Londres – Um novo relatório da ONG britânica Center For Countering Digital Hate (CCDH) chama a atenção para os riscos causados pela desinformação climática online durante eventos extremos como furacões, enchentes e incêndios florestais.
Os pesquisadores analisaram publicações nas quatro principais plataformas (Facebook, Instagram, X e YouTube) entre abril de 2023 e abril de 2025 nos EUA e selecionaram 300 posts falsos ou enganosos com altas taxas de visualizações ou curtidas.
O estudo afirma que durante tragédias climáticas recentes — as inundações no Texas, os incêndios de Los Angeles e o furacão Helene — as redes sociais amplificaram o alcance de teóricos da conspiração reconhecidos, ao mesmo tempo em que deixaram de destacar informações vitais de emergência.
Metodologia analítica detalhada
Para selecionar os conteúdos analisados, os pesquisadores utilizaram o Online Deniers Dataset (ODD), uma base de dados criada a partir de perfis identificados pela organização DeSmog como disseminadores de desinformação climática.
A partir disso, foram aplicadas buscas por palavras-chave relacionadas a eventos extremos como “flood”, “hurricane”, “wildfire” e nomes específicos como “Helene” e “Texas”.
Os posts foram então ranqueados por número de curtidas e analisados com auxílio de uma ferramenta de inteligência artificial que sinalizava possíveis conteúdos enganosos.
Cada um dos 300 posts finais foi validado por dois pesquisadores humanos, com apoio de verificações independentes realizadas por agências de checagem, veículos jornalísticos, publicações acadêmicas ou organizações especializadas em clima.
A análise avaliou a presença de selos de verificação nas contas, a existência (ou ausência) de checagens de fato e o uso de monetização por parte dos autores e das plataformas. Também foi verificada a presença de anúncios junto aos conteúdos, especialmente no YouTube, e os mecanismos de recomendação que poderiam impulsionar ainda mais a desinformação.
Plataformas não conter desinformação e amplificam teorias
Segundo o relatório, as redes da Meta deixaram de aplicar verificações de fatos em 98% dos casos analisados. No X, isso aconteceu em 99% dos posts, e o YouTube não aplicou nenhuma checagem em 100% das postagens avaliadas.
Durante os incêndios em Los Angeles, por exemplo, publicações do teórico da conspiração Alex Jones — conhecido por espalhar conteúdos falsos e condenado por difamação em outros casos — com alegações enganosas sobre confisco de alimentos e tramas “globalistas” alcançaram mais usuários no X do que as comunicações da FEMA (Agência Federal de Gestão de Emergências), do jornal LA Times e de dez grandes agências de notícias reunidas.
O estudo também relata que anúncios pagos simulavam agências de ajuda federal para roubar dados pessoais de vítimas, enganando pessoas desesperadas que não conseguiam distinguir a ajuda real da fraude online.
Imran Ahmed, CEO da ONG – que ano passado foi processada por Elon Musk ao denunciar conteúdo de ódio ao lado de propaganda de grandes corporações no X – afirma que a disseminação de conspirações climáticas onine não é acidental.
Para Ahmed, ela “faz parte de um modelo de negócios que lucra com a indignação e a divisão”.
Nova forma de negacionismo domina o ambiente digital
Segundo o CCDH, além do impacto direto em momentos críticos, há um padrão mais amplo de desinformação emergente: a transição do negacionismo climático clássico para o que o relatório define como “nova negação climática”.
Em vez de negar o aquecimento global, os novos discursos se concentram em desacreditar seus impactos, minar soluções propostas e atacar especialistas e instituições científicas.
Esse tipo de conteúdo foi amplamente identificado no YouTube, onde quase um terço dos vídeos com informações enganosas sobre desastres climáticos recomendava automaticamente outros vídeos de teor semelhante, perpetuando ciclos de desinformação.
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Relatório aponta uso de selos verificados em contas desinformadoras
O relatório também destaca que uma parcela expressiva das postagens analisadas partiu de contas com selo de verificação — uma marca que, segundo o CCDH, contribui para ampliar a percepção de legitimidade junto ao público.
No X, 88% das publicações enganosas sobre eventos climáticos vieram de contas verificadas; no YouTube, 73%; e no Facebook e Instagram, 64%.
Esses selos, segundo o estudo, podem reforçar a autoridade percebida dos autores, mesmo quando divulgam alegações desmentidas por fontes científicas e oficiais.
Plataformas e criadores lucram com conteúdo enganoso, diz estudo
Outro ponto abordado pelo relatório é a monetização de conteúdos que disseminam desinformação sobre desastres.
No YouTube, 29% dos vídeos identificados como enganosos estavam acompanhados de anúncios. O relatório cita exemplos de publicidade exibida junto a esse tipo de conteúdo, com marcas como Starbucks, Honda, Microsoft e Accenture.
No X, cinco contas analisadas — incluindo a do conspiracionista Alex Jones e a do comentarista político Michael Shellenberger — utilizavam o sistema de assinaturas da plataforma, com potencial de gerar receita a partir de um público combinado de 14 milhões de seguidores.
No Facebook, três contas estavam listadas como “parceiras de monetização”, autorizadas a compartilhar receita de publicidade, entre elas a do ativista conservador Charlie Kirk e da apresentadora da Fox News Laura Ingraham.
Desinformação digital teve reflexos offline, segundo o relatório
O relatório também documenta consequências fora das redes sociais, mas motivadas por elas.
Após as enchentes no Texas, boatos envolvendo “armas climáticas” e “chuvas provocadas artificialmente” teriam motivado ações contra infraestruturas meteorológicas.
Um radar foi danificado em Oklahoma, e a empresa Rainmaker, especializada em indução de chuvas, teria recebido mais de 100 ameaças de morte, levando ao reforço da segurança em suas instalações.
O CCDH conclui que ao permitirem a disseminação de teorias da conspiração climática durante desastres ambientais, as plataformas digitais agravam os riscos à vida humana e minam a confiança em fontes confiáveis de informação — ao mesmo tempo em que criadores e BIg Techs se beneficiam financeiramente do caos informativo.
O relatório completo pode ser visto aqui.
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