brasil se destaca como um dos países com maior consciência e atribuição de tragédias ambientais às alterações climáticas.
Os participantes de países sul-americanos, especialmente no Brasil e na Colômbia, foram os que mais fortemente concordaram que a ocorrência de eventos climáticos extremos foi afetada pelas alterações climáticas nas últimas décadas.
Ciência da atribuição e tragédia climática no Texas
O estudo sobre o valor da atribuição foi conduzido pelo consórcio TISP (Trust in Science and Science-related Populism).
Participaram dele pesquisadores afiliados a diversas universidades e instituições de pesquisa como a ETH Zurich (Suíça), a Harvard University (EUA), a Universidade de Cambridge (Reino Unido), a Universidade de Stellenbosch (África do Sul), e a Universidad Complutense de Madrid (Espanha).
A ciência da atribuição é uma das principais vertentes da ciência climática, pois permite levar ao mundo real o que os acadêmicos estudam e pesquisam, principalmente por meio da mídia.
Mas nem sempre ela é exposta como deveria, pois quando ocorrem eventos climáticos como os do Texas, autoridades e mídia se concentram na cobertura sobre impactos imediatos da tragédia, busca por sobreviventes e medidas de reconstrução.
A tragédia climática no Texas ganhou destaque no mundo nos últimos dias, refletindo o drama da inundação repentina em uma área em que crianças participavam de acampamentos de verão e foram arrastadas pelas águas.
A cobertura segue focada nas ações emergenciais e nos informes distribuídos pelas autoridades, bem como a críticas sobre a falta de alerta prévio.
⚠️Overnight storms brought heavy rainfall to parts of the Hill Country, resulting in significant flooding and extremely dangerous conditions. #TexasGameWarden Search and Rescue teams are actively conducting rescues across the region, with additional boat crews en route. (1/3) pic.twitter.com/eQyAa4IIOe
— Texas Game Wardens (@TexasGameWarden) July 4, 2025
Eventos extremos e percepção da crise climática
A pesquisa publicada na Nature Climate Change aponta que, para cinco dos sete tipos de eventos climáticos extremos examinados (como inundações, ondas de calor, secas), a simples exposição da população não levou a um apoio às políticas climáticas.
Ou seja, o mero fato de uma comunidade ser atingida por um desastre não se traduz automaticamente em maior cobrança ou aceitação de políticas de mitigação, que muitas vezes envolvem mudança de hábito como usar menos o carro e reduzir o consumo de certos alimentos.
Apenas para incêndios florestais houve uma associação positiva. Mas mesmo essa relação se tornou estatisticamente não significativa em análises mais aprofundadas.
Em países mais expostos a chuvas fortes, o apoio foi menor, possivelmente porque as pessoas muitas vezes não conseguem associar chuvas extremas às alterações climáticas — como ocorreu na recente tragédia climática no Texas.
Essa complexidade sublinha a necessidade de que a experiência de eventos extremos seja acompanhada da atribuição subjetiva para que se converta em apoio político, salienta o estudo.
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Alta consciência climática na América Latina
A alta atribuição na América Latina foi associada pelos pesquisadores à elevada crença nas alterações climáticas causadas pelo homem e pela alta experiência pessoal auto-relatada de eventos extremos na região.
Adicionalmente, o estudo aponta que as pessoas em países latino-americanos estavam entre as mais propensas a relatar que as alterações climáticas as prejudicarão e às futuras gerações, e que deveriam ser uma alta prioridade para seus governos.
Embora a atribuição subjetiva seja alta, o texto menciona uma nuance para alguns países latino-americanos:
“A relação entre atribuição subjetiva e apoio político foi mais fraca em alguns países latino-americanos, o que pode ser devido a um efeito de teto”.
Isso quer dizer que o apoio a políticas climáticas já é alto nesses países. A maioria das pessoas já apoia intensamente as políticas, tornando a relação com a atribuição menos variável, mas não menos significativa em termos de conscientização.
Medidas de mitigação e apoio da população
O apoio geral a políticas climáticas foi substancial em todos os países estudados na pesquisa conduzida pelo TISP.
As políticas analisadas incluíram aumentar impostos sobre alimentos intensivos em carbono (como carne bovina e laticínios), aumentar impostos sobre combustíveis fósseis, expandir a infraestrutura de transporte público, aumentar o uso de energia sustentável (como eólica e solar) e proteger áreas florestais e terrestres.
Mediadas como proteção de áreas florestais e terrestres e o aumento do uso de energia sustentável foram as mais populares, enquanto o aumento de impostos sobre carbono recebeu o menor apoio.
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Por que a percepção é tão importante para evitar tragédias climáticas
O estudo tem implicações cruciais para a comunicação climática e o engajamento público.
Se a percepção é a chave, então a atuação de veículos de comunicação, acadêmicos, celebridades e políticos é fundamental para acelerar a adoção de medidas que evitem ou mitiguem o impacto desses eventos severos.
É necessário que esses atores sociais se engajem ativamente na comunicação da relação de causa e efeito entre os eventos extremos e a crise climática — como exemplifica a tragédia climática no Texas.
Acadêmicos podem traduzir descobertas complexas em mensagens claras, enquanto celebridades e políticos têm o poder de amplificar essas mensagens e influenciar a opinião pública, criando os “momentos de aprendizado” , que transformam a experiência em ação.
O estudo recomenda fortemente que pesquisas futuras avaliem a atribuição subjetiva, dado seu papel central.
Veja a pesquisa completa aqui.
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